Política migratória

EUA usam abrigos clandestinos para deter menores imigrantes, denuncia reportagem

Órgão federal estaria ocultando informações sobre instituições que atendem crianças e adolescentes desacompanhados

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Abrigo para crianças imigrantes desacompanhadas registrado em 2016 nos EUA
Abrigo para crianças imigrantes desacompanhadas registrado em 2016 nos EUA - Foto: Departamento de Serviços Humanos e de Saúde dos EUA/Wikicommons

O governo dos Estados Unidos está utilizando abrigos clandestinos para deter crianças e adolescentes imigrantes desacompanhados. A denúncia foi feita na semana passada pelo centro de jornalismo investigativo Reveal, que apontou possíveis violações da legislação referente ao tratamento dado a menores de idade que entram no país.

Segundo a reportagem, pelo menos 16 meninos e meninas sob tutela do Estado, alguns até com nove anos de idade, estão sendo mantidos em ao menos cinco abrigos que não fazem parte da rede oficial de instituições que prestam serviços para a Agência de Reassentamento de Refugiados (ORR, na sigla em inglês) nos estados de Arkansas, Flórida, Oklahoma, Pensilvânia e Virgínia. Não há informações sobre outros casos.

A ORR é o órgão responsável pelo acolhimento de imigrantes menores de idade desacompanhados e, segundo a reportagem do Reveal, não fornecia informações sobre a existência desses abrigos nem mesmo para os advogados que representavam as crianças e adolescentes.

Nos casos descobertos pela investigação, as crianças foram inicialmente alojadas em abrigos oficiais, mas acabaram sendo transferidas para espaços especializados em tratamento de saúde mental para jovens que não estavam registrados entre as instituições prestadoras de serviços para o governo.

A prática, diz a reportagem, parece violar um pacto de 1997 que estabelece as diretrizes para o tratamento de imigrantes menores de idade desacompanhados que são detidos e ficam sob custódia da ORR. A agência deveria fornecer dados regularmente aos advogados das crianças e adolescentes detidos, mas Holly Cooper, que representa um grupo desses menores imigrantes, afirmou ao Reveal que o governo não repassou as informações, mesmo após ser pressionada.

“As crianças desacompanhadas detidas e que têm problemas psicológicos ou psiquiátricos estão entre as mais vulneráveis”, afirmou Cooper ao Reveal. “Quando o governo não fornece acesso ao paradeiro delas, levanta questionamentos sobre as próprias bases das nossas instituições democráticas”, completou.

A partir de solicitações feitas pela lei de liberdade de informação dos Estados Unidos, a reportagem teve acesso a acordos de cooperação entre a ORR e prestadores de serviços de saúde residenciais. Nesses casos, a agência estabelece que é responsabilidade dos abrigos exigir das instituições subcontratadas os padrões de atendimento exigidos por lei.

O Reveal afirma que a falta de informação sobre as instituições onde os menores desacompanhados estão sendo mantidos “deixa um vácuo na fiscalização pública”. “Não fica claro como a agência de refugiados regula e fiscaliza essas instituições [não listadas]. Para os abrigos que estão registrados e são de conhecimento público, a agência estabelece um número mínimo de funcionários a depender de quantos pacientes atendidos, exige treinamento e conduz fiscalizações com e sem aviso prévio”, explica a matéria.

Casos

Um dos casos citados pela reportagem do Reveal é o de uma instituição no estado de Oklahoma, a Rolling Hills Hospital, onde está sendo mantido pelo menos um menor de idade sob custódia da agência de refugiados do governo.

A clínica tem um histórico de denúncias, incluindo uma investigação publicada pelo The Oklahoman no início do ano, que revelou casos de pacientes com ossos quebrados, assédio sexual e violência física cometida dentro do hospital. O próprio Reveal já havia revelado, em 2017, uma série de violações, incluindo falta de orientação e prestação inadequada de serviços por parte dos funcionários, e até mortes de pacientes que não foram informadas aos órgãos fiscalizadores competentes.

Outro caso é um centro de tratamento no estado de Arkansas chamado Millcreek Behavioral Health, onde estão sendo mantidas pelo menos oito crianças sob custódia da agência de refugiados do governo. Nessa instituição, o Reveal não encontrou evidências de violações graves.

As duas clínicas são propriedade da multinacional Acadia Healthcare. Segundo a investigação, a empresa tem 50 instituições que prestam serviços de saúde para menores de idade em 23 estados dos EUA e em Porto Rico, mas não se sabe quantas atenderiam jovens sob custódia da agência de refugiados do governo estadunidense.

A Acadia é uma das maiores redes de tratamento dos Estados Unidos e está listada no mercado de ações da Nasdaq há cerca de dez anos. Em novembro, segundo a reportagem do Reveal, um investidor descreveu em detalhes uma série de denúncias de abusos supostamente ocorridos em instituições administradas pela multinacional, entre elas a Rolling HIlls. As acusações incluem permitir abuso sexual dentro de instituições que atendem crianças, destruir imagens em vídeo que poderiam ser utilizadas como provas e impedir o acesso de investigadores às instalações. No mesmo mês, a empresa divulgou um chamado aos investidores afirmando já ter resolvido “problemas regulatórios”.

A reportagem também cita organizações que receberam menores de idade para tratamento de saúde mental ou residencial, mas cujos contratos com o governo preveem somente atendimento de saúde geral.

“Algumas organizações envolvidas nessa rede têm muitos recursos e conexões poderosas na mídia e no governo”, descreve a reportagem de Aura Bogado e Patrick Michels. A diretoria da Devereaux, com sede no estado da Pensilvânia, inclui James H. Schwab, que, “segundo o perfil dele no LinkedIn, foi presidente da Vice Media até dezembro e é ainda membro da diretoria e conselheiro sênior da Vice. Oliver North e o analista da Fox News Brit Hume são membros do conselho de administração da Youth For Tomorrow”, outra organização citada pela reportagem investigativa.

Resposta

Procurada pelo Reveal, a ORR ainda não havia respondido a questões específicas sobre o assunto até a publicação da reportagem. Nenhuma das instituições de saúde procuradas pela reportagem respondeu às perguntas e solicitações de entrevista.

Edição: Aline Scátola