Feminismo

Em seminário em Brasília, mulheres do MAB reafirmam luta pelo poder popular

Evento, que reuniu lideranças e pesquisadoras, debateu temas como o aumento da violência ligada às grandes obras

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Mulheres durante ato político que homenageou, em Brasília (DF), vítimas de Brumadinho e lutadoras do campo popular
Mulheres durante ato político que homenageou, em Brasília (DF), vítimas de Brumadinho e lutadoras do campo popular - Foto: Marcelo Aguilar

A luta feminista vem buscando mais qualificação e unidade no Brasil. Foi nesse embalo que mais de 80 mulheres se reuniram nesta terça-feira (25), em Brasília (DF), no seminário intitulado "Em defesa da vida: mulheres atingidas na luta por direitos". O evento foi organizado por lideranças do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), para fortalecer a caminhada do segmento diante dos desafios políticos e sociais.

De acordo com a militante Soniamara, da coordenação nacional da entidade, a ideia do evento é incentivar a auto-organização das mulheres para que, a partir disso, se possa qualificar não só a luta institucional do MAB, mas especialmente a luta feminista organizada. Com isso, as militantes esperam atingir também um maior alcance social, contagiando outros segmentos de trabalhadores.

“Se nós ficarmos isoladas como mulheres atingidas e defensoras dos direitos humanos, os nossos dias também estarão contados, então, a unidade da classe trabalhadora além da organização das mulheres é o nosso horizonte. E o que é o nosso horizonte? É construir poder, e poder a gente disputa ao nível nacional e ao nível internacional. Nossa luta precisa ser pelo poder, e é poder popular”, defende Soniamara.

Para fortalecer a articulação, as militantes do MAB contaram também com presença de pesquisadoras, defensoras públicas e ainda mulheres de outras organizações populares, como Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), Levante Popular da Juventude e Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).  

“Isso nos torna mais fortes e faz a gente sentir que é possível transformar a sociedade porque, assim como nós, em outras esquinas da luta também tem outras mulheres fazendo luta”, disse Rosely Souza, do MPA.

A educadora popular Eliane Martins, que atua na Consulta Popular e na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), demarca que as mulheres têm papel essencial na construção de uma sociedade solidamente democrática. Ela assinala, nesse processo, que a atuação passa pela compreensão das relações de trabalho, atualmente marcadas por medidas como as reformas trabalhista e da Previdência.

“Essas relações são fundamentais porque estruturam a sociedade. Se queremos transformar esta sociedade, temos que entender o seu funcionamento. O trabalho é a forma como a gente, ser humano, se relaciona com a natureza, retira dela aquilo de que precisa pra viver e constrói muitas coisas em cima disso. A gente não recebe o justo pelo nosso trabalho e há um conjunto de explorações. Isso tem a ver com a situação de vida concreta das mulheres, e elas se dão conta desses processos quando estão coletivamente organizadas ou pelo menos mais unidas. Se isso for conversando isoladamente, não faz muito sentido”,  frisa a educadora.  

Violência

No processo de luta organizada, as mulheres seguem chamando a atenção para o combate à violência. A professora Maria Berenice Tourinho, da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), ressalta a preocupação com a violência sexual. Em uma abordagem diferente, ela destaca que o problema tem realce, por exemplo, na construção de grandes empreendimentos no país.

Um estudo feito pela pesquisadora identificou que, no biênio 2010-2011, durante o processo de construção de duas barragens em Porto Velho (RO), por exemplo, os casos de violência sexual aumentaram exponencialmente, saltando de 206 para 603.

“O que vemos é um aumento rápido e vertiginoso da densidade demográfica, principalmente com a presença de homens nos canteiros de obras. Isso causa um desequilíbrio e, consequentemente, as populações mais vulneráveis, que são mulheres, crianças e adolescentes, passam a sofrer o impacto desse tipo de violência, que é difusa e escamoteada porque poucas famílias têm coragem de registrar”, explica a pesquisadora, frisando ainda que a problemática está intimamente relacionada ao fator cultural da desigualdade de gênero.

“São violações que você não repara nem juridicamente falando, claro. Isso é muito grave e precisa ser combatido. É preciso empoderar essas mulheres, pra que elas sejam protagonistas da sua própria história, principalmente da sua autonomia sexual”, acrescenta.  

Barragens

As participantes também lembraram, em diferentes momentos do seminário, o contexto de violações de direito que circunda a existência de barragens pelo país. Elas destacaram a omissão do poder público diante da operação dos empreendimentos do ramo, que somam, ao todo, cerca de 24 mil unidades, mas apenas 3% delas são fiscalizadas.

Também ressaltaram que, nos últimos 50 anos, mais de 3 milhões de pessoas foram atingidas por esse tipo de construção.   

“E nós somos as principais vítimas desse modelo energético colocado hoje dentro do sistema capitalista, imperialista e patriarcal”, salientou Soniamara, apontando, entre outras coisas, que as mulheres enfrentam múltiplas dificuldades com as mineradoras, incluindo a dificuldade de negociação com as empresas, que, de modo geral, se recusam a receber as trabalhadoras.

Nesse contexto, tem força maior, para as militantes, o caso do rompimento da barragem da mineradora Vale em Brumadinho (MG), em janeiro deste ano. O crime socioambiental completa cinco meses nesta terça e foi lembrado, ao final do evento, em um ato inter-religioso.  

“É com muita dor no coração que a gente está aqui. A gente tenta ser forte, mas só quem está lá em Brumadinho sabe o tamanho da dor. É uma batalha já de cinco meses pelo bem maior, pelo direito à água, pelo direito das mães de enterrarem seus filhos”, desabafou Michelle Regina, do MAB, que perdeu uma prima na tragédia.

Além das vítimas de Brumadinho, também foram homenageadas mulheres de destaque na luta popular, como a vereadora Marielle Franco (Psol); a ativista ambiental Berta Cáceres; e as militantes Nicinha e Dilma, ambas do MAB, que foram assassinadas por conta da atuação política em defesa da população atingida por barragens.

Edição: Rodrigo Chagas