Paraná

Incêndio

Ocupação 29 de março: cenas de guerra e indignação

Reportagem do Brasil de Fato ouve dezenas de moradores e todos são unânimes em atribuir incêndio à polícia

Curitiba |
Moradores reviram escombros após incêndio em comunidade no Paraná
Moradores reviram escombros após incêndio em comunidade no Paraná - Giorgia Prates

No dia seguinte ao incêndio que destruiu mais de 200 casas na Ocupação 29 de março, na CIC, em Curitiba, a reportagem do Brasil de Fato entrevistou dezenas de moradores. Em todos os relatos, de pessoas cujos nomes serão preservados por questões de segurança, o começo do incêndio é atribuído à ação da polícia.

O terror se instaurou nas comunidades da ocupação depois da morte de um policial na madrugada de quinta para sexta-feira na frente da casa em que começou o incêndio na noite seguinte. Há relatos de agressão e espancamento de pessoas durante todo o dia de sexta para que denunciassem quem era e onde estava o responsável pela morte do policial.

“De lá para cá os PM começaram a entrar nas ocupações, 29 de Março, Primavera,Dona Cida e até Tiradentes. Eles agrediram e espancaram várias pessoas. Colocaram sacolas na cabeça, deram chutes, cotoveladas... À noite, mandaram o recado que iam velar o camarada deles e depois do velório iam ‘estourar os barracos da comunidade’. Voltaram e entraram na casa em frente que o policial foi alvejado, deram um monte de tiros e começaram o incêndio”, conta o morador J. Outra moradora, C, confirma que pessoas da comunidade foram agredidas, “invadiram, quebraram portas das casas em que os moradores estavam trabalhando. À tarde, deram toque para fechar todos os comércios por que iam fazer uma operação, entraram nos barracos. À noite, ninguém podia sair para fora. Aí as casas começaram a queimar, teve tiro, foguete, morador morto, motorista de Uber baleado.”

L, que também morava no local do incêndio, diz que seu marido foi um dos que apanharam da polícia, levando muitas coronhadas. Relata que foram para a casa de uma amiga, mas no final da tarde desceu para pegar seu violão, porque canta música gospel. A porta de sua casa tinha sido estourada, mas estava “tudo arrumadinho”. Quando saiu do beco onde morava, escutou tiros e foguetes. E deu de cara com uns 10, 15 policiais à paisana, atirando pra cima e pros lados.

“Saí meio tranquila, sem correr pra não acharem que eu tinha alguma coisa, e fui pro Tiradentes (outra comunidade). "Quando viu o fogo quis voltar, mas seu marido não queria deixar, porque já tinha apanhado muito. “Mas a gente reuniu um povo e veio em comboio, chegou aqui na rua. Afirma que quando chegou os bombeiros estavam sendo impedidos de trabalhar, “Só quando a imprensa chegou é que deixaram.”

O morador J lembra que já houve outros incêndios nas comunidades e que por isso existe uma estratégia de desmontar os barracos que estão ao lado para que o fogo não se propague. “Até seis casas já chegaram a queimar, mas não passou disso. Só que quando nos mobilizamos para tentar controlar o incêndio, não deixaram a gente fazer nada, queimaram mais de 200 barracos. O presente de Natal são essas famílias sem teto. Eu quero justiça na investigação da morte do policial, mas o que fizeram aqui foi vingança, uma covardia.”

Posição da PM

Em coletiva de imprensa neste sábado, 08, os comandos da Polícia Militar e Policia Civil negaram envolvimento de policiais com o incêndio e também qualquer tipo de violência contra os moradores. Informaram que será aberto inquérito e que consideram que a ação seja responsabilidade do tráfico ou do crime organizado. O BDF está à disposição para que qualquer policial possa contar sua versão, com o mesmo sigilo garantido aos moradores.
A Prefeitura de Curitiba se pronunciou também nesta manhã informando que um plano de contingência foi acionado envolvendo Defesa Social, Guarda Municipal, Fundação de Ação Social (FAS), Secretaria Municipal da Educação, Secretaria Municipal da Saúde, coordenados pela Regional da CIC. Cerca de 80 pessoas, segundo informe da Prefeitura, foram abrigadas na Escola Municipal Doutor Hamilton Calderari Leal.

Edição: Ana Carolina Caldas