Desmonte

Sob protestos, Parque Nacional Pau Brasil, na Bahia, é concedido à iniciativa privada

População local criticou a falta de diálogo com a comunidade sobre destino da reserva ambiental

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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O Parque Nacional Pau Brasil, em Porto Seguro, sul da Bahia
O Parque Nacional Pau Brasil, em Porto Seguro, sul da Bahia - Reprodução

O Parque Nacional Pau Brasil, unidade de conservação no município de Porto Seguro (BA), foi concedido à iniciativa privada. Este é o segundo parque nacional que passa a ser gerido por empresas desde o início do governo de Jair Bolsonaro (PSL). Sob protestos, o anúncio foi feito nesta quinta-feira (28) pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.

Renato Cunha, coordenador do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá), afirma que as comunidades locais, organizações sociais e movimentos populares estão preocupados com as concessões e temem a perda de transparência e controle social da reserva com sua privatização. 

A Hope Recursos Humanos S/A venceu a licitação para operar o parque. A empresa já atua no Parque Nacional da Serra dos Órgãos e também vai administrar os serviços de uso público no Parque Nacional do Itatiaia, ambos no Rio de Janeiro. O contrato de concessão do Pau Brasil terá duração de 15 anos. 

Antes, a gestão do parque era feita pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) — órgão que leva em seu nome uma homenagem ao ambientalista e seringueiro Chico Mendes, a quem Salles chamou de "irrelevante" durante uma entrevista. 

"Em primeiro lugar, acreditamos que os parques deveriam ser públicos, mas tem que melhorar muito a gestão", pontua Cunha. "Mas a gente acha que o ICMBio deveria ser mais fortalecido, com condições de fazer uma gestão mais qualificada. É preciso fortalecer os gestores das unidades de conservação. Tanto o órgão como um todo, mas na ponta também, onde estão os parques."

Porém, na contramão da defesa de Cunha, o governo federal, desde o ano passado, lançou o Programa de Concessão de Serviços de Apoio à Visitação, que prevê a privatização de sete unidades de conservação. Destas, três já tiveram seu processo concluído. 

Em dezembro 2018, um dos principais destinos turísticos do país, o parque nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás, foi concedido. Em fevereiro, já sob gestão Bolsonaro, o Parque do Itatiaia (RJ) também passou para a gestão de empresas. Além disso, os parques nacionais dos Lençóis Maranhenses (MA), do Caparaó (MG), de Jericoacoara (CE) e da Serra da Bodoquena (MS) estão com editais de concessão em andamento. 

O Ministério do Meio Ambiente afirma que o programa de concessões não é um projeto de privatização. Segundo a pasta, a gestão territorial e administrativa das unidades de conservação continuam sob o controle do governo. “O objetivo é melhorar a qualidade dos serviços prestados aos visitantes, já que o ICMBio não tem como finalidade gerenciar atividades como hospedagem e alimentação".

Renato Cunha insere a decisão das concessões em um marco de retrocessos na área ambiental e desmonte do Ministério do Meio Ambiente. "Na verdade, ele está acabando com quase toda sua importância de gestão e enfraquecendo os órgãos da ponta, que são o Ibama e o ICMBio. A própria ANA [Agência Nacional de Águas] já saiu da instância do Meio Ambiente, e o serviço florestal brasileiro também", diz. “Esse desmonte da área ambiental no governo atual é muito complicada e a tendência é fragilizar mais ainda as gestões das unidades de conservação, ao contrário de fortalecê-las.”

Além dos setes parques previstos no Programa de Concessão, outras quatro unidades de conservação já operavam sob o regime no país: Foz do Iguaçu (PR), Fernando de Noronha (PE), Tijuca (RJ) e o já mencionado Parque Nacional da Serra dos Órgãos (RJ).

Protestos

A solenidade que marcou a concessão do Parque Nacional Pau Brasil foi feita em meio a protestos de moradores da região, movimentos populares e partidos de esquerda como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Partido da Causa Operária (PCO).

Um militante que participou do ato, mas não quis se identificar por receio de represálias, explica que o protesto ocorreu para pontuar que a concessão não foi feita em diálogo com as populações locais. “A comunidade não foi consultada sobre a concessão, então foi lá pedir esclarecimentos do que estava acontecendo. Mas, desde o início, não deixaram a gente entrar no parque e tivemos que andar por 6 quilômetros para participar de uma atividade pública”, afirmou.

Ele pontua que a concessão vai afetar principalmente a população local, principalmente pessoas que dependem do turismo. "Tem uma população que vive no entorno que poderia ser beneficiada com a abertura do parque para a visitação. Pessoas que são guias, por exemplo, vão ficar nas mãos das empresas", diz. "Mas agora não: vai pagar estacionamento, entrada, pagar para andar de bicicleta... uma série de coisas e a população local não vai ser beneficiada."

Com a onda de concessões, os movimentos da região sul da Bahia se preocupam, especialmente, com o destino de dois parques: do Monte Pascoal e do Descobrimento, unidades de conservação que estão em território indígena pataxó.

O ministro Ricardo Salles afirmou que o protesto foi uma “tentativa de agressão física” e que o carro onde estava foi atacado. No Twitter, ele disse que se assustou com o ato de "extrema violência”. 

Salles ficou conhecido, durante as eleições de 2018, por estimular ódio e perseguição aos movimentos populares. O número do candidato à deputado federal, 3006, era mesmo do calibre de balas de fuzil. As peças de campanha dele associavam balas a fotos de sem-terras:

 


(Reprodução)

Salles foi condenado em São Paulo em dezembro do ano passado por alterar mapas da Área de Proteção Ambiental (APA) do Tietê, favorecendo empresas de mineração. A punição inclui multa e a suspensão dos direitos políticos por três anos, mas o ministro ainda deve recorrer da decisão. Em entrevista à Folha de S. Paulo, ele disse que faria tudo de novo e que Bolsonaro concorda com ele.

Integrante da direção nacional do MST na Bahia, Evanildo Costa entende que há uma tentativa de criminalização dos movimentos populares na fala do ministro. Ele sustenta a versão que os movimentos foram protestar contra a privatização do parque e que não houve agressões.

"O MST não pratica e nem incentiva a violência, ao contrário, vemos membros do governo incentivando a violência contra os movimentos sociais, quilombolas e indígenas”, disse em um vídeo publicado nas redes sociais do movimento. “Estamos aqui repudiando essa atitude de violência contra os movimentos e ao mesmo tempo questionando e repudiando todo esse processo de entreguismo, todo esse processo de privatização dos recursos naturais que o governo vem fazendo para o capital financeiro internacional, principalmente", completou.

Em nota, o PCO declarou que o carro da comitiva do ministro foi lançado contra os manifestantes que protestavam contra a privatização do Parque.

Edição: Mauro Ramos