Educação

Projeto "Escola sem Partido", que propõe censura nas escolas, é arquivado na Câmara

Matéria não teve relatório votado; deputadas de oposição e professores comemoraram o arquivamento

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Deputados e professores durante comemoração após anúncio do fim da comissão do PL "Escola sem Partido"
Deputados e professores durante comemoração após anúncio do fim da comissão do PL "Escola sem Partido" - Lula Marques/Liderança do PT na Câmara

A comissão do Projeto de Lei 7180/2014, conhecido como “Escola sem Partido”, teve os trabalhos encerrados na tarde desta terça-feira (11), na Câmara dos Deputados, após várias tentativas de obstrução da pauta por parte da oposição. O colegiado funcionava desde o fim de 2016.

A novidade frustrou os planos do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), filho de Jair Bolsonaro (PSL), que vinha trabalhando nos bastidores pela aprovação da pauta ainda este ano. O arquivamento também decepcionou o relator, deputado Flavinho (PSC-SP), que não teve o parecer votado. Ligado à ala mais conservadora da Igreja Católica, Flavinho havia sinalizado voto favorável ao projeto.

O anúncio do fim das atividades foi feito pelo presidente da comissão, Marcos Rogério (DEM-RO), um dos defensores do PL e membro da bancada evangélica, que não conseguiu vencer a oposição de parlamentares e membros da sociedade civil organizada.

A proposta será arquivada, conforme determina o regimento da Casa. Pelas normas, ao final de cada legislatura, as comissões temáticas são desfeitas, ainda que não tenham cumprido todo o rito dos trabalhos.

Comemoração

O anúncio foi comemorado por parte de parlamentares, estudantes e professores que acompanhavam a sessão.  

“É uma grande vitória da educação democrática, a prova de que a resistência dá certo, de que a luta dá certo, de que o argumento bem fundamentado é forte”, disse a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA).

Defendido por setores conservadores, o texto do PL limita a atuação dos professores em sala de aula, impedindo o ensino de conteúdos relacionados a temas como educação sexual e igualdade de gênero.

O projeto também proíbe os educadores de manifestarem opiniões políticas e ideológicas. Por esse motivo, foi apelidado por especialistas e setores progressistas como “Lei da Mordaça”, em referência à censura ao magistério.

Após o comunicado sobre o fim dos trabalhos, deputados da oposição lembraram o legado do pedagogo e filósofo Paulo Freire, que tem o título de “patrono da educação brasileira”. Referência internacional na área de pedagogia, o nome do educador foi utilizado diversas vezes pelos defensores do “Escola sem Partido” como referência para a prática de suposta “doutrinação ideológica” nos espaços de ensino.

“É [coisa de] gente que não leu a obra do Paulo. Eles não conseguem entender nem qual é o papel da escola numa sociedade – papel crítico, do desenvolvimento da inteligência. Foi um festival de ignorâncias pedagógicas”, criticou o deputado Chico Alencar (Psol-RJ).

Mulheres

Deputados e professores também lembraram a importância da resistência das mulheres ao longo da tramitação do projeto na Câmara. Além de Alice Portugal, a oposição à matéria teve à frente as deputadas Erika Kokay (PT-DF), Maria do Rosário (PT-RS), Professora Marcivânia (PCdoB-AM) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

Elas  protagonizaram intensos debates com parlamentares da mesa, que, em alguns momentos, chegaram a cercear a manifestação das deputadas. Kokay ressaltou a relação entre esses episódios e o conteúdo do “Escola sem Partido”, que veta o debate sobre as questões de gênero.

“Mulher, talvez mais do que os homens, sabe quanto vale a fala, quanto vale a liberdade. A liberdade que nós conquistamos sempre foi conquistada com muita dor, muita luta. Isso é importante porque uma escola amordaça é uma escola que vai possibilitar uma penalização maior dos segmentos que são oprimidos e discriminados na sociedade”, afirmou, em entrevista ao Brasil de Fato.

2019-2022

Apesar das comemorações, deputados e professores lembraram a importância da vigilância em relação ao PL, que deverá retornar na próxima legislatura. O autor da proposta, deputado Erivelton Santana (Patriota-BA), não se reelegeu, mas, pelo regimento da Câmara, a proposta pode ser desarquivada a pedido de outros deputados.

Caso isso ocorra, o "Escola sem Partido" será pauta de uma nova comissão. Outra opção seria a apresentação de um novo projeto de conteúdo semelhante.

“No momento, [o arquivamento] representa uma vitória, mas a gente precisa estar atento e forte. Ano que vem sabemos a legislatura que nos espera”, disse a professora Carolina Moniz.

Quanto ao governo de Jair Bolsonaro (PSL), eleito presidente da República para o mandato 2019-2022, a leitura política é de que a pauta deverá figurar na cartilha de prioridades da gestão, que tem discurso político conservador.

O partido do novo presidente terá a segunda maior bancada da Câmara, com 52 deputados. Por conta do apoio costurado com outras legendas conservadoras, deverá ter maioria no Legislativo. Apesar disso, parlamentares contrários ao programa de Bolsonaro consideram que a oposição poderá impor resistência.

É o que afirma, por exemplo, o oposicionista Glauber Braga (Psol-RJ), para quem a derrota do “Escola sem Partido” nesta legislatura pode ser um sinalizador de novas conquistas pela frente.

“A oposição pode ter um papel fundamental pro ano de 2019, barrando o avanço do autoritarismo, do reacionarismo. Se a gente tiver uma ação articulada, a gente tem capacidade de resistir ao retrocesso. Esse daqui, não tenho duvida, vai ser um espelho pras próximas ações que a gente vai tocar no próximo ano”, finalizou.

STF

Outros projetos com o mesmo conteúdo foram apresentados nos últimos anos, em diferentes estados. Sob acusação de ter caráter inconstitucional, uma lei aprovada em Alagoas em 2016, por exemplo, recebeu parecer desfavorável da Advocacia-Geral da União (AGU), que reforçou a ilegalidade da proposta.

A matéria foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), mas a Corte ainda não julgou definitivamente o caso.  

Edição: Daniel Giovanaz