Direitos

Santa Catarina e Paraná somam 82 casos de assédio a trabalhadores durante as eleições

Donos das lojas Havan e dos supermercados Condor foram notificados pelo MPT por coagir funcionários a votar em Bolsonaro

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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No dia 2 de outubro, cinco dias antes do primeiro turno, Luciano Hang publicou imagem com funcionários da Havan e camiseta de Bolsonaro
No dia 2 de outubro, cinco dias antes do primeiro turno, Luciano Hang publicou imagem com funcionários da Havan e camiseta de Bolsonaro - Foto: Reprodução Twitter

O Ministério Público do Trabalho (MPT) em Santa Catarina e no Paraná registrou 82 denúncias de trabalhadores coagidos pelos patrões a declarar voto a um candidato de preferência da empresa nas eleições deste ano. Em ambos os estados, o candidato da extrema direita Jair Bolsonaro (PSL) foi o candidato mais votado no primeiro turno.

Foram 64 denúncias contra 15 empresas catarinenses e outras 18 no Paraná, relacionadas a oito empresas. Uma semana antes do primeiro turno, dois casos ganharam repercussão.

O primeiro foi um vídeo publicado por Luciano Hang, dono da Havan -- empresa do setor varejista com sede em Santa Catarina. O segundo foi uma carta de Pedro Zonta, presidente da rede de supermercados Condor, que tem 12 mil empregados no Paraná. Ambos coagiram seus funcionários a votar no candidato do PSL.

A procuradora Cristiane Lopes do MPT do Paraná avalia que essa é uma prática peculiar destas eleições. A procuradora do MPT de Santa Catarina, Marcia Cristina Kamei Lopez Aliaga, também afirma que não há denúncias semelhantes em eleições anteriores. 

O advogado Prudente Mello acrescenta que o uso de redes sociais de grandes empresários para coagir os trabalhadores tende a influenciar pequenos empresários. “Esse empresário, Luciano Hang, quer dizer: nossos empregados são nossos e tem que cumprir aquilo que eu estou impondo, ou vão ser demitidos. O discurso levado têm essa noção e, ao fazer isso abertamente, tem como função induzir tantos outros empresários a essa lógica para que adotem igual comportamento”, analisa.

O advogado lembra que os empresários romperam com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e com a Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante a liberdade política de empregados.

Trabalhadores que identifiquem essa situação podem denunciar os casos no portal do Ministério Público do Trabalho.

Voto de cabresto

O historiador Jorge Barcellos aponta que, tradicionalmente, as elites atuavam na política financiando campanhas ou ocupando cargos do poder. “O sentido da sua atuação de exercício de poder era as instituições e não os cidadãos. Acredito que isso é um dos elementos que começa a se agregar como ingrediente complicador dessas reformas neoliberais”, aponta.

Barcellos ressalta a relação de poder do dono da empresa em relação ao funcionário, especialmente em um período de alto índice de desemprego. Para o historiador, é possível comparar a postura adotada pelos donos da Havan e do Condor com a prática conhecida como “voto do cabresto”, usada na República Velha pela elite proprietária de terras para coagir o voto dos empregados.

“A Nova República está tendo continuidade em uma nova etapa ao retorno da República Velha”, afirma. "Nós nunca estivemos tão perto do nosso início, como sociedade democrática, como estamos agora", emenda o historiador, em referência aos retrocessos sociais no Brasil.

Professor da universidade Cesusc, Prudente Mello defende que atitudes como de Luciano Hang e Pedro Zonta impõem medo aos trabalhadores. “Já vivemos uma sociedade do medo, determinada a partir da estrutura de poder que, com a reforma trabalhista, veio ainda a agravar as relações capital-trabalho. Esse tipo de comportamento é realmente um processo que traz a determinação de como as classes dominantes, em especial os grandes empregadores, estão se relacionando com os trabalhadores”, avalia.

Vídeos do dono da Havan

Em publicação em sua página oficial no Facebook, Luciano Hang publicou no dia 5 de outubro uma montagem criticando as ações do Ministério Público do Trabalho. Na imagem, o rosto de Hang é associado a figura do professor Xavier, personagem da série X-Men, como alguns de seus seguidores o chamam. Na montagem está escrito: “Temos um mutante entre nós. A Justiça do Trabalho diz que ele controla mentes" -- alusão ao personagem fictício, capaz de manipular pensamentos.

No mesmo dia, uma decisão judicial obrigou Hang a publicar em sua página a determinação judicial que o proíbe “de adotar quaisquer condutas que, por meio de assédio moral, discriminação, violação da intimidade ou abuso de poder diretivo, intentem coagir, intimidar e/ou influenciar o voto de quaisquer de seus empregados à Presidência da República”.

Após a decisão de primeira instância do juiz Carlos Alberto de Castro, Luciano Hang entrou com recurso. No entanto, o desembargador federal do trabalho Gilmar Cavalieri determinou que a determinação inicial fosse cumprida, sob pena de multa de R$ 500 mil.

O caso ganhou repercussão na mídia a partir da divulgação do vídeo no qual Hang reuniu os trabalhadores da Havan na sede da empresa, em Brusque (SC). No vídeo, todos os empregados vestem blusa verde com escrito “o Brasil que queremos só depende de nós”.

O empresário afirma que realizou pesquisas entre os funcionários e constatou que 30% deles votariam em branco ou anulariam seu voto. Ele ainda questiona trabalhadores se, em caso de resultado eleitoral diferente da vitória de Bolsonaro: “Você está preparado para sair da Havan? Você está preparado para ganhar a conta da Havan? Você que sonha em ser líder, gerente, e crescer com a Havan, você já imaginou que tudo isso pode acabar no dia 7 de outubro? E que a Havan pode um dia fechar as portas e demitir os 15 mil colaboradores?".

O advogado Prudente Mello ressalta que o ato viola a liberdade política dos trabalhadores definirem livremente seu voto. “Ele coagiu, ele exerceu esse processo com ameaça efetiva de demissão desses trabalhadores caso não votassem ou caso votassem em um candidato oposto a visão política que ele tem”, diz.

Carta do dono do supermercado Condor

No estado vizinho, o presidente do grupo Condor, Pedro Joanir Zonta, enviou aos funcionários uma carta declarando apoio a Bolsonaro, com críticas à esquerda e se comprometendo a não cortar o 13º salário e férias, em referência ao comentário do vice do PSL, General Mourão, que alegou ser um peso pagar esses direitos aos trabalhadores.

A procuradora Cristiane Sbalqueiro Lopes, do Ministério Público do Trabalho do Paraná, encaminhou uma notificação à Zonta para uma audiência. De acordo com ela, o conteúdo da carta pode ser interpretado como uma promessa de vantagem em razão a determinado posicionamento político. “Nos momentos que antecedem uma eleição, não pode fazer promessa. Por um lado, é crime eleitoral por promessa de vantagem, e por outro lado é crime eleitoral por coação”, afirma.

Lopes ressalta que, diferentemente de Luciano Hang, o dono dos supermercados Condor imediatamente se retratou pelas redes sociais e pelo site da rede de supermercados e assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Edição: Diego Sartorato