Ataque deliberado

Sanções dos EUA arrasaram Venezuela e mataram 40 mil desde 2017, aponta relatório

Pesquisadores dos EUA expõem ação deliberada do governo Trump para aprofundar sofrimento da população venezuelana

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Paciente aguarda atendimento em hospital da Cruz Vermelha em Caracas, capital venezuelana; federação anunciou ajuda humanitária em abril
Paciente aguarda atendimento em hospital da Cruz Vermelha em Caracas, capital venezuelana; federação anunciou ajuda humanitária em abril - Foto: Matias Delacroix/AFP

As sanções impostas pelo governo de Donald Trump contra a Venezuela para fragilizar o presidente Nicolás Maduro têm causado prejuízos graves à vida humana e à saúde da população, tendo como resultado estimadas 40 mil mortes entre 2017 e 2018 no país. A conclusão é do estudo Sanções Econômicas como Punição Coletiva: O Caso da Venezuela, publicado neste mês em português, inglês e espanhol pelo Centro de Pesquisas Econômicas e de Políticas Públicas (CEPR), nos Estados Unidos.

A estimativa do estudo se baseou em dados da Pesquisa Nacional de Condições de Vida (Encovi), levantamento anual realizado por três universidades venezuelanas, que apontou um crescimento de 31% da mortalidade entre 2017 e 2018 -- um aumento de 40 mil mortes no período.

O documento aponta que as sanções do governo Trump reduziram a oferta de alimentos e medicamentos e aumentaram a incidência de doenças e a mortalidade no país, encaixando-se na definição de castigo coletivo da população civil estabelecida nas convenções internacionais tanto de Genebra quanto de Haia, das quais os Estados Unidos são signatários. “Também são ilegais sob as leis e tratados internacionais assinados pelos EUA, e parecem violar a legislação” do próprio país.

Segundo o estudo, mais de 300 mil pessoas estão em situação de risco por falta de acesso a medicamento ou tratamento médico. Os dados do relatório incluem 80 mil pessoas portadoras do HIV/Aids que não recebem tratamento antirretroviral desde 2017, 16 mil pacientes que precisam de diálise, 16 mil pessoas com câncer e 4 milhões com diabetes e hipertensão. Além disso, a crise no fornecimento de energia elétrica também afetou hospitais e serviços de saúde.

Para o pesquisadores responsáveis pelo levantamento, Mark Weisbrot e Jeffrey Sachs, os números demonstram que as sanções impostas pelos Estados Unidos no início deste ano – muito mais rígidas que as de anos anteriores – representam uma “pena de morte” para dezenas de milhares de venezuelanos. “Isso é especialmente verdadeiro se a queda projetada de 67% na receita petroleira se materializar em 2019”.

O estudo ressalta também que a Venezuela seria capaz de adotar um programa para combater e controlar a hiperinflação caso não estivesse sofrendo com as sanções impostas pelos EUA. Com grandes reservas de petróleo e outros minerais para ajudar a garantir a recuperação econômica, não só seria possível evitar o aumento de 40 mil mortos, poderia haver uma redução da mortalidade e a melhoria dos indicadores de saúde.

“Toda a ideia de restaurar a confiança na moeda doméstica, ao mesmo tempo em que estabiliza a taxa de câmbio, parece impossível quando uma potência estrangeira está cortando a maior parte da receita em dólar, congelando e confiscando ativos externos e, como a administração Trump fez por quase dois anos, comprometendo-se a fazer muito mais – sem mencionar a ameaça de uma ação militar.”

Estratégia de estrangulamento

Em entrevista ao Democracy Now!, o economista e coautor do estudo Jeffrey Sachs avalia que as sanções que o governo Trump começou a impor sobre a Venezuela a partir de 2017 foram as principais causas da hiperinflação, do “colapso econômico e da catástrofe” que o país está vivendo e, consequentemente, da crise social no país. “Nossa imprensa sempre culpa Maduro [pela situação do país], mas as pessoas não entendem como os Estados Unidos têm os instrumentos de sanção”, afirma.

A primeira série de sanções dos EUA avaliada no relatório foi imposta em agosto de 2017, proibindo o governo venezuelano de contrair empréstimos no mercado financeiro estadunidense e impedindo o país de reestruturar sua dívida externa e de se recuperar de uma recessão que já durava mais de três anos.

Sem conseguir reestruturar os empréstimos de sua empresa petrolífera, a receita da Venezuela para a compra de alimentos e medicamentos também entrou em colapso.

“Foi quando a crise humanitária e social saiu de controle. E aí, neste ano, com essa ideia muito inocente, muito burra, na minha opinião, de que haveria um presidente autoproclamado, tudo ensaiado muito de perto com os Estados Unidos, aconteceu outra rodada de sanções ainda mais rígidas [em janeiro], essencialmente confiscando a receita e os ativos do governo venezuelano”, explica Sachs.

Outras decisões tomadas pela administração Trump apontadas no estudo levaram ao fechamento de contas venezuelanas em instituições financeiras, perda de acesso ao crédito e outras restrições financeiras que tiveram  graves impactos negativos sobre a produção de petróleo, bem como sobre a economia.

Estratégia deliberada

“Já havia uma crise, certamente, antes de Trump assumir, mas a ideia do governo americano, desde o início, foi derrubar Maduro”, explicou Sachs na entrevista. “Isso não é uma hipótese. Trump foi muito explícito nas discussões com presidentes da América Latina.”

O economista lembrou que Trump queria promover uma invasão militar na Venezuela desde 2017, mas, sem o apoio de líderes latino-americanos para a ação naquele momento, a estratégia foi tentar estrangular a economia venezuelana, em uma decisão deliberada de intensificar o sofrimento da população para fragilizar o governo de Maduro.

Sachs classifica a estratégia dos Estados Unidos como “tudo ou nada” e afirma que Trump e o conselheiro de Segurança Nacional do país, John Bolton, não entendem a ideia de negociação. “É uma tentativa de golpe. É muito grosseira. Não está funcionando. E é muito cruel, porque está castigando 30 milhões de pessoas”, lamentou.

Intimidação

Na entrevista ao Democracy Now!, Sachs criticou ainda a inação do Congresso dos Estados Unidos e de organismos internacionais diante da política de intimidação de Trump.

“É inacreditável que se tenha esse espetáculo de um homem só com os danos provocados por Trump em todo o mundo. Não se tem nenhuma fiscalização. E, nas instituições internacionais, como o FMI [Fundo Monetário Internacional] e o Banco de Desenvolvimento Interamericano, as pessoas têm medo de dizer a verdade”, lamenta. “Ninguém quer falar os fatos óbvios sobre o tamanho do dano que está sendo provocado, quantas vidas estão sendo perdidas, quanto sofrimento está sendo criado, quantos refugiados estão sendo criados deliberadamente.”

Edição: Aline Scátola