Entrevista

Tato, do Falamansa, conta como a música o aproximou das famílias atingidas pela Vale

Compositor escreveu a canção "Cacimba de mágoa" sobre o crime ambiental cometido pela Samarco em Mariana (MG)

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

Tato: "A vida humana não é para ser medida"
Tato: "A vida humana não é para ser medida" - Divulgação / Falamansa

Os crimes socioambientais de Mariana (MG) e Brumadinho (MG) comoveram artistas em todo o Brasil. Vocalista e compositor da banda de forró Falamansa, Ricardo Cruz, conhecido como Tato, foi um deles. Em parceria com o rapper Gabriel, o Pensador, ele escreveu a canção "Cacimba de mágoa" após o rompimento da barragem do Fundão, em novembro de 2015. A ideia era celebrar a resistência do povo brasileiro e denunciar a omissão do consórcio Samarco -- pertencente à mineradora Vale -- naquele vazamento.

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O rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão, no último dia 25, tocou o coração de Tato mais uma vez. Em entrevista ao Brasil de Fato, o músico fala sobre a convivência com militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e analisa que é importante manter o assunto em alta, para evitar que desastres dessa natureza se repitam.

Confira na íntegra:

Brasil de Fato: Como surgiu a ideia de compor "Cacimba de mágoa", essa canção tão sensível? Como foi o desafio de trazer à tona o sofrimento dos atingidos e atingidas pelo rompimento da barragem em Mariana?

Tato: Na verdade, é um assunto que infelizmente é propício pro momento, já que a gente acaba de passar por isso novamente, com as mesmas características, com os mesmos alertas. Enfim, tudo que a gente tentou passar nessa música "Cacimba de Mágoa". Quando escrevi, eu estava prestes a lançar um disco, e foi logo após o rompimento da barragem de Fundão, de Mariana. Eu estava muito com aquilo na cabeça -- não só com a  tragédia em si, mas com essa preocupação, realmente, de que as coisas passam muito batido no país.

Poucas pessoas falam [sobre isso], principalmente no meio musical. Eu acredito que é fundamental a gente ter uma palavra sincera, honesta sobretudo, e expressar o que a gente sente, o que a gente vê, servindo de exemplo para outras pessoas.

Nessa época, eu fiquei tomado por essa necessidade de escrever. Quando eu escrevi a música, o refrão, eu já tinha mentalizado que precisaria ser dito mais. Tinha muita coisa para ser dita, e nada melhor do que o rap pra fazer isso, porque ele condensa grandes ideias em longas frases. É bacana, porque foi um meio que a gente pode juntar também, na intenção do veículo da comunicação o rap junto do forró.

Eu já conhecia o Gabriel -- inclusive, eu tinha até visto uma foto dele na boca do rio Doce, onde fica a Vila de Regência, dias antes. Aí, eu pensei: é o cara certo mesmo para falar sobre isso, por já conhecer Regência, conhecer a boca do RIo, por surfar ali. Ele, na mesma semana, veio ao estúdio e a gente gravou a música.

Ela, na verdade, não é só um alerta, mas foi [escrita] com uma intenção de auxílio também. A gente fez com que todos os direitos autorais da música fossem destinados à arrecadação de verba para ajuda na área do leito do rio Doce. Então, a música serviu não só como alerta, mas também, no fim, serviu para ajudar algumas famílias ribeirinhas.

Você teve contato com o MAB desde a tragédia anunciada de Mariana. Gostaria de saber como você avalia a participação e o trabalho dos movimentos populares na denúncia desses crimes ambientais e no apoio dos atingidos e atingidas.

No momento em que a gente lançou essa música, eu me aproximei muito não só das pessoas, mas dos órgãos que estavam tentando auxiliar os atingidos. E, assim, eu conheci o pessoal do MAB, Aliás, não só conheci, como viraram parte do meu cotidiano. Tem grupos em que até hoje eu estou dentro, seguindo e acompanhando, e me deixa honrado de fazer parte de um grupo como o MAB.

Participam do clipe diversos artistas, como Mestrinho, Genival Lacerda. Como você enxerga o papel da música na denúncia de assuntos tão urgentes?

Há 20 anos, tudo que eu escrevo é sabendo da importância que uma letra tem na nossa sociedade, em qualquer sociedade. Desde o início, eu escrevi com esse intuito, de entender que uma letra pode fazer a diferença dentro de uma sociedade -- para o bem e para o mal, infelizmente.

A gente  fala sobre alegria, sobre fé, sobre amor, sobre esperança, mas passar o bem por meio da letra inclui também falar sobre consciência ambiental, respeito ao próximo -- que são necessidades básicas de uma sociedade que está tentando encontrar o seu eixo. Isso faz da música muito importante, no dia a dia das pessoas.

É claro que, para cada escolha há uma renúncia. Isso te tira um pouco daquele "top", do jeito que as pessoas escrevem hoje...

Como você mensura o crime socioambiental de Brumadinho, em comparação com a impunidade e o descaso que observou em Mariana?

A gente alertou tanto. Na mídia, fala-se muito sobre a barragem de Fundão, a Barragem de Mariana, durante estes três anos. Mas, no "backstage", foi alertado muito sobre as outras barragens.

É momento de a gente direcionar os esforços, não só prestando as homenagens e direcionando os olhos da sociedade para o que aconteceu, mas também para o que pode acontecer. Esse sistema de barragens não é de um sistema desenvolvido, de um país que busca ser desenvolvido e se diz ser desenvolvido.

As pessoas contam vidas, como se fosse um medidor -- "agora nós temos que ajudar um pouquinho, porque morreram mais pessoas".

A vida humana não é para ser medida, não há jeito de medir. Então, é complicado ver isso acontecer de novo. Mas, de qualquer forma, acredito que as pessoas estarão muito mais atentas, como eu vejo já acontecendo, na televisão, nos jornais, na internet... as pessoas já olham para outras barragens.

Edição: Daniel Giovanaz