Fatura

Quem são os principais financiadores de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente

Mais de 100 empresários do agronegócio, e de setores como armas e munição, deram dinheiro para a campanha de Salles

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Salles (terceiro da direita para a esquerda) durante cerimônia de posse de dirigentes da Sociedade Rural Brasileira, em março de 2017
Salles (terceiro da direita para a esquerda) durante cerimônia de posse de dirigentes da Sociedade Rural Brasileira, em março de 2017 - GILBERTO MARQUES/A2IMG/GOVERNO DE SP

Anunciado pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) para ministro do Meio Ambiente, o advogado e ex-secretário de Geraldo Alckmin (PSDB), Ricardo Salles, é tudo que os ruralistas desejam: um homem afinado com os interesses do agronegócio e que vai atuar em sinergia com quem "quer trabalhar", como têm anunciado com entusiasmo expoentes do setor. Em outras palavras, retirar entraves e acabar com a "indústria de multas do Ibama" conforme promessa de campanha do capitão reformado do Exército que deve tomar posse neste 1º de janeiro.

Além de entrevistas, circula em grupos de WhatsApp um vídeo, gravado na Granja do Torto, em que o futuro ministro aparece entre o dirigente da Sociedade Rural Brasileira, deputado federal eleito Frederico D’Ávila (PSL-SP) e o “comandante em chefe das forças agrícolas”, o presidente da União Democrática Ruralista (UDR) Luiz Antônio Nabhan Garcia e o futuro ministro. 

“Meus amigos, estou aqui com Frederico D’Ávila, nosso deputado estadual, liderança do agro, e nosso presidente Nabhan Garcia, grande força de todo setor, para dizer a vocês que nós teremos total sinergia da agricultura com o meio ambiente. Total respeito ao produtor rural e nosso apoio”, afirma Salles. Afago para os ruralistas, a convicção de suas palavras reforça, mais uma vez, seu compromisso com o setor. E demonstra que ele se sente  representado por essas lideranças. 

Desejando sorte ao futuro ministro, o “comandante em chefe” Nabhan diz que Salles fará uma grande administração. “Porque (Salles) à frente do Meio Ambiente significa o fim do estado policialesco e o fim do estado confiscatório (sic) em cima de quem trabalha e produz nesse país”.

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Criado em 1993, o Ministério do Meio Ambiente tem como missão formular e conduzir políticas públicas para o setor em todo o país. Isso significa proteger as florestas, os recursos hídricos, os ecossistemas, florestas e toda a biodiversidade do avanço de um modelo de agropecuária predatória, baseado no desmatamento para pastos e para a monocultura, dependente do uso de sementes transgênicas e de agrotóxicos – que já consumiu praticamente todo o Cerrado e avança em direção à Amazônia.

No entanto, pelo conteúdo do vídeo (assista a seguir), o Meio Ambiente tem tudo para ser submetido à Agricultura, tal como Bolsonaro pretendia com a duramente criticada fusão das duas pastas.  

Suplente


Outra forte evidência de que o escolhido por Bolsonaro é o homem sob medida para transformar o Ministério do Meio Ambiente em uma sucursal do Ministério da Agricultura é o perfil dos apoiadores de sua disputa por uma vaga na Câmara. Sem conseguir votos suficientes para se eleger deputado federal pelo Novo paulista, Salles, que é fundador do Movimento Endireita Brasil ficou como suplente.

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A campanha, aliás, está sendo questionada pelo Ministério Público Federal por abuso de poder econômico. O então candidato publicou diversos artigos sobre sua plataforma em jornais de grande circulação dias antes da eleição.

Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que o total arrecadado foi de R$1.567.339,90, montante bem menor que os R$ 2.239.027,97 da campanha da deputada federal eleita e futura ministra da Agricultura Tereza Cristina (DEM-MS).

Presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, a parlamentar viu seu cacife aumentar depois de conseguir, com suas manobras, aprovar em comissão especial o substitutivo para projetos que compõem o Pacote do Veneno, que praticamente revoga a atual Lei dos Agrotóxicos. O pacote que visa facilitar o registro e alavancar ainda mais as vendas desses produtos está pronto para ser votado pelo plenário da Câmara. Se for aprovado, segue para sanção presidencial.

A lista de Salles inclui financiamento coletivo de um pequeno grupo e mais 108 nomes de pessoas físicas. A RBA apurou se tratar de grandes empresários dos mais diversos setores, que têm no agronegócio o carro chefe de suas empresas ou mesmo uma atividade secundária.

É o caso do presidente do conselho de administração da Porto Seguro Seguros, Jayme Brasil Garfinkel. Principal acionista da Porto, é também o principal doador da campanha de Salles, tendo contribuído com R$ 260 mil, equivalente a 16% do total. Mais conhecido por dirigir uma das três maiores seguradoras do país, o empresário tem entre seus negócios a Fazenda Periquitos Companhia Agropecuária. A propriedade que se estende por parte de Três Lagoas e Selviria (MS), produz soja e gado de corte.

Outro é José Salim Mattar Junior, controlador da Localiza Hertz, empresa mais valiosa do setor de locação de automóveis. Anunciado como futuro secretário de Privatizações de Bolsonaro, é o segundo maior doador de Salles. Depositou na conta da campanha R$ 200 mil. Entre outros de seus negócios está o Haras Sahara, em Matozinhos (MG). Embora o site remeta apenas à criação de cavalo árabe, a ficha no cadastro nacional da pessoa jurídica (CNPJ) da Receita Federal informa que a fazenda, entre as atividades econômicas secundárias, cria gado de corte.

Remédios


Diretor-superintendente da Companhia Comercial de Drogas e Medicamentos, a Codrome, Ronaldo José Neves de Carvalho segue em terceiro na lista dos financiadores da campanha do agora futuro ministro. Doou R$ 100 mil. O comandante da Drogaria São Paulo, uma das maiores redes do setor, tem negócios que vão além da venda de remédios.

Conforme a Receita Federal, a Agropecuária Codrome é proprietária do Sítio Rancho Alegre, em Mirandópolis (SP), que tem como atividade principal o cultivo de seringueira. A secundária é a cana de açúcar. Na Fazenda Moinho, em Guaracai, com 4.308 hectares, também cultiva cana de açúcar e seringueira. No mesmo município, uma terceira fazenda do grupo, a Caetés, produz cana, seringueira, abacaxi e gado leiteiro.

Outro famoso patrocinador é Luis Stuhlberg, gestor do Fundo Verde do Credit Suisse Hedging-Griffo (CSHG), com R$ 50 mil para a campanha. O fundo, elogiado pelos analistas como dos mais rentáveis, recebe aplicações de pessoas físicas, jurídicas e de outros fundos de investimento administrados pela própria CSHG. Os recursos captados são então investidos em mercados de capital como ações, câmbio, juros e commodities agrícolas. Segundo analistas de investimentos, só obtêm ganhos com aplicação em papeis dessas commodities quem realmente "conhece bem" o setor.

Também aplicou R$ 50 mil na campanha de Salles o empresário Gastão de Souza Mesquita, controlador de uma das maiores empresas do agronegócio do país, a Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná (CMNP). O grupo atua na produção de etanol e na pecuária.

Alexandre Balbo Sobrinho, da Cana Verde – que tem em seu portfólio açúcar orgânico para um nicho de mercado que pode pagar mais caro –, doou R$ 41 mil. Ele é também controlador da Agropecuária Iracema, que tem canaviais e usinas de produção convencional de açúcar e de etanol  espalhadas pela região de Sertãozinho (SP).

Grãos, armas e munição
 

Contribuíram com R$ 30 mil cada os empresários Flávio Pascoa Teles de Menezes, Eduardo Define e Antonio Marcos Moraes Barros.

Menezes, que já foi presidente da Sociedade Rural Brasileira, tem fazendas em Buritama, Vicentinópolis, Birigui, Araçatuba, Castilho e Santo Antonio do Aracangua, em SP, onde produz soja, cana, milho e gado de corte. Ele é parte de uma disputa por terras em Japorã (MS), reivindicando a fazenda Remanso-Guaçu, em posse de famílias indígenas por uma determinação judicial.

Define tem entre seus negócios a criação de gado de corte, a comercialização de matérias-primas agrícolas, armazéns e o processamento do conhecido arroz Brejeiro.  A marca cresceu e incorporou novos produtos, como óleos de soja, entre outros.

Também dedicado à produção agrícola, com fazenda de café em Caconde (SP), e de produção de grãos e gado de corte em Amambaí (MS), Moraes Barros é presidente da Companhia Brasileira de Cartuchos, a CBC. Além de dirigir a empresa fabricante de munições, é um dos maiores acionistas das fábricas de armas Taurus.

Seguindo a lista, agora com doações de R$ 25 mil estão Salo Davi Seibel, Marcelo Campos Ometto, João Guilherme Sabino Ometto e Helio Seibel. Salo e Hélio controlam o Grupo Ligna, constituído pela Leo Madeiras, Duratex e a Ligna Florestal, com 60 mil hectares de terra em Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

Marcelo Ometto é presidente do conselho de administração do Grupo São Martinho e João Guilherme, o vice. Com três usinas no interior de SP e uma no interior de Goiás, a companhia está entre os maiores grupos produtores de açúcar e etanol. 

Num grupo de 17 que doaram valores próximos a R$ 25 mil estão ainda empresários como Elie Horn, da Cyrela e Tecnisa; Rafael Sales Guimarães, do setor de shopping centers; João Carlos de Paiva Veríssimo, da Moinho Paulista, e Arthur Vicintin Neto, do setor metalúrgico. A reportagem não encontrou vínculo direto desses nomes com propriedades de produção agropecuária.


Festa de AJ Junqueira Vilela, em abril de 2013. No destaque, Ricardo Salles, segundo um desafeto. AJ (acima, a direita) responde processo por grilagem, desmatamento e trabalho escravo no Pará

 

Maiores desmatadores

Entre aqueles que oficialmente investiram valores menores estão Gustavo Diniz Junqueira (R$ 500), Renato Diniz Junqueira (R$ 2.000), Roberto Diniz Junqueira Filho (R$ 5 mil) e Carlos Viacava (R$ 5 mil).

Ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira e nomeado futuro secretário estadual da Agricultura de São Paulo, gestão João Doria (PSDB), Gustavo é sócio das fazendas Santa Claudia, em Pirapozinho (SP), onde planta cana, e da Bela Vista Agropecuária, em Guaíra, com soja – nesta Gustavo é sócio de Roberto Diniz. Renato Diniz cultiva cana na fazenda Pontal da Onça, em Guaíra (SP), e na fazenda Sucuri, em Morro Agudo (SP), cria gado de corte.

Ministro da Agricultura no governo do general João Figueiredo (1979-1985), Carlos Viacava é produtor de soja, cana, milho e gado de corte em fazendas em Presidente Epitácio (SP). Um dos seus sócios é seu filho, Ricardo Caldeira Viacava, casado com Ana Luiza Junqueira Vilela Viacava. O casal está entre os acusados pelo Ministério Público Federal de grilagem e desmatamento de terras públicas no Pará. 

Em junho de 2016, o Ibama, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal (MPF) e a Receita Federal deflagraram a Operação Rios Voadores.  Segundo várias denúncias oferecidas pelo MPF, um grupo chefiado pelo ruralista socialite e irmão de Ana Luiza, Antônio José Junqueira Vilela Filho, o AJ Junqueira, e Ricardo Viacava, teriam desenvolvido metodologia para conversão forçada de florestas em pastagens, com uso de mão de obra análoga à escravidão,  movimentando R$ 1,9 bilhão em quatro anos (2012-2015) e destruindo  290 quilômetros quadrados de florestas em Altamira (PA) – uma área do tamanho de Belo Horizonte.

AJ passou a ser chamado de maior desmatador do país, tendo causado um prejuízo ambiental estimado em R$ 420 milhões. Clique aqui para acessar o processo na Justiça Federal do Pará.

Na época, Vilela Filho, Viacava e Ana Luiza chegaram a ser presos, mas acabaram libertados por um habeas corpus e respondem ao processo em liberdade. Outra irmã, Ana Paula Junqueira Carneiro Vianna, socialite que foi casada com bilionário sueco, teve mandado de condução coercitiva, mas estava fora do Brasil.

Os envolvidos, que negam qualquer participação nos crimes apontados pelo MPF, questionaram a competência do foro onde tramita o processo. No começo de novembro passado, a Justiça Federal em Altamira acatou ação de AJ Junqueira, transferindo o processo para a subseção de Itaituba, também no Pará. 

Já o Ministério Público de São Paulo (MPSP) acusa AJ de tentar matar a trabalhadora sem terra Dezuíta Assis Ribeiro Chagas, no acampamento 1º de Maio, vizinho a fazendas da família em Euclides da Cunha Paulista, no pontal do Paranapanema. 

O inquérito que apurava a tentativa de homicídio estava arquivado por falta de provas. No entanto, com o episódio do Pará, o MPSP utilizou provas coletadas nas investigações da operação Rios Voadores para denunciar novamente AJ, que responde em liberdade.

Segundo desafetos, o futuro ministro do Meio Ambiente – do qual pouco se sabe sobre sua história – é um lobbista que enriqueceu de uma hora para outra, que é investigado por adulterar processos e tem ligações nebulosas com os Junqueira. Em abril de 2013, Salles estaria entre os convidados da festa de 35 anos de AJ Junqueira em sua casa, no Jardim Europa, região nobre de São Paulo. 

Edição: Rede Brasil Atual