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A morte de dona Edi foi noticiada corretamente?

Mídia comercial associou morte à fumaça de pneus queimados em protesto, mas hospital informa que relação não existe

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Protesto aconteceu na Avenida Antônio Carlos, na greve geral de 14 de junho
Protesto aconteceu na Avenida Antônio Carlos, na greve geral de 14 de junho - Foto: Reprodução

Em Belo Horizonte e Minas Gerais a população recebeu de todos os lados uma notícia que pode não ter sido correta. Dona Edi Alves Guimarães, de 53 anos e mãe de oito filhos, faleceu na segunda-feira (17) no Hospital Risoleta Tolentino Neves, em BH. Ela passou mal durante um dos protestos da greve geral de 14 de junho. Foi noticiado que sua morte teria sido decorrente de inalação de fumaça dos pneus queimados. Porém, a morte de dona Edi, segundo nota do Hospital, não foi causada por intoxicação de monóxido de carbono (fumaça).

A nota, divulgada na tarde de terça (18) pelo Hospital Risoleta Neves, afirma que “os exames realizados não evidenciaram intoxicação por monóxido de carbono, estando o óbito associado à doença cardíaca e neurológica”. Além de descartar a intoxicação, o hospital nega que tenha lançado uma nota anterior, relacionando a inalação de fumaça à morte, informação que foi divulgada por inúmeros jornais mineiros.

O Estado de Minas, por exemplo, em sua capa da edição de terça (18), lançou em sua manchete: “Morre mãe de 8 filhos intoxicada em protesto”, e continua: “Vítima estava em ônibus cercado por fumaça de barricada em Belo Horizonte. Polícia procura responsáveis”. Ainda na capa, o jornal afirma que a causa da morte foi “parada cardiorrespiratória devido à intoxicação” e em frase seguinte cita a nota que a assessoria do hospital nega ter emitido.

Opinião médica

A causa da morte de dona Edi parece não ter sido ainda totalmente elucidada. Segundo a Polícia Militar, a senhora teve duas paradas cardiorrespiratórias a caminho do hospital, mas, já internada, exames teriam comprovado que não houve intoxicação por monóxido de carbono. Mesmo assim seu quadro piorou e ela faleceu na tarde de segunda-feira (17) por morte encefálica.

A médica emergencista Tainá Vaz analisa que a causa da morte que foi declarada pelo hospital (causas cardíacas e neurológicas) não são diretamente relacionadas à intoxicação por fumaça. Porém, ela pondera que a fumaça e a situação como um todo podem ter contribuído como fatores indiretos das complicações.

“Não se pode afirmar que não houve nenhuma relação entre o evento e a causa da morte. A inalação de fumaça, mesmo sem causar intoxicação, pode gerar um transtorno pulmonar que pode sobrecarregar o coração e acontecer uma parada cardíaca. Ela teria um infarto nesse dia de qualquer forma, mesmo sem inalar fumaça? É uma coisa que não dá para a gente saber. Eu acredito que não”, avalia a médica. “Mas só um laudo ou uma perícia podem realmente comprovar a causa da morte. Todo o resto são situações hipotéticas”, sublinha.

Denúncia de bombas da PM

O ato aconteceu na madrugada de 14 de junho, nas primeiras horas do dia de protestos contra a reforma da Previdência. Estudantes paralisaram o trânsito na avenida Antônio Carlos, próximo ao viaduto José Alencar, com pneus e fogo. A servidora da UFMG Cristina Del Papa conta que não participou do protesto dos estudantes, mas estava a cerca de 100 metros do bloqueio e observou as pessoas que socorriam a senhora Edi. “Nós vimos e achamos que ela tinha passado mal por conta de pressão, ou por susto”, relata.

Cristina afirma que estava do lado oposto da avenida Antônio Carlos, porém na mesma altura que a senhora Edi. Neste local estava também a Polícia Militar, que se posicionou e começou a jogar bombas de gás lacrimogêneo nos estudantes que realizavam o bloqueio. Foram cerca de 10 bombas lançadas pela PM, relata Cristina. Neste momento elas estavam a cerca de 100 metros da fumaça.

“Eles [PM] passaram pela gente e começaram a jogar bomba nos meninos que estavam na frente. Nesse momento a gente sentiu muito o cheiro do gás”, conta. Ela contraria a versão de que os policiais militares retiraram a senhora de dentro do ônibus e afirma que eles a socorreram já na calçada. Sustenta também que o cheiro da bomba de gás lacrimogêneo foi mais forte que o cheiro da fumaça, e que esse pode ter sido o agravante que levou a senhora às paradas cardiorrespiratórias.

Resposta

A Polícia Militar e Polícia Civil foram contatadas, mas não responderam até o fechamento desta matéria.

Edição: Joana Tavares