Saúde

Novo edital do Mais Médicos não resolve o déficit de profissionais; entenda

Ex-coordenador do programa aponta alta rotatividade de brasileiros como principal dificuldade para consolidar vagas

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Médico cubano Arnaldo Cedeño se despede de aldeia indígena Apalaí e Wayana na fronteira com o Suriname
Médico cubano Arnaldo Cedeño se despede de aldeia indígena Apalaí e Wayana na fronteira com o Suriname - Pedro Biava

O novo edital do Mais Médicos, lançado para suprir as vagas deixadas pelos profissionais cubanos, termina nesta sexta-feira (7) e não deve equacionar o déficit de médicos do programa. Mesmo que todas as vagas sejam preenchidas, o histórico do programa indica que nem todos os profissionais que se concorrem ao edital se apresentam para trabalhar ou permanecem nos territórios para os quais foram distribuídos.

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A avaliação é do professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Felipe Proenço, doutor em Saúde Coletiva. Entre 2013 e 2016, ele foi coordenador nacional do Mais Médicos e diretor do Departamento de Planejamento e Regulação da Provisão de Profissionais de Saúde do Ministério da Saúde. 

O Ministério da Saúde abriu 8,5 mil vagas para profissionais com registro no Brasil na nova chamada, após o encerramento da cooperação com Cuba no dia 14 de novembro. Até quinta-feira (6), 35,7 mil inscrições foram iniciadas e apenas 8,4 mil haviam sido concluídas. 

Destas, apenas 3,9 mil médicos — ou 46,3% do total das vagas deixadas pelos cubanos — haviam se apresentado nos municípios e 2,3 (27,1%) haviam iniciado as atividades. Por isso, o professor da UFPB ressalta que não é possível avaliar o sucesso do edital pelo número de inscritos no programa.

“Em todos os editais, há uma grande inscrição de profissionais, inclusive de profissionais que entram no sistema para tentar ver que vaga tem disponível e, depois, acabam avaliando se realmente vão participar do programa ou não”, explica Proenço. “Esse comportamento de grande procura e de ocupação de boa parte de vagas pelos brasileiros já acontece, pelo menos, desde 2015”. 

Rotatividade

Entre 2013 e 2017, 54% dos médicos brasileiros que participaram do Mais Médicos desistiram do programa em até um ano e meio. No caso dos cubanos, mais da metade permanecia, em média, um período superior a dois anos e meio nos municípios. O contrato prevê três anos de trabalho.

No edital de 2017, 6,2 mil médicos brasileiros se inscreveram para concorrer a 2,3 mil vagas, mas só 1,6 mil apareceram para trabalhar. Destes, cerca de 30% deixaram os postos antes de completar um ano de serviço.

“Os cubanos já vieram dispostos a morar no pequeno município em que eles estavam designados, onde o programa o alocava para participar, mas não imagino que vá ter esse mesmo interesse pelos médicos brasileiros”, analisa o ex-coordenador do Mais Médicos.

Déficit é anterior

Outra fragilidade do edital, segundo Proenço, é que ele cobre apenas as vagas deixadas pelos médicos cubanos, ignorando que a falta de médicos era anterior ao fim do convênio com o país caribenho, em novembro: “[O governo brasileiro] lança um edital, a princípio, para substituir os médicos cubanos, mas já existia um passivo importante de vagas que vêm há muito tempo em aberto, e deixando de receber o financiamento da saúde da família em virtude disso”. 

Maior cidade do país, São Paulo (SP) possui um dos maiores índices de evasão de médicos brasileiros no programa. Na capital paulista, 40% dos profissionais não cumpriram nem 12 meses de contrato entre 2013 e 2017. O município perdeu, com a saída dos cubanos, 72 profissionais que eram responsáveis pelo atendimento de 250 mil paulistanos -- em geral, nas periferias da cidade. Em 2019, mais 52 médicos podem deixar o programa por causa do encerramento de contratos.

Por essa razão, a vereadora Juliana Cardoso (PT) pediu, na semana passada, uma audiência pública para tratar da renovação dos contratos e novas contratações. Ela ressalta a dificuldade de se encontrar médicos para atender em regiões mais descentralizadas da cidade.

Cardoso lembra que o vínculo estabelecido pelos médicos cubanos era mais intenso do que os brasileiros estão acostumados. “Quando você faz a abertura desse chamado [novo edital do Ministério da Saúde], você, de fato, pode ter um preenchimento. Mas eles não vão ficar fixos, vão passar uma temporada e vão embora. E, como a gente consegue colocar outro médico naquele lugar, sendo que já foi ocupado? Acho que nós temos muitos desafios pela frente”, acrescenta a vereadora.

No interior do país e nas áreas de difícil acesso, especialmente na região Norte, o cenário deve ser ainda mais catastrófico do que não capital paulista. 

“Nas áreas de maior necessidade, pode parecer um percentual pequeno quando se divulga o dado, mas esse percentual corresponde às áreas, historicamente, de maior necessidade, que é exatamente onde os médicos brasileiros, em todos os editais, não foram”, lamenta Felipe Proenço. “Os efeitos da saída dos médicos cubanos já estão sendo sentidos. A gente já está vendo exemplos de desassistência em vários lugares”, finaliza.

Segundo o Ministério da Saúde, caso não haja comparecimento, a previsão é de que as vagas sejam disponibilizadas em novo edital. Nesta sexta-feira (7), a pasta já anunciou um novo edital para profissionais brasileiros e estrangeiros formados no exterior. Os candidatos terão entre os dias 11 e 14 de dezembro para enviar a documentação.

Edição: Daniel Giovanaz