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“Militares com vida civil”: conheça a rotina da Brigada Bolivariana na Venezuela

Ángel Vásquez, um dos 2 milhões de brigadistas que defendem a revolução bolivariana, conversou com o Brasil de Fato

Brasil de Fato | Venezuela (Caracas) |
Ángel Vásquez ingressou na instituição criada por Chávez em 2008: "Isso está nas nossas veias, desde que nascemos somos revolucionários"
Ángel Vásquez ingressou na instituição criada por Chávez em 2008: "Isso está nas nossas veias, desde que nascemos somos revolucionários" - Foto: Michele de Mello/Brasil de Fato

Há mais de dez anos, milhões de venezuelanos e venezuelanas já optaram por deixar um pouco de lado sua vida como civis e buscar treinamento militar para ajudar a defender seu país. Esse é o trabalho da Brigada Bolivariana, criada pelo ex-presidente Hugo Chávez por meio do Decreto de Alcance, Valor e Força da Lei Orgânica das Forças Armadas Nacionais Bolivarianas, no dia 13 de abril de 2008.

A instituição, de caráter militar, possui um Comando Geral, composto por duas camadas: a Reserva Nacional, que inclui todos os cidadãos venezuelanos que não estão em serviço militar ativo e da própria Brigada, que pode ser organizada por território ou por grupos combatentes, aglutinados em locais de trabalho e estudo. Ao todo, passam de 2 milhões de alistados e até o fim do ano pretendem chegar a 3 milhões

Uma dessas pessoas é Ángel Vásquez. Aos 31 anos, é 2º sargento e está na Brigada desde 2014.

Da periferia pobre à militância chavista

Ángel é desses venezuelanos que te recebem com sorriso aberto e um abraço no olhar. De origem humilde, ele e o irmão mais velho foram criados pela mãe solteira, que se desdobrava em três empregos para sustentar a família numa zona periférica de Caracas. Naquela época, comer arroz com ovo uma vez por dia era abundância.

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Cresceu em meio a muitos conflitos. Tinha apenas dois anos quando Hugo Chávez e militares aliados tentaram tomar o poder à força. O episódio resultou na prisão do então tenente-coronel rebelde Chávez. O discurso do revolucionário ao ser preso entrou para a história da Venezuela.

Aos quatro anos, viveu o histórico Caracaço, quando o povo saiu às ruas para dizer um basta à miséria. Aos oito anos, Ángel saiu de casa e viveu até os 12 anos na rua, porque era "um jovem rebelde, que queria conhecer o mundo". Andava de abrigo em abrigo tratando de se alimentar e se banhar, porque "não queria ir para a escola sujo". 

Foi quando começou a militar pelo chavismo. Nunca tolerou escutar os discursos da direita. Em 2002, Ángel tinha 14 anos e foi com o irmão a uma atividade cultural no centro de Caracas. Lá vivenciou a primeira tentativa de golpe contra o então presidente eleito Hugo Chávez (entenda melhor com o documentário A revolução não será televisionada). “Desde lá vem esse anseio por defender minha pátria. Depois disso, sempre tive vontade que surgisse um movimento que expressasse o que vi nascer ali”, relembra o brigadista.

Quando sequestraram Chávez, o povo imediatamente foi buscá-lo. ‘Onde está Chávez, o que fizeram com ele?’ Efetivamente foi uma união cívico-militar, que aconteceu de maneira espontânea. Na rua se via muita raiva pelo que acontecia com o país nesse momento.

Ángel conta da violência da polícia metropolitana contra o povo que saía a protestar e da lealdade dos militares das Forças Armadas, que apoiavam os revoltosos da ponte Llaguno e do Palácio Miraflores. “Nesse momento havia duas opções: ou sair correndo e ter o risco de que me matassem em uma esquina ou ficar, enfrentar e lutar pela revolução”, assevera. Com os olhos marejados, lembra que depois de 16 horas de vigília, Chávez voltou: “Eu chorei, chorei muito”.

Não foi naquele momento que o jovem pensou em dedicar-se à vida militar. Tinha vontade de estudar e aproveitar sua juventude.

O chamado brigadista

Em 2014, Ángel se depara com um chamado para jovens políticos que queiram se somar à Brigada.

“Decidi entrar na brigada por acreditar no direito constitucional de que a defesa da nação reside em todos os cidadãos, não somente no exército ou em qualquer um dos setores das Forças Armadas. Também no dever revolucionário defender minha pátria, que é parte do princípio revolucionário que temos aqui”, explica.

Seu início como brigadista foi realizando trabalho social, recuperando praças e lugares públicos. Mas logo depois de algumas semanas já teve que atuar nas guarimbas de 2014 – atos violentos opositores, que resultaram na morte de 41 pessoas.

Ángel conta que seu trabalho era principalmente derrubar barricadas e liberar as ruas para que carros, ambulâncias e pessoas pudessem transitar. “Eles não queriam deixar ninguém passar, até nos ameaçavam com armas”, recorda-se.

Atualmente, faz plantões de 12 horas a cada duas semanas. Ángel e sua brigada se dedicam a implementar módulos produtivos de alimentos na zona da capital: hortas verticais, galinheiros, plantações urbanas. Eventualmente, ajudam na segurança de manifestações chavistas.

23 de fevereiro

Perguntado sobre momento mais marcante da sua vida como miliciano, Angel não titubeia: 23 de fevereiro. Ele esteve na fronteira com a Colômbia, tratando de frear a tentativa de invasão do território venezuelano, no dia em que Estados Unidos e os países do chamado Grupo de Lima queriam forcar a entrada de caminhões com suposta ajuda humanitária. “Vimos como paramilitares colombianos tentavam entrar no nosso território armados. Nós o que fazíamos era detê-los com pedras, consignas chavistas e muita vontade, muito valor. Era a única arma que tínhamos nessa operação”, conta.

Ángel foi um dos coordenadores de dois comboios que saíram de Caracas com 224 jovens, nos dias 22 e 24 de fevereiro. Ele e os demais brigadistas estiveram acampados durante quatro dias em San António Del Táchira, na fronteira com a cidade colombiana de Cúcuta. “Todo aquele que estivesse disposto a dar a batuta, que tivesse uma identificação revolucionária era bem vindo. E repito, todos vieram de maneira totalmente espontânea”, explica o brigadista.

Além de ter sido a linha de frente em todas as pontes fronteiriças, a Milícia Bolivariana também dava suporte logístico aos militares. “Quando alguém nosso caía, nós lançávamos uma chuva de pedras para resgatar o ferido. Nesse momento você não tem medo, você tem vontade de defender sua pátria. Também um pouco de indignação por ver como pessoas tentam invadir seu país”, assegura Ángel.

Depois dessa data, seu grupo voltou a se reunir no dia 8 de março, para atuar nas contingências do primeiro apagão na Venezuela. Todos já sabiam o que fazer. Ainda em fevereiro haviam combinado que, se algo acontecesse, encontrariam-se em frente à praça Bolívar, no coração de Caracas.

Assim como Ángel, outros 50 jovens caminharam quilômetros na escuridão para encontrar-se e passaram toda a madrugada ajudando a patrulhar a cidade, com receio de que um episódio como a tentativa de golpe de 2002, com Chávez, se repetisse.

Imagine se de repente volta a luz e não temos Nicolás, não temos revolução?

Por isso, Ángel e a Brigada Bolivariana estiveram durante toda a semana na vigília ao Palácio Miraflores.

Depois desses dois episódios, ele assegura, está surgindo na Venezuela o movimento 23F: jovens brigadistas interessados em defender a pátria.

Ángel é enfático ao definir a inspiração para o sentimento patriótico: Chávez, Bolívar, Miranda.

Isso está nas nossas veias, desde que nascemos somos revolucionários, vivemos transformando sistemas já moribundos. Sinto que estamos vencendo, o mundo está acordando. Os povos, não os governos, os povos estão acordando e isso é arte para nós.

Edição: Rodrigo Chagas