Coluna

Trabalho infantil e desmatamento na cadeia produtiva da Cargill

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Cerca de 8 mil crianças brasileiras trabalham na produção de cacau, principalmente na retirada de sementes para fabricação do chocolate
Cerca de 8 mil crianças brasileiras trabalham na produção de cacau, principalmente na retirada de sementes para fabricação do chocolate - Foto: Tatiana Cardeal
Erradicar o trabalho infantil requer monitoramento da cadeia produtiva

No Brasil, o desmatamento ilegal e a exploração do trabalho infantil têm relação direta com as atividades desenvolvidas pela multinacional Cargill. Em junho passado, a empresa anunciou, de forma surpreendente, que não vai cumprir o compromisso de parar de negociar soja proveniente de áreas de desmatamento. Essa decisão tem impacto direto sobre o cerrado brasileiro e o chaco argentino e paraguaio.

O anúncio da Cargill contradiz o informe da própria empresa feito em 2010, no qual se comprometera a zerar a devastação em sua cadeia produtiva até 2020. Em conversa com jornalistas, a diretora global de sustentabilidade, Ruth Kimmelshue, declarou: “Apesar de nossos esforços coletivos, nossa indústria não cumprirá a meta”.

O Consumer Goods Forum, que reúne multinacionais de diversos setores, deu a seguinte explicação: “as forças que impulsionam o desmatamento são mais complexas do que qualquer parte interessada pôde notar em 2010”. É uma frase importante. Mostra como é possível ludibriar a opinião pública durante anos, e depois vir com a desculpa de que foi vítima de externalidades não previstas.

É um argumento tecnicamente falso. Não há nenhum indicador, científico ou empírico, que comprove a versão de que, em 2010, as empresas não tinham informação suficiente para montar uma estratégia de contenção do desmatamento. Muito pelo contrário. No caso da Cargill, a companhia vinha sendo sistematicamente informada, por organizações governamentais e não governamentais, sobre onde estavam os problemas e o que precisaria ser feito para resolvê-los.

A Cargill agora promete parar de financiar o desmatamento até 2030. Mas a nova data dificilmente será cumprida. A estratégia divulgada pela empresa não tem aplicabilidade. É um plano de ação onde não constam nem ações nem nada parecido com um plano, segundo análise de Rômulo Batista, da campanha de Florestas do Greenpeace Brasil.

Quando se trata de meio ambiente e direitos humanos, a Cargill tem o hábito de publicar planos sem detalhamento técnico ou indicadores de acompanhamento. O trabalho infantil é outro problema da empresa, com destaque para o cacau, que registra, segundo dados públicos, a atividade de 7,9 mil crianças e adolescentes. A Cargill compra o produto de atravessadores ilegais que operam nas principais regiões produtoras, no Pará e na Bahia. É um modelo de negócio que envolve até sonegação fiscal, por conta da informalidade dos atravessadores. O assunto é de conhecimento da empresa pelo menos desde 2016, quando um de seus diretores confirmou o caso, em depoimento ao Ministério do Trabalho.

Hoje, a empresa se limita a informar seu compromisso de eliminar o trabalho infantil na cadeia do cacau, até 2025. Também diz que acompanha a lista de embargos do governo, para usá-la como referência para cortar fornecedores. Isso não é suficiente. Erradicar o trabalho infantil em uma cadeia produtiva requer, em primeiro lugar, proatividade. É necessário monitoramento da cadeia, metas que possam ser acompanhadas pela sociedade e transparência em relação aos fornecedores.

O que diz a empresa

A Cargill foi procurada para comentar. Enviou as respostas abaixo:

Quais são as complexidades não notadas em 2010 e que impediram a contenção do desmatamento em 2020, adiando para 2030?

Resposta: Continuamos trabalhando para o nosso compromisso formal, em linha com os ODS e a Declaração de Florestas de Nova York, para acabar com o desmatamento em todas as cadeias de fornecimento até 2030. Não estamos esperando até 2030 – estamos agindo diariamente e reforçamos esse trabalho com o recente anúncio do nosso plano de ação da soja e o compromisso de financiar novas soluções.

Sendo a Cargill uma das principais compradoras de cacau das áreas onde ocorre o trabalho infantil, qual é o posicionamento da empresa?

Resposta: A Cargill não tolera, em nenhuma circunstância, tráfico humano, trabalho forçado ou infantil em nossas operações ou cadeia de suprimentos. Tomamos medidas para entender os potenciais problemas, ao mesmo tempo que continuamos trabalhando ativamente para proteger os direitos humanos, com um comprometimento firme de proteger os direitos da criança em todo o mundo. Apoiamos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela ONU de promover trabalho decente para todos, incluindo o objetivo de eliminar o trabalho infantil. Estamos comprometidos em alcançar zero incidente de trabalho infantil em nossa cadeia de suprimento de cacau até 2025. No Brasil, todos os fornecedores são verificados em relação às listas de embargo do governo e, se forem identificadas violações, tomamos medidas imediatas para suspender o fornecedor.

Edição: Daniel Giovanaz