Memória

Quatro anos sem Vito Giannotti: uma vida dedicada à comunicação popular

Comunicador de origem operária teve expressiva militância sindical e foi defensor da linguagem sem muralhas e para todos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Vito costumava dizer que "um sindicato ou partido sem jornal é um exército sem armas"
Vito costumava dizer que "um sindicato ou partido sem jornal é um exército sem armas" - Divulgação

Há exatos quatro anos, em 24 de julho de 2015, morria o comunicador popular Vito Giannotti, que é lembrado como um lutador incansável, amante da vida, desbocado e entusiasta da revolução socialista. Ou, segundo sua companheira, Claudia Santiago, um “militante rapadura: doce e duro.” Fez da sua vida um instrumento de difusão da luta dos trabalhadores e da comunicação popular e acessível. Metalúrgico, jornalista, escritor e educador, foi fundamental, inclusive, para o Brasil de Fato ser o que é hoje.

Vito acreditava que o diálogo com os trabalhadores deveria ser a parte central na esquerda. E, entendendo que a comunicação popular era fundamental para isso, repetia que é necessário fugir do politiquês acadêmico em que a esquerda cai quando tenta “falar bonito”. Era entusiasta da imprensa operária e sindical, onde atuou grande parte da vida. posteriormente ampliando seus ideais com a fundação do Núcleo Piratininga de Comunicação. 

"Era um cara muito livre no pensamento, mas absolutamente socialista e revolucionário. Apaixonado pelas revoluções. Apaixonado pela Nicarágua, quando eclodiu a revolução. Um propagandista do socialismo. (...) Mas sem mitos. Como dizia a internacional: sem deuses, sem reis e sem tribunos.” conta seu companheiro do movimento operário e coordenador do Intercâmbio, Informações, Estudos e Pesquisas (IIEP), Sebastião Neto.

Foi autor de 30 livros, como "O que é jornalismo sindical", "Muralhas da Linguagem" e "História das Lutas dos Trabalhadores no Brasil". Seu legado faz com que neste dia 24 se comemore no Rio de Janeiro o Dia Municipal da Comunicação Popular. 

Trajetória

Vito Giannotti nasceu no Comune de Lucca, na Itália, em 1943. Chegou no Brasil com um grupo de padres operários dissidentes da Igreja Católica. Passou pela França e por Israel antes do Brasil, que elegeu como seu novo lar. 

Em Vitória, no Espírito Santo, trabalhou como pescador. Depois, sua paixão pela luta dos trabalhadores o levou para São Paulo, onde se tornou metalúrgico e militante dentro das fábricas.

Crítico da estrutura sindical de origem varguista, participou ativamente da Oposição Sindical Metalúrgica, que contrariava o “comando pelego” de interventores da ditadura militar.

Para que as propostas sobre um novo sindicalismo e sobre a luta de classes fossem compreendidas e assimiladas, se tornou um especialista da comunicação. 

Através de boletins, panfletos e jornais operários, fazia com que as informações chegassem aos trabalhadores, mas sem abandonar o olho no olho. 

Vito era crítico da burocracia da estrutura sindical, defendia um sindicato colado a vida dos trabalhadores. / Foto: Arquivo 

Quando ia para o trabalho, tinha o hábito de percorrer outras fábricas conversar os trabalhadores e distribuir o material da oposição sindical, como lembra Neto.

Em São Paulo, depois de estudar tornearia, começou a trabalhar em fábricas como ajudante geral, para depois virar torneiro de fato, profissão que exerceu por 25 anos. 

Em 1974, foi preso pelo regime militar com dezenas de outros metalúrgicos, devidos suas atuações no sindicato, nas assembleias e na distribuição dos boletins. Após a prisão, ele e os demais permaneceram na mira do DOPS, o que desmobilizou temporariamente a Oposição Sindical. 

Em 1978, Vito denuncia as fraudes na eleição do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, então dominado pela estrutura "pelega" que se subordinava à ditadura - conforme mostra o documentário "Braços Cruzados, Máquinas Paradas", de Sérgio Toledo e Roberto Gervitz.

No ano seguinte, a Oposição vira modelo de sindicalismo para o país, mudando a estrutura de organização dos trabalhadores e contribuindo para as primeiras grandes greves geral da categoria.

Imprensa Operária

Além de figura importante nas fábricas, Vito se interessou pela imprensa operária, sendo responsável pela produção e publicação de jornais como o Luta Operária, extinto após o Ato Institucional 5 (AI-5) -- que, entre outros efeitos, oficializou a censura. 

Na clandestinidade, as publicações, com outros nomes, continuaram a circular, sendo entregues nas portas de fábricas cedinho, antes da entrada dos trabalhadores. 

Reginaldo Moraes, companheiro da Oposição Sindical e atualmente professor de Ciência Política na Unicamp, conheceu Vito durante campanha de eleições para o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo em 1972. 

Vito organizava a imprensa e fazia boletins e panfletos da campanha. REGIS 3MIN “Era a cabeça dos jornais e boletins da Oposição. Estudava como fazer melhor, trazia gente nova para desenhar, escrever. Era o dínamo da Oposição na área de comunicação.”

De 1972 à 1974, a intensificação da repressão fez com que as publicações fossem extintas, até retornarem com o jornal Luta Sindical, que durou de 1976 à 1984. 

Os jornais tinham a dupla função de formar e informar. 

Como intelectual e leitor de Marx, Bordiga, Gramsci, Rosa Luxemburgo, Trotsky e Lênin, Vito levava esses autores para discussões em reuniões de greves. Transformou publicações em formato de “caderninhos”, que cabiam no bolso do uniforme dos operários, muitas vezes semi-analfabetos. Assim, ajudou a popularizar o marxismo entre os trabalhadores. 

Um exemplo disso é o livro "História das Lutas dos Trabalhadores no Brasil", de 2007, que só foi publicado após passar pelas mãos de um trabalhador com o segundo grau incompleto. Ele marcou as palavras que não compreendia e Vito corrigiu. 

Jornal dos Jornais, distribuído nas fábricas / Foto: Aquivo IIEP

Entre as publicações dessa época, Neto destaca o Jornal dos Jornais, semanário feito de notícias recortadas de outros veículos.

Constantemente, pregava também o lema de Lênin, “Jornal para toda Rússia”.

“Ele dizia que nós precisamos ter sim jornais, sites, boletins, rádios e todos os meios, porque temos que ganhar a batalha da comunicação. Se não, perdemos a guerra de classe.” lembra Reginaldo.

Comunicação Popular e Núcleo Piratininga de Comunicação

Após a experiência com a comunicação operária, Vito foi diretor da Central Única dos Trabalhadores (CUT) em São Paulo e, em 1992, fundou o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), no Rio de Janeiro. Lá, mergulhou no que foi a sua paixão desde o início, e passou também ensinar a comunicação popular. 

A ideia inicial foi de sua companheira, Claudia Santiago. Assessora da CUT no Rio de Janeiro. Ela era apaixonada pela comunicação com os trabalhadores e responsável por boletins diários, jornais semanais e mensais, além de cursos de formação.

A grande marca de Vito no Núcleo, segundo Claudia, foi o curso de história das lutas dos trabalhadores. Inicialmente, foi idealizado por ela e desenvolvido para jornalistas de sindicatos, visando a necessidade de se entender a história do Brasil. “Tudo o que eu não sabia, eu coloquei no sumário do curso. Ele desenvolveu o curso em cima das minhas necessidades.” 

Fez tanto sucesso que ele viajou o país para ministrá-lo. “Tudo que o Vito tocava, virava. Era uma mãozinha poderosa. Se ele decidisse que ia fazer um curso, virava um supercurso.” 

Redação, Oratória, Comunicação Sindical e Comunicação e Disputa de Hegemonia são exemplos de cursos do NPC.

Vito Gianotti e sua companheira, Claudia Santiago

“Ali, encontrei uma forma de me fortalecer junto com outras pessoas que estavam em busca de se fortalecerem. O Vito foi mais que um professor.” Jane Nascimento era moradora da Vila Autódromo, no Rio de Janeiro, quando fez o curso de comunicação popular com Vito, e conta que nas aulas ele buscava encorajar os alunos. Na época, lutava contra as remoções na sua comunidade. 

“A comunicação sempre foi muito difícil para nós, que somos de favela, que somos oprimidos e perseguidos por um governo que não nos representa. Quando íamos para aula de comunicação, ele nos trazia o sentimento de existência e de que tínhamos o direito de nos comunicar.” 

Distribuição do Brasil de Fato / Foto: Arquivo Pessoal

A comunicadora popular Gizele Martins teve em Vito uma inspiração para a criação de cursos na Maré -- onde mora -- e em outras favelas. Ela conta que hoje são inúmeros cursos e comunicadores dentro das favelas, denunciando e produzindo conteúdo sobre a cultura e identidade local.

“A comunicação popular é um meio, uma defesa das nossas identidades, dos nossos povos. É onde podemos escrever para nós, respeitando o nosso lugar de fala. É nessa comunicação que fazemos a memória das nossas lutas e vida. Precisamos produzir mais meios de comunicação, aumentar nossos esforços para combater as outras mídias que nos criminalizam.”

Claudia lembra que Vito via no Brasil de Fato a concretização do modelo de comunicação que defendia, e tinha orgulho em distribuí-lo.

Edição: João Paulo Soares