ALÉM DE BRUMADINHO

População de Congonhas não dorme com medo de rompimento da barragem Casa da Pedra

Mais de cinco mil pessoas moram no nível abaixo da barragem da mineradora CSN, classificada como de alto risco

Brasil de Fato | Congonhas (MG) |
Os moradores do município de Congonhas vivem no entorno da barragem Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional
Os moradores do município de Congonhas vivem no entorno da barragem Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional - (Foto: Lu Sudré)

As imagens da avalanche de lama que soterrou parte da cidade de Brumadinho (MG), após o rompimento da barragem da mineradora Vale, no Córrego do Feijão, se tornaram um pesadelo para habitantes de outras áreas de risco no estado, que contém mais de 50 barragens.

Os moradores do município de Congonhas são exemplos dessa angústia. A região é contornada pela barragem Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), classificada como Classe 6 pela Agência Nacional de Águas (ANA), a mais alta em categoria de risco.  

Com capacidade para armazenar quase 50 milhões de metros cúbicos, a Casa de Pedra é considerada uma das maiores barragens localizadas em áreas urbanas do país. A empresa existe desde a década de 1970 e foi privatizada no governo Itamar Franco. 

A barragem de Brumadinho, que estourou no dia 25 de janeiro, armazenava 12 milhões de metros cúbicos de lama de rejeitos. Ou seja, comparando as duas, caso a barragem de Congonhas rompesse, a tragédia seria ainda maior. Com 54 mil habitantes, a lama tóxica cobriria o Bairro Residencial, localizado a 200 metros da barragem e outras vizinhanças.

“Nós que moramos na área de risco, nem estamos dormindo. Tem muita gente doente aqui, que está tomando remédio, calmante, não está tendo sossego. [A barragem], para nós é um vulcão adormecido, a ponto de acordar a qualquer instante”, afirma Maria Antônia Alves Siqueira, moradora do bairro Cristo Rei há 23 anos, localizado bem abaixo da Casa de Pedra.

Ela conta que, quando mudou para região, o lago que agora é a represa de rejeitos da CSN, era utilizado pelos moradores para banho e pesca. Eles não tiveram conhecimento quando a companhia passou a utilizar as águas. “Quando foi ver porque que os meninos pulavam e não saiam, era por causa do barro. Os meninos estavam atolando no minério”, relembra Márcia.

Nilda Gomes, também moradora do bairro, mostra indignação. “Eu não saio da minha casa por causa da barragem não, a CNS que tem que tirar a barragem dali. É o jeito, porque não dá não, a gente nem dorme direito. Todo mundo aqui está apreensivo. Apareceu essa barragem ai, para atormentar a vida da gente”. Moradores da área e integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), prepararam uma lista de exigências que foram entregues na última quarta-feira (30) à direção da CSN. 

Segundo Cristiano Medina, do MAB, a companhia não demonstrou interesse em dialogar com a população desde o início e a iniciativa partiu da população. Ele explica que as reivindicações entregues à CSN são urgentes. 

“O primeiro ponto é a paralisação de todas as atividades e secagem da barragem. O segundo é a retirada dos moradores da área de risco, o terceiro é o aluguel para todas as famílias enquanto não se construir todas as casas com as estruturas coletivas e individuais. Um quarto ponto é a indenização por danos morais, diante de todos os transtornos, pela situação de vulnerabilidade. A população está em risco e passando por um problema psicossocial”, defende Medina. 

Os moradores deram um prazo de 3 dias para que a empresa respondesse às demandas. Uma outro pedido da população, é o monitoramento permanente de segurança da barragem enquanto ela não for totalmente esvaziada. 

Em nota publicada no mesmo dia da mobilização dos moradores, a Prefeitura de Congonhas afirmou que tem realizado negociações com a direção da CSN, que anunciou a aquisição de equipamentos italianos para auxiliar na diminuição do material depositado nas barragens da região. 

Rua onde moram Márcia e Nilda, logo abaixo da barragem (Foto: Lu Sudré) 

Segundo a prefeitura, a CSN também informou que encerrará a disposição de rejeitos úmidos em todas as barragens da mina Casa de Pedra, que após o processo de secagem, seria descomissionada (método de esvaziamento) e revegetada. A reportagem do Brasil de Fato solicitou informações da companhia mas não obteve retorno até o fechamento do texto.

Apesar das primeiras movimentações, os moradores ainda estão em alerta. “Temos esperança, confiança? Infelizmente não. É muita coisa envolvida. São ações, são empresários”, critica Júlio Bernardo, que mora, aproximadamente, a 1 km da barragem. “Queremos que a barragem seja totalmente aterrada e reflorestada, porque estamos convivendo com esse drama de Mariana, de Brumadinho. Quem garante que não seremos os próximos?”, acrescenta.

Bernardo trabalhou por 12 anos na Vale, na usina de beneficiamento, separando o minério do rejeito e o redirecionando para a barragem. Em setembro, foi demitido com outros 10 trabalhadores. Com muita tristeza, ele menciona que perdeu uma amiga psicóloga que não trabalhava na mineradora, mas foi dar uma palestra justamente no dia em que a barragem rompeu. 

Vista do ponto mais alto da cidade de Congonhas, que mostra os bairros que seriam atingidos caso a barragem da CSN rompesse (Foto: Lu Sudré)

O luto de Bernardo também é acompanhado pela indignação. De acordo com o ex-trabalhador da Vale, o discurso de respeito à vida e da transformação de recursos naturais em desenvolvimento sustentável é falso. “Na prática, quando a gente está lá, vivemos esse mundo de que a vida é em primeiro lugar, que há respeito pela natureza. Mas quando acontece uma catástrofe, vemos que não é nada disso. É realmente uma contradição”, denuncia. 

Edição: Tayguara Ribeiro