Coluna

A liberdade de Cora Coralina

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Busto de Cora Coralina em frente ao museu em homenagem à poetisa
Busto de Cora Coralina em frente ao museu em homenagem à poetisa - Marcello Casal Jr/Agência Brasil
Não é só o marido que é uma prisão. Os filhos também

Vem aí o 8 de março, Dia da Mulher, e pensei em contar alguma coisa relacionada à data. E me lembrei de Cora Coralina, doceira da cidade de Goiás, que alguns chamam de Goiás Velho, e foi revelada como poeta quando estava perto dos 80 anos de idade. 

A primeira matéria de jornal sobre Cora Coralina fora de Goiás foi uma entrevista que ela me deu em 1977, publicada no jornal Movimento, com o título “Meus doces são melhores do que minha poesia”. Numa viagem anterior, eu vinha da Paraíba, passeando meio sem rumo e dei uma parada na cidade de Goiás. Fui conversar com ela e contei de uma mulher paraibana igualmente sábia, mas que também só passou a se abrir para o mundo e viver como queria perto dos 80 anos.

Era a dona Roseirinha, que só pôde se desenvolver depois que ficou viúva. O marido dela, mandão, tipo coronel, a controlava demais. Se saísse à janela, o marido dizia que ela estava se exibindo para os passantes. Visitas, só aos parentes. Ler, que ela gostava, também o marido implicava. Quando o marido morreu, enfim, ela passou a viver pra valer, se desenvolver, ter alegria pela vida. “Desabrochou”, como se diz. 

Então, comparei a vida dela com a de Cora Coralina, e perguntei à poeta se a viuvez dela foi uma libertação, como a da dona Roseirinha, pois ela só começou a escrever e mostrar seus versos depois de ficar viúva. E ela me respondeu: “Não. Não foi. Eu me libertei mais tarde ainda: só depois que meu último filho se casou e fiquei sozinha. Não é só o marido que é uma prisão. Os filhos também”, completou sorrindo.

Numa outra viagem, comprei um livro dela, “Poemas dos becos de Goiás” e pedi uma dedicatória que contivesse um pouco de reflexão sobre ela mesma. E ela escreveu: 

“Mouzar,

Como mulher, deveria ter sido mais bonita e menos idiota. Mais vaidosa e menos inteligente. Mais sofisticada e menos simplória. Devia ter tido a coragem que me faltou e não devia ter tido o medo que me sobrou. Devia ter sido mais mentirosa e menos sincera. Devia ter me casado com um moço e me casei com um homem 22 anos mais velho do que eu. Errei de ponta a ponta. Quanto reconheci o erro já era tarde.

Cora Coralina”

Edição: Júlia Rohden