Câmara dos Deputados

"Violência política precisa ser tratada como inaceitável", afirma especialista

Anistia Internacional pede atitude mais enfática do Estado brasileiro e reconhecimento da gravidade dos crimes políticos

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Passeata no Rio de Janeiro para lembrar 120 dias do assassinato de Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, em julho de 2018
Passeata no Rio de Janeiro para lembrar 120 dias do assassinato de Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, em julho de 2018 - Fernando Frazão/Agencia Brasil

Em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira (29), parlamentares e especialistas expressaram sua preocupação com episódios de violência política como o assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol), assassinada durante uma emboscada no Rio de Janeiro (RJ) em março deste ano. O debate ocorreu no âmbito da comissão legislativa que acompanha as investigações sobre o caso.

A coordenadora de pesquisa e políticas da ONG Anistia Internacional, Renata Neder, chamou atenção para a postura do Estado brasileiro diante desse tipo de ocorrência. Ela defendeu a necessidade de atitudes mais enfáticas por parte dos diferentes órgãos e agentes estatais para não só dar agilidade aos processos de investigação e julgamento, mas especialmente para reconhecer a gravidade dos crimes.

Relatórios de diferentes instituições, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a própria Anistia Internacional, apontam que o Brasil está entre os quatro países mais perigosos do mundo para ativistas de direitos humanos.

Segundo o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, foram registrados 66 assassinatos de pessoas com esse perfil no ano de 2016. Renata Neder ressaltou o caráter simbólico de casos como o de Marielle e afirmou que “a violência política é inadmissível”.

“O homicídio de um defensor de direitos humanos não é apenas a tentativa de silenciar aquele indivíduo. É uma tentativa de silenciar e interromper a própria luta pela ampliação de direitos e uma sociedade mais justa, então, o Estado deve responder a isso à altura, não deve deixar que essa mensagem de medo e de silêncio seja dada”.

A mãe da vereadora Marielle Franco, Marinete da Silva, esteve na Câmara nesta quinta-feira para acompanhar a audiência. Em entrevista ao Brasil de Fato, ela ressaltou o caráter político do assassinato da filha e pediu um freio nos episódios de violência no país.

“Tem uma onda de conservadorismo muito grande, de fascismo, mas [espero] que isso não continue porque é um retrocesso pra gente. Eu espero, como mãe, que outras mães não passem pelo que estou passando”, desabafou.

Governo Bolsonaro

Em entrevista ao Brasil de Fato, participantes da audiência alertaram sobre o risco de ampliação desse tipo de violência sob o atual contexto de avanço conservador, que levou Jair Bolsonaro (PSL) ao poder.

A figura do líder do PSL é constantemente associada ao tema por conta das diferentes declarações que o presidente eleito tem dado, especialmente nos últimos anos, contra ativistas de direitos humanos, negros, mulheres, indígenas, LGBTs, sem-terra, quilombolas, entre outros grupos.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) chama a atenção para os crimes que se deram durante o período eleitoral deste ano, quando foram registradas ocorrências de violência política em diversas regiões.

Entre os destaques, estão o assassinato do mestre de capoeira Moa do Katendê, em Salvador (BA), e o episódio em que uma jovem de 19 anos foi atacada por três homens e teve uma suástica (símbolo do nazismo) marcada na pele marcada com canivete. O caso ocorreu em Porto Alegre (RS) e a vítima, que usava um adesivo com a bandeira LGBT, foi agredida também com xingamentos homofóbicos.

Outras ocorrências estiveram relacionadas ao uso de roupas e acessórios vermelhos, cor associada à ideologia de esquerda, e ao cerceamento do trabalho de professores em escolas e universidades. Também teve destaque a depredação da placa em memória de Marielle Franco que estava instalada numa via carioca.

Feghali aponta que o discurso de Bolsonaro teria oxigenado esse tipo de atitude, pela alusão constante do líder do PSL à violência contra adversários políticos. Em visita ao Acre em setembro deste ano, por exemplo, o então candidato chegou a defender o fuzilamento de petistas.

“Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre. Já que gosta tanto da Venezuela, essa turma tem que ir para lá”, disse, na ocasião, fazendo gesto de arma com as mãos.

“São violências autorizadas, estimuladas e quase que permitidas. É muito preocupante, e eu tenho um temor de que isso se espalhe de forma natural, como se agredir e matar fosse algo natural e protegido. Vamos precisar enfrentar isso muito rápido”, afirmou a parlamentar.

Para o deputado Glauber Braga (Psol-RJ), integrante da comissão legislativa que acompanha o caso Marielle na Câmara, o combate ao discurso de violência política passa pela aglutinação das diferentes forças democráticas.

“Se você tem uma defesa contra um discurso de ampliação do Estado de atenção e violência política que seja isolado, ele fica mais fraco. Quando você se reúne com outros, com uma frente que não seja só parlamentar e institucional, mas que seja com a sociedade civil organizada, movimentos, isso se torna uma ação muito mais forte na defesa dos direitos daqueles que não querem fazer da violência política um fato consumado”.

 

 

Edição: Mauro Ramos