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Mesmo sem valorização, cultura indígena resiste

Churrasco, pipoca e chimarrão são alguns dos costumes herdados dos índios

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O povo Tupi-Guarani foi um dos únicos a resistir à colonização europeia
O povo Tupi-Guarani foi um dos únicos a resistir à colonização europeia - Agência Brasil EBC
Churrasco, pipoca e chimarrão são alguns dos costumes herdados dos índios

No dia 22 de abril de 1500, o navegador português Pedro Álvarez Cabral desembarcou sua caravana numa terra que seria a colônia portuguesa na América do Sul. Mais tarde, ela se chamaria Brasil.

Apesar da data remeter ao descobrimento do país, é importante lembrar que a história oficial às vezes tende ao lado do colonizador. Isso porque o termo “descobrimento” é, talvez, equivocado para descrever esse fato histórico.

Antes da chegada dos europeus, o território ao qual chamamos de Brasil tinha outros donos e já era habitado muito antes da frota portuguesa desembarcar no litoral sul da Bahia. Era uma vasta terra de tribos indígenas, como a Tupi-Guarani, a Aruák, a Karib e a Jê. 

O historiador e escritor Olivio Jekupé, indígena Guarani da aldeia Krukutu — que fica entre São Bernardo do Campo e Parelheiros, em São Paulo, afirma que a chegada dos europeus trouxe o extermínio dos índios. “Desde a invasão portuguesa, a questão indígena começou a se tornar uma grande polêmica. Primeiro por causa das doenças, depois as pessoas invadiram os territórios do Brasil — porque todo esse território pertencia ao nosso povo e a gente não tinha fronteiras. Os povos indígenas, tanto do Paraguai quanto da Argentina e Uruguai, e hoje, o Brasil, eram vários povos diferentes, mas não tínhamos essa fronteira de invasão. Cada um tinha a sua localidade”. 

Jekupé também comenta a importância da demarcação das terras hoje, justamente por causa da ocupação europeia. De acordo com ele, a sociedade tem um preconceito com os índios, pois não sabe a importância da terra para a sobrevivência desses povos: “Com a chegada dos portugueses, em 1500, tudo isso começou a se tornar uma tragédia para a gente, porque nós ficamos presos no sistema. Nós temos uma cultura, mas temos que viver e sobreviver dentro de uma comunidade indígena, dentro das terras pré-estabelecidas pelas quais temos que lutar — para não perder esse pedacinho de terra que temos. E mesmo assim, às vezes a sociedade não entende, critica e fala mal da gente, que o índio não usa a terra…”

Outro preconceito muito disseminado é de que o índio que vivia no território que hoje é o Brasil é atrasado em relação aos povos indígenas da América Central, como os Incas, Maias e Astecas. 

A professora de História e Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP), Silvia Adoue, diz que esse tipo de comparação não deveria existir. A forma de organização dos povos era muito diferente entre si, e isso não significa, necessariamente, uma forma de “atraso”.

Segundo ela, a concepção de território entre os povos tinha diferenças muito importantes. Enquanto os povos da América Central tinham uma ideia de estatização do território e produziam os alimentos por meio da monocultura, os índios da América do Sul enxergavam o território e a floresta com outros olhos. “O deslocamento dos povos nas terras baixas respondia a um sentido de pertencimento ao território. Além dessas grandes áreas onde cada comunidade se fixava, havia essa circulação. Inclusive dentro de um território macro, que incluía locais de caça, pesca, e também o de rotação de plantios, porque muitos desses povos, mesmo antes da chegada dos europeus, eram agricultores. Mas uma agricultura de baixo impacto na natureza. Não eram, em caso algum, cultivadores de apenas uma espécie. A monocultura é uma coisa completamente alheia à concepção desses povos”.

A colonização europeia, tanto no Brasil como na chamada “América Espanhola”, veio como forma de extermínio da população indígena. Técnicas de imposição de uma cultura, como o uso da língua portuguesa, por exemplo, destruíram parte da história do povo nativo. Olívio Jekupé comenta da importância da língua como permanência cultural. “Tem etnias no Brasil, que com o massacre, que foi tão pesado, porque proibiram a cultura, a religião, perderam a língua... Se uma comunidade indígena perde a língua, eles começam a perder tudo, porque a língua indígena é que educa um povo”.

Apesar do extermínio, muito da cultura indígena sobreviveu até os dias de hoje. Alguns nomes de frutas, lugares e objetos, como “abacaxi”, “açaí”, “Ibirapuera”, “Guarulhos”, “Anhangabaú”, “cuíca”, “caiaque” e “moringa”, vem da língua indígena. 

Olívio lembra que a mistura da cultura é mais um motivo pelo qual a população indígena deve ser valorizada: “As pessoas criticam, mas não entendem que muitas coisas que existem na cidade hoje foram exploradas dos povos indígenas. No português, para ser sincero, nós fomos roubados. Então, hoje, é importante que as pessoas valorizem o povo indígena porque nos negaram muita coisa. O povo na cidade come farinha de mandioca, farinha de milho, bebe guaraná, come amendoim, come pipoca, come batata doce, come mandioca assada e milho, come pamonha, dorme na rede, os gaúchos tomam chimarrão, o povo brasileiro tem o costume de comer churrasco, o povo todo come tapioca e toma açaí. Isso aí tudo veio dos nosso antepassados indígenas.”

A cultura indígena é muito presente na vida do brasileiro hoje. Relembrar o dia 22 de abril, é lembrar, também, que a palavra “descobrimento” é apenas mais uma maneira de deslegitimação da cultura nativa deste país.

Edição: Michele Carvalho