EUROPA

Análise | 11 pontos para entender a eleição geral de 28 de abril na Espanha

Para o analista político, o governo eleito de Pedro Sánchez (PSOE) será estável, com apoio de instituições europeias

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Pedro Sánchez, líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) foi eleito primeiro-ministro da Espanha neste domingo (28)
Pedro Sánchez, líder do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) foi eleito primeiro-ministro da Espanha neste domingo (28) - Divulgação/twitter Pedro Sánchez

No dia 28 de abril, uma eleição geral (Congresso Nacional e Senado) foi realizada na Espanha, após o primeiro-ministro, Pedro Sánchez, convocar novas eleições em fevereiro. Sánchez é o líder do PSOE (Partido Socialista Obrero Español, social-liberal, pró-europeu), e estava no poder desde junho de 2018, quando liderou, no Congresso, uma moção de censura bem-sucedida contra o governo do PP (Partido Popular, centro-direita, conservadores) de Mariano Rajoy.

O resultado das eleições não deixa dúvidas sobre quem foi o vencedor: o próprio Pedro Sánchez. Não só o seu partido ganhou uma eleição pela primeira vez em 11 anos, como também elegeu o dobro de deputados que o segundo colocado, o Partido Popular que, por sua vez, obteve o pior resultado da sua história. Ciudadanos (direita liberal, nacionalistas espanhóis) consolidou-se como terceira força política, com um crescimento em todo o país. Unidas Podemos (populistas de esquerda, socialistas) perderam peso parlamentar e recuaram em grandes áreas do país. Vox (extrema direita, nacionalistas espanhóis, neofascistas) invade o Parlamento, mas obtém um resultado um pouco mais modesto do que o esperado.

Congresso dos Deputados de Espanha: 350 deputados (total)

  • PSOE: 123 (28,9%)
  • PP: 66 (16,83%)
  • Ciudadanos: 57 (15,98%)
  • Unidas Podemos: 35 (12,05%)
  • Vox: 24 (10,34%)
  • Outros: 38

 

A participação foi muito alta (75,75%), igualando-se a dos grandes processos eleitorais do passado (primeiras eleições depois de Franco, 1977; 1ª vitória do PSOE, com Felipe González, em 1982; vitória de Zapatero depois dos protestos contra a Guerra do Iraque e os ataques do 11 de março, em 2004). Uma regra histórica volta a ser cumprida: quando há uma alta participação, a esquerda sobe (e costuma ganhar), o que confirma que a maioria social na Espanha é progressista.

Os resultados finais revelam alguns elementos-chave para a análise política:

1. O sistema bipartidário pós-Franco, que durou mais de três décadas na Espanha, está oficialmente morto. A atual fragmentação parlamentar culmina um processo iniciado em 2015, com a chegada de Podemos e Ciudadanos à cena política, e coloca a necessidade de avançar em uma cultura de pactos e compromissos. Neste cenário, a esquerda espanhola se sai melhor do que a direita.

2. O resultado desta eleição provavelmente dará lugar a uma fase de estabilidade institucional, fechando o período iniciado em 2008 (crise financeira e a subseqüente crise social e política), a turbulência que provocou um ciclo de protestos dos cidadãos (2011-2014) e a fase de volatilidade política que se seguiu (2015-2018). O chamado Regime dos 78 (construído sobre a nova Constituição e uma democracia parlamentar formal com o papel central da monarquia como arranjo institucional central) parece estar fora de risco. Ainda que o PSOE decida formar um governo minoritário, a sua firme posição em relação a outras forças será um fator gravitante de estabilidade e contará com o apoio de todos os poderes (tanto nacionais como europeus ou internacionais) para assentar o regime político.

3. Em relação ao ponto anterior, o PSOE alcança sua renovação como partido estruturante do regime, afastando o risco de perder espaço – e cadeiras – para o Podemos. Enquanto o PP aprofunda sua crise (alguns analistas preveem sua desaparição nos próximos anos), Pedro Sánchez sai vitorioso das batalhas internas (contra os barões do partido, como Felipe González, ou a dirigente andaluza, Susana Díaz), volta a ocupar o centro político e recupera a credibilidade que tinha perdido. A Coroa espanhola também está muito satisfeita com este resultado.

4. Com tudo a seu favor, a direita perdeu uma oportunidade histórica para obter uma maioria política que serviria para implementar uma agenda reacionária na Espanha. Enquanto o avanço da extrema direita (Vox) é notável - eles deram o tom e lideraram a campanha eleitoral, forçando todos os outros partidos de direita a radicalizar suas narrativas-, o governo da Espanha não será composto por um partido ultra-direitista. Por ora, impediu-se o avanço desta dinâmica presente em todo o mundo, pelo menos na política institucional (Trump, Bolsonaro, Duterte, Erdogan, Salvini, Orban, etc.). Em qualquer caso, a chegada de Vox à política espanhola mostra que a extrema direita não precisa estar no governo para contaminar a agenda e o debate público. E, em todo caso, o Parlamento será uma plataforma privilegiada para consolidar seu discurso de enfrentamento e de ódio, aumentando assim sua visibilidade.

5. Os principais burocratas de Bruxelas respiram aliviados. Há apenas um mês, a vitória do Fórum para a Democracia nas eleições holandesas desencadeou o pânico nas instituições europeias perante a possibilidade do crescimento do Vox colocar a Espanha na órbita do populismo de extrema direita à beira da eleição do Parlamento Europeu no próximo dia 26 de maio.

6. No calor da convulsão social e política do julgamento contra os líderes catalães separatistas e em um momento histórico definido, por um lado, pela crise sistêmica e estrutural do capitalismo e, por outro, o auge do popullismo de direita no mundo todo, a classe trabalhadora e suas demandas e interessas estiveram ausentes do debate durante a campanha. Isto evidencia uma das grandes vitórias da direita, de caráter ideológico: os temas dominantes da campanha foram a defesa da Espanha contra o separatismo, (o risco de) imigração, insegurança, etc., todos lançados com um tom de confronto e colocações identitárias. Somente Unidas Podemos conseguiu, com dificuldade, colocar as demandas de caráter social.

7. A extrema direita escolheu as mulheres e as feministas como um dos seus inimigos favoritos. Assim, a resposta do voto feminino foi contundente: as mulheres, acima de tudo, mas também os jovens e a classe trabalhadora, barraram o avanço da direita. A eleição demonstrou também que o Estado espanhol e seus povos são mais diversos do que cabe nas colocações excludentes da direita. Nesse sentido, essas eleições podem ter uma projeção ideológica importante para o futuro.

8. Os partidos nacionalistas e independentistas bascos e catalães saíram-se extremamente bem, e isso aconteceu quando os três partidos de direita fracassaram maciçamente em ambos os territórios. No País Basco, os três partidos de direita não conseguiram obter um único deputado, enquanto o EH Bildu (socialistas, independentistas) obteve sua maior vitória, e o PNV (Partido Nacionalista Vasco, nacionalistas, conservadores) consolidou o primeiro lugar na região. Na Catalunha, a Esquerra Republicana (republicanos, independentistas) obteve uma vitória retumbante e, juntamente com JxSí (nacionalistas, neoliberais), consolidou uma forte presença dos partidos Procès/independentes em Madrid. Ciudadanos mantém uma presença importante na Catalunha (especialmente em Barcelona) e o PP desmorona: obtém um único deputado, enquanto Vox obtém outro. Duas considerações surgem a partir destes resultados: primeiro, a direita não quer fazer política na Catalunha ou no País Vasco, mas usa a confrontação para obter créditos no resto da Espanha, e esta estratégia fracassou; e segundo, ao contrário do que as forças de direita tentaram argumentar, o povo espanhol quer diálogo e política e rejeita a agenda da repressão e do confronto.

9. Depois de vários anos com uma representação reduzida ou ausente do Parlamento, o Partido Comunista da Espanha leva cinco deputados ao Congresso – sob a candidatura de Unidas Podemos. O deputado comunista mais destacado é Enrique Santiago, secretário-geral do PCE, especialista em política latino-americana e advogado próximo das organizações de direitos humanos e do processo de paz na Colômbia.

10. O resultado moderadamente positivo da eleição – o crescimento da extrema direita foi barrado – não deve nos fazer esquecer a fraqueza das organizações sociais e populares do Estado espanhol como um todo. Antes da crise, as organizações populares e as lutas sociais eram minadas sempre que o PSOE obtinha um bom resultado eleitoral. As circunstâncias excepcionais desta eleição, bem como o bem sucedido processo de renovação do PSOE podem enfraquecer ainda mais a dinâmica social e organizacional das organizações de base. No entanto, existem exemplos de grupos conscientes e ativos: os aposentados bascos demonstraram hoje em Bilbao, exigindo um aumento da aposentadoria. Além disso, Comisiones Obreras, o maior sindicato da Espanha, advertiu Pedro Sánchez hoje, afirmando que espera que o governo dê um peso maior às políticas sociais a partir de agora.

11. Em menos de um mês, no próximo dia 26 de maio, serão celebradas eleições municipais, regionais e eleições europeias. Estas novas eleições definirão melhor as tendências apontadas domingo (28) e a sua projeção na política local e europeia. Há ainda uma sensação de emergência e, portanto, até depois de 26 de maio, é improvável que a formação do novo governo seja anunciada. O PSOE tem várias opções: formar um governo minoritário (algo comum em outros países mas estranho à cultura política espanhola), contar com o apoio da Unidas Podemos (e usar o apoio de uma ou várias forças independentes para nomear Pedro Sánchez como presidente), ou assinar um acordo com Ciudadanos (improvável, já que seria um movimento muito mal visto pelas bases socialistas e, do lado de Ciudadanos, comprometeria sua intenção de ser o novo partido hegemônico da direita espanhola, um objetivo de longo prazo). Em todo caso, o governo – liderado pelo PSOE – que sairá destas eleições será estável e terá a aprovação das instituições europeias.

*Iván Orosa Paleo vive em Barcelona, é pesquisador e analista político internacional.

Edição: Luiza Mançano | Tradução: Rita Zanotto