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Aliada da Lava Jato na Venezuela, ex-procuradora é acusada de receber suborno

Luísa Ortega é investigada por suposta chantagem a empresários e não é mais funcionária do Estado venezuelano

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |

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Ortega (dir.) ao lado do ex-procurador Rodrigo Janot em encontro no Brasil
Ortega (dir.) ao lado do ex-procurador Rodrigo Janot em encontro no Brasil - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Uma reportagem publicada pelo The Intercept Brasil no último dia 7 mostrou como o ex-juiz Sergio Moro e o procurador da operação Lava Jato Deltan Dallagnol tentaram interferir em assuntos internos da política venezuelana. A Lava Jato teria recorrido à ex-procuradora-geral Luísa Ortega Díaz para tornar público o vídeo da delação da Odebrecht sobre supostas propinas na Venezuela e, assim, desestabilizar o governo Nicolás Maduro.

Pouco conhecida no Brasil, Ortega encontrava-se, naquele momento, na Colômbia -- ela permanece até hoje foragida da Justiça venezuelana. A aliada da Lava Jato foi destituída do cargo pela Assembleia Nacional Constituinte da Venezuela em julho de 2017, por suspeita de envolvimento em um escândalo de corrupção. Ela é acusada de ter chantageado empresários e pedido suborno para livrá-los de processos judiciais.

A ex-procuradora-geral da Venezuela também é investigada por receber recursos indevidos para conceder benefícios judiciais a executivos da própria Odebrecht -- empreiteira citada nas conversas reveladas pelo The Intercept. A informação foi verificada pelo Brasil de Fato junto a fontes do Ministério Público da Venezuela.

O Brasil de Fato apurou que Ortega editou o vídeo enviado pela força tarefa da Lava Jato antes de publicá-lo nas redes sociais em sua página pessoal, omitindo as suspeitas de corrupção que recaem sobre a oposição venezuelana.

O material contém a delação premiada do ex-presidente da Odebrecht na Venezuela Euzenando Acevedo, que afirma ter feito doações de campanhas para o atual presidente Maduro, mas também para o líder da oposição na época, Henrique Capriles -- candidato a presidente derrotado em 2012 e 2013. A parte em que o executivo se refere às doações feitas à campanha de Capriles não foram divulgadas por Ortega.

Ainda que parte do depoimento, em forma de transcrição, já circulasse na imprensa brasileira desde janeiro de 2017, o vídeo completo, deixando claro a edição de Ortega, só foi revelado em junho de 2018, por um grupo de jornalistas estrangeiros da Red de Periodistas Estructurados.

Os jornalistas publicaram, de forma simultânea, reportagens sobre o tema no Peru, na Argentina, no Panamá, no Uruguai e no México. “Durante um ano e meio, esse vídeo permaneceu escondido a sete chaves pelos tribunais brasileiros. Mas o segredo acaba de ser descoberto e hoje é possível saber o que aconteceu”, diz uma das reportagens.

A reportagem do Brasil de Fato não conseguiu contato com Ortega para comentar as acusações.

Detalhes das investigações

Em 6 de agosto, um dia depois das conversas entre o procurador Dallagnol e o ex-juiz Moro reveladas pelo The Intercept Brasil, a Ortega Díaz publicou uma série de tweets em que afirmava ter acesso a documentos e a movimentações bancárias da Odebrecht. Três semanas mais tarde, ela anunciou que teria entregado supostas provas contra Maduro a procuradores dos Estados Unidos.

No entanto, o principal elemento apresentado pela ex-procuradora era o depoimento do presidente de Acevedo, colhido pelos procuradores do Ministério Público de Sergipe no dia 15 de dezembro de 2016, como parte da Lava Jato. Segundo o presidente da Odebrecht na Venezuela, teriam sido doados US$ 35 milhões para a campanha de 2013 de Maduro e US$ 17 milhões a Capriles, sendo US$ 2 milhões em 2012 e US$ 15 milhões em 2013. O executivo da Odebrecht afirmou, inclusive, ter se reunido pessoalmente com o então candidato da oposição venezuelana.

Durante o processo de investigação do caso Odebrecht na Venezuela, iniciado durante a gestão de Ortega, os procuradores Pedro Lupera, María Gabriela Lucena e Luis Sánchez foram acusados de relações indevidas com executivos da Odebrecht, segundo revelou o atual procurador-geral da República da Venezuela, Tarek William Saab. Sánchez está preso e Ortega optou por fugir para a Colômbia.

A investigação do Ministério Público mostrou que o escritório do advogado José Rafael Parra Saluzzo, que defendia a Odebrecht, era suspeito de pagar US$ 2 milhões em forma de subornos aos três procuradores do caso, mas também a ex-procuradora Ortega e seu esposo, o deputado Germán Ferrer. Essa informação foi revelada pelo procurador-geral Tarek William Saab, em uma entrevista coletiva divulgada pela imprensa no dia 11 de outubro de 2017.

Um mês antes, jornalistas independentes da Venezuela já denunciavam a relação próxima entre o advogado da Odebrecht e Ortega. Em setembro de 2017, o site venezuelano La Tabla publicou fotos que mostram que a ex-procuradora da Venezuela viajou de férias para a França com Saluzzo e seus familiares.

“O advogado José Rafael Parra Saluzzo está preso, acusado de participar de um esquema de extorsão a empresários”, afirma o Ministério Público da Venezuela.

O Ministério Público informou que obteve provas da relação direta entre o advogado da Odebrecht e a diretora do gabinete da ex-procuradora, Gioconda González. “Foram encontradas comunicações telefônicas, e-mails e mensagens instantâneas, bem como a compra de passagens aéreas internacionais”, apontou Saab na coletiva de imprensa.

Vídeo entregue pela Lava Jato a Ortega tinha objetivo político, diz advogada

Segundo a advogada venezuelana Olga Álvarez, especialista em direito internacional, o vídeo feito pelo Ministério Público brasileiro e divulgado pela ex-procuradora-geral não tem valor legal na Venezuela. 

"Para a Justiça venezuelana, a entrega desse vídeo a Ortega tem duas irregularidades. Primeiro que Luisa Ortega Díaz já não tinha mais nenhum cargo no Estado venezuelano, mas sobretudo porque essa delação não vinha acompanhada de provas e, por isso, não tinha valor jurídico. Portanto, a revelação desse vídeo, editado, buscava gerar uma matriz de opinião. O objetivo era político, já que não tinha validade probatória", aponta a advogada.

Álvarez afirma ainda que as revelações de diálogos entre o procurador Dallagnol e o ex-juiz Moro mostra como o lawfare (uso do sistema de Justiça com fins políticos) foi aplicado no Brasil. "Sou uma estudiosa e pesquisadora do lawfare. E aqui vemos como essa aresta midiática do lawfare tentou contribuir para uma guerra na Venezuela. Os procuradores brasileiros contribuíram com os defensores de uma invasão militar na Venezuela, portanto tentaram influenciar em assuntos internos da Venezuela", ressalta a advogada.

Procuradores da Lava Jato e o ex-juiz Sérgio negam ter agido politicamente durante investigação e julgamento da operação. Além disso, afirmam que não vão comentar "mensagens obtidas de forma ilegal por hackers".

Edição: Daniel Giovanaz