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Com ascensão do autoritarismo, lideranças de esquerda debatem aprofundar a democracia

Ex-presidenta falou durante Conferência Internacional organizada pela Fundação Perseu Abramo, em São Paulo

Brasil de Fato | São Paulo |

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Da esquerda à direita: Virgílio Hernández (Equador), Maite Mola (País Basco), Renata Ramos (FPA), Dilma e Giacomo Filibeck (Itália)
Da esquerda à direita: Virgílio Hernández (Equador), Maite Mola (País Basco), Renata Ramos (FPA), Dilma e Giacomo Filibeck (Itália) - Sérgio Silva/Fundação Perseu Abramo

A ex-presidenta Dilma Rousseff participou nesta terça-feira (11) da Conferência Internacional em Defesa da Democracia, organizada pela Fundação Perseu Abramo, em São Paulo. O tema do debate foram as “alternativas e caminhos na luta em defesa da democracia”. 

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Vítima de um golpe de estado parlamentar em 2016, Dilma começou sua intervenção relembrando sua passagem pelo presídio Tiradentes, quando foi presa pelo regime militar. “Quando eu lá cheguei, algum preso havia escrito na parede: ‘feliz do povo que não tem heróis’. Aquilo ficou na minha cabeça. Mais tarde entendi que era uma espécie de denúncia, um desabafo de quem escreveu. Porque feliz do povo que não tem que resistir à tortura, que não tem que resistir às restrições de direitos, feliz do povo que não tem que resistir às atrocidades que são cometidas ao longo da história contra os mais pobres, os mais oprimidos”. 

Sobre o avanço recente da extrema direita no mundo, especialmente na América Latina, Dilma lembrou os limites do sistema democrático liberal, problema ao qual, segundo ela, não foi percebido a tempo pelas forças progressistas.“Nós, da esquerda latino-americana, que discutimos os limites da representação democrático burguesa, tornamos a democracia liberal algo progressista, em si”. 

Sobre as alternativas e desafios das forças progressistas para enfrentar o avanço da extrema-direita na América Latina e no mundo, a ex-mandatária defendeu “radicalizar a democracia no Brasil”. “Radicalizar a democracia é uma maneira de combinar o caráter popular, dos direitos sociais do seu povo com a defesa da soberania. A democracia é uma maneira de levarmos até o limite a nossa luta”, concluiu, reafirmando sua determinação de ajudar a construir uma frente ampla democrática entre as forças progressistas. 

Além da ex-presidenta, participaram do debate Virgilio Hernández, ex-deputado constituinte da Aliança País, do Equador, o vice-secretário geral do Partido Socialista Europeu (PES), o italiano Giacomo Filibeck e a vice-presidenta do Partido da Esquerda Europeia, a cidadã basca Maite Mola. 

"Radicalizar a democracia é uma maneira de combinar o caráter popular, dos direitos sociais do seu povo com a defesa da soberania". Foto: Sérgio Silva/FPA

Hernández criticou a chamada “judicialização da política” e as práticas autoritárias de governos de direita, como recurso para tirar os partidos e organizações progressistas do jogo político. E destacou o papel dos meios de comunicação para legitimar as práticas antidemocráticas dos governos conservadores. "Os meios de comunicação e os grandes conglomerados midiáticos fazem política, mas não o fazem de forma responsável porque não têm que responder formalmente a ninguém”.

O parlamentar equatoriano fez um chamado à renovação das práticas políticas da esquerda, com o objetivo de se aproximar efetivamente das bases populares, construir a unidade política dos setores progressistas e encontrar respostas à altura dos desafios que estão colocados pela conjuntura. 

Filibeck se somou ao tom da autocrítica e fez um chamado à revisão do trabalho feito pelos partidos e organizações de esquerda no último período. “Eu não acredito que possamos ter uma alternativa real para combater essa ofensiva da extrema direita no mundo, se não tivermos uma avaliação honesta dos erros cometidos por nós no passado”.

Segundo o político italiano, o comodismo tomou conta das lideranças que estiveram a frente dos processos políticos na Europa. “Nós pensávamos que tudo estava bem e que nada ia dar errado. E 20 anos depois nós continuamos com o mesmo sonho de uma união federalista europeia, que caiu. Hoje, o apoio popular a esse projeto está em baixa, porque nesses 20 anos as pessoas não encontraram respostas aos seus problemas em nosso projeto”, analisou. 

Maite Mola afirmou que todo o avanço da extrema direita na América Latina está articulado dentro de um plano de caráter imperialista, que inclui, entre outras ações, as guerras na Síria e em outros países do Oriente Médio, a guerra econômica desatada entre Estados Unidos e China, o recrudescimento do bloqueio a Cuba e a perseguição contra governos progressistas na Venezuela e Nicarágua. 

Mola propôs que a resposta a esta realidade seja desenvolvido de forma coletiva, unitária, com respeito às características e identidades de cada nação. “Necessitamos um plano que deve propiciar a ação, que proponha alternativas sociais e políticas, com a ativação de conflitos sociais. Porque só quando é ativado o conflito social, os povos obtém vitória. O imperialismo segue sua ofensiva. Mas não estamos derrotados enquanto estivermos em luta”, concluiu.

Durante os dois dias de conferências, os participantes manifestaram em diversas ocasiões o repúdio à prisão política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e exigiram sua liberdade. 

Edição: Pedro Ribeiro Nogueira