Saúde

Justiça de Uberlândia autoriza pais a cultivarem maconha para tratamento do filho

Criança, com paralisia cerebral e síndrome de West, apresentou melhoras após tratamento com cannabis

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Davi chegou a ter cem crises epiléticas num mesmo dia, antes de família optar por tratamento com canabidiol
Davi chegou a ter cem crises epiléticas num mesmo dia, antes de família optar por tratamento com canabidiol - Foto: Creative Commons

Um casal de Uberlândia (MG) conseguiu na Justiça a autorização para continuar a cultivar e manusear maconha medicinal para o tratamento de saúde do filho de 4 anos, que sofre de paralisia cerebral e síndrome de West. A decisão provisória, expedida no final de outubro, é do juiz Antônio José Pêcego, da 3ª Vara Criminal.

A doença se manifestou quando Davi tinha apenas sete meses de vida. De lá para cá, uma série de medicamentos foram tentados sem sucesso. Somente após o uso do canabidiol foi observado melhora no quadro clínico.

“Meu filho chegou a ter até 100 crises epiléticas por dia. A gente tentou várias medicações. Ele chegou a usar quatro anticonvulsivantes simultâneos. Isso até certo ponto controlou as crises, só que o levou a um estado semi-vegetativo, porque ele ficava tão dopado que dormia umas 20 horas por dia. E mesmo acordado a gente percebia que ele estava totalmente alheio ao que estava acontecendo”, comenta o pai de Davi, Rodrigo Robledo.

Diante da ineficiência de medicamentos e os efeitos colaterais produzidos, Rodrigo e a mulher optaram por iniciar o tratamento à base de canabidiol, orientado por profissional médico. Segundo o pai, a partir da terceira semana já foi possível perceber mudanças.

“Ele passou a ficar mais tempo acordado, começou a movimentar braços, pernas, pescoço; coisa que ele não fazia antes. Começou a dar respostas a estímulos auditivo e visual. Passamos, então, a reduzir os medicamentos que ele tomava. Faz um ano e dois meses que ele está fazendo uso do óleo, e já teve melhora cognitiva e de interação social”, diz Robledo.

Autorização

Desde 2015, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou o uso do canabidiol para fins medicinais, mas a importação ainda é necessária, já que canabidiol não tem registro no Brasil. O cultivo e manuseio da planta, portanto, seguem sendo um crime no país.

O custo mensal para a família importar o produto para o tratamento do filho era em torno de R$ 2600,00. “Com a medicação importada o custo ficava altíssimo e a família não tinha condições. A gente, então, optou por tentar com esse habeas corpus fazer com que eles possam plantar e produzir a própria medicação”, explica o neuropediatra João Paulo Machado Porto, médico de Davi.

Dever do Estado

Em entrevista ao G1, o juiz Pêcegoao, responsável por conceder a permissão aos pais e à criança, afirmou que "a dignidade humana, a vida e a saúde são direitos fundamentais e sociais previstos na Constituição Federal de 1988".

"Nesse caso", de acordo com o magistrado, "se o Estado não assegura esses direitos, nada mais justo que o Poder Judiciário interferir para atender ao menor".

Lobby

Para o médico, a razão de a cannabis não ser ainda legalizada no Brasil é do preconceito e dos interesses da indústria farmacêutica. “É possível e relativamente seguro plantar a medicação dentro de casa e, certamente, isso não é interessante para as indústrias. A cannabis tem substâncias anti-inflamatórias, anti-epilépticas, ansiolíticas, antinauseantes. São 80 canabinóides diferentes e, destes, todos têm diversos efeitos esperados. Tem um potencial terapêutico muito grande. Sem dúvida, além do preconceito, o lobby das indústrias farmacêuticas é resistente a isso”, acredita.

Edição: Cecília Figueiredo