Riscos

Três em cada quatro barragens interditadas com instabilidade estão em Minas Gerais

Ao todo, órgão regulador pediu a interdição de 56 empreendimentos; 17 não tiveram estabilidade atestada

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Vista aérea do Rio Parauapebas após rompimento da barragem em Brumadinho, em janeiro deste ano
Vista aérea do Rio Parauapebas após rompimento da barragem em Brumadinho, em janeiro deste ano - Douglas Magno / AFP

A Agência Nacional de Mineração (ANM) interditou, nesta segunda-feira (1º), 56 barragens em todo o país por problemas com seus atestados de estabilidade. As interdições ocorreram após o envio anual da Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) pelas empresas responsáveis pelos empreendimentos. 

Do total de empreendimentos que não tiveram o documento renovado, 36 estão em Minas Gerais; o estado que aparece em segundo lugar é São Paulo, com seis barragens que perderam o DCE.

Em 39 casos, as interdições ocorreram por falta de documentação; já 17 empreendimentos apresentaram problemas relacionados à falta de estabilidade. Destas barragens com instabilidade atestada, 13 delas, ou seja, 76%, estão localizadas em Minas Gerais.

A ambientalista Maria Teresa Corujo, do Movimento pelas Serras e Águas de Minas, que integra a Articulação Internacional de Atingidos pela Vale, afirma que a questão no estado é urgente. Corujo foi a única integrante da Câmara de Atividades Minerárias do Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais a votar contra a ampliação das atividades de mineração na região do rio Paraopeba.

As barragens com risco estão centralizadas no Quadrilátero Mineiro. No entanto, ela afirma que o impacto não é apenas para quem está próximo da barragem. 

"Temos uma região metropolitana com cerca de 3 milhões de pessoas que pode não ter acesso a água porque o Parauapebas já foi contaminado e essas estruturas que estão em risco iminentes pode contaminar Bela Sama. Onde vamos buscar água?", questiona.

A militante lembra que, desde 2014, os movimentos e atingidos questionam o modelo de auditoria. Naquele ano, a barragem Herculano Mineração — que tinha declaração de estabilidade — rompeu em Itabirito (MG) e matou três trabalhadores. Já em Mariana, a segurança da Barragem do Fundão foi atestada em julho de 2015, quatro meses antes do estouro da represa da Samarco.

“Nós não conseguimos mais acreditar nestes atestados de estabilidade porque está configurado que as empresas de mineração não vieram realmente tratando desse assunto. São meros papéis que não têm uma validade real em relação à segurança. E, por isso, é fundamental que não mais ficassem na mão das empresas mineradoras o contato com essas consultorias.”

O engenheiro Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), também questiona o modelo de fiscalização. Ele explica que as empresas são responsáveis por escolher os auditores — empresas de consultoria ou mesmo engenheiros independentes — que fazem as inspeções e os relatórios finais que atestam a estabilidade, além de recomendações com base na documentação das empresas.

“Essa situação da empresa mineradora escolher e remunerar o auditor é um conflito de interesses. A gente já escrevia isso desde [o rompimento da barragem de] Fundão”, pontua o engenheiro.

Em setembro de 2018, a Vale demitiu um auditor que se recusou a certificar a barragem que se rompeu em Brumadinho (MG) no início do ano, segundo investigação da polícia e do Ministério Público. A decisão foi tomada meses antes da tragédia que deixou mais de 217 mortes; outras 82 pessoas ainda estão desaparecidas.

“Essa facilidade que a empresa tem de trocar de auditor e o poder que ela tem de influenciar as decisões por conta do poder econômico dela gera conflitos. E essa relação das mineradoras com as empresas ainda não mudou após o crime ambiental em Brumadinho”, continua Milanez.

A mineradora substituiu o auditor pela Tüv Süd, companhia alemã de certificação. Desde o rompimento da barragem, funcionários da mineradora e da consultora tentam se isentar da responsabilidade pela tragédia. O engenheiro da empresa alemã, Makoto Namba, disse à Polícia Federal que, mesmo identificando problemas, se sentiu pressionado por um executivo da Vale para conceder o documento.

Entre as 56 barragens que perderam Declaração de Condição de Estabilidade, 17 eram da Vale. Em nota para acionistas, a Vale afirmou que a perda das DCEs não agrava seu fator de segurança, nem altera a projeção de vendas de minério de ferro. 

A mineradora afirmou ainda que sua prioridade é com “a segurança de todas as suas estruturas e, consequentemente, da população e trabalhadores a jusante”. “A produção dessas localidades somente será retomada quando a segurança das estruturas estiver assegurada”, finaliza a empresa.

Edição: Aline Carrijo