EUA

Opinião | O país de Trump: violência com armas de fogo e guerra contra os imigrantes

Enquanto a Nova Zelândia recebeu imigrantes e proibiu armas após ataque, os EUA mantêm violenta política anti-imigração

|
Preparação do funderal de Derrick Fudge, uma das vítimas do tiroteio em massa em Dayton (EUA) no último 4 de agosto
Preparação do funderal de Derrick Fudge, uma das vítimas do tiroteio em massa em Dayton (EUA) no último 4 de agosto - Scott Olson / Getty Images North America / AFP

Há menos de duas semanas, os Estados Unidos foram sacudidos por dois tiroteios em massa. O primeiro em El Paso, no Texas. O massacre de 22 pessoas no Walmart do centro comercial Cielo Vista, localizado em El Paso, foi obra de um supremacista branco. Um manifesto que o autor do crime supostamente teria publicado na internet pouco tempo antes do massacre faz ecoar a retórica anti-imigrante e antilatina do presidente Donald Trump. “Este ataque é uma resposta à invasão de latinos no Texas”, escreveu.

Mais tarde, na mesma noite, na cidade de Dayton, em Ohio, uma multidão de pessoas participava de uma atividade cultural no bairro central conhecido como Distrito Histórico de Oregon quando um outro homem branco de cerca de 20 anos de idade abriu fogo e assassinou nove pessoas em cerca de 30 segundos, até que a polícia interviu e o matou. Entre as vítimas, estava a sua irmã. Ao contrário do assassino de El Paso, o autor do ataque em Dayton não deixou nenhum “manifesto” para explicar a motivação do tiroteio, mas no passado já tinha manifestado fantasias violentas, assim como uma obsessão com tiroteios em massa. Seus colegas da escola declararam que, durante o ensino médio, ele tinha uma lista de pessoas para serem estupradas e assassinadas. A misoginia frequentemente está associada com os assassinos em massa.

Estes terríveis ataques deram um novo impulso político à reivindicação de uma mudança nas falidas leis de armas que durante muito tempo converteram os Estados Unidos em uma zona de fogo aberto.

Na segunda passada (05), o presidente Donald Trump leu um discurso sobre os ataques com argumentos sobre saúde mental e videogames violentos, seguindo a linha da Associação Nacional do Rifle (NRA na sigla em inglês). Em uma das passagens de seu discurso, no qual ele parece insinuar seu apoio a uma lei nacional de “alerta” para permitir a confiscação de armas de pessoas que sejam consideradas ameaças para outros ou para si mesmas por ordem judicial, Trump disse: “As doenças mentais e o ódio pressionam o gatilho, não a arma”. No entanto, as pessoas que sofrem de doenças mentais têm muito chances de ser vítimas de violência com armas de fogo do que autoras desses ataques. O presidente também pediu a pena de morte para os atiradores em massa.

O assassino da cidade de Dayton está morto, mas o atirador de El Paso se entregou a um oficial da polícia não muito longe da cena do crime. Sua declaração na internet começava dizendo: “Apoio o atirador de Christchurch e seu manifesto”. Na verdade, a forma como a líder do governo da Nova Zelândia e a sociedade em geral responderam ao ataque ocorrido em março deste ano, no qual 52 muçulmanos foram assassinados, deveria ser um modelo para os Estados Unidos.

A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, é a chefe de Estado mais jovem do mundo. Depois do massacre de Christchurch, cometido por um homem armado com um arsenal de rifles semiautomáticos obtidos legalmente, Ardern imediatamente impôs a proibição de quase todas as armas semiautomáticas e de estilo militar através do Parlamento. Numa audiência, ela declarou: “Cinquenta pessoas morreram e já não têm voz. Nós, membros desta Câmara, somos sua voz”. Após menos de um mês do massacre, a probição de rifles de assalto se tornou uma lei na Nova Zelândia.

Trump ligou para a primeira-ministra para expressar suas condolências. Ela, por sua vez, fez os seguintes comentários sobre a ligação: “Ele me perguntou qual apoio os Estados Unidos poderiam oferecer. Minha mensagem foi ‘compaixão e amor para todas as comunidades muçulmanas’”. Ao se manifestar em seu país após o ataque, a primeira-ministra expressou: “Muitas das pessoas que foram diretamente afetadas por este tiroteio poderiam ser migrantes que vieram à Nova Zelândia, ou inclusive pessoas refugiadas em nosso país. Pessoas que escolheram a Nova Zelândia como seu lar, e este é seu lar. Eles são como nós. A pessoa que perpetrou essa violência, não. Para ela, não tem lugar na Nova Zelândia”.

Na quarta-feira, 07 de agosto, antes de sair da Casa Branca para visitar os sobreviventes em Dayton e em El Paso, Trump se negou a retratar-se pelo uso da palavra “invasão”, que empregou diversas vezes para descrever a chegada de imigrantes e solicitantes de asilo pela fronteira do sul dos Estados Unidos. Segundo a organização Media Matters for America, “entre janeiro e fevereiro a página do Facebook do presidente Donald Trump fez cerca de 2.200 publicações que se referiam à imigração como uma ‘invasão’”. Seu uso da palavra “invasão” foi evocado como justificativa para os assassinos de El Paso e Christchurch neste ano, e pelo assassino de Pittsburgh no ano passado. Nessa cidade, o atirador entrou numa sinagoga e matou 11 judeus que, segundo ele, apoiava os “invasores”.

Na Nova Zelândia, a resposta foi proibir as armas semiautomáticas e de assalto e receber de braços abertos as diversas comunidades de imigrantes. Nos Estados Unidos, com o governo de Trump, está acontecendo o contrário. No próximo mês entrará em vigor uma série de leis que reduzem as restrições do uso de armas; por exemplo, a proibição do porte de armas em escolas e igrejas será anulada. Na quarta-feira, dia em que Trump aparentemente consolava os sobrevientes feridos em Dayton e El Paso, o Serviço de Imigração e Controle Alfandegário dos EUA realizou a maior batida em lugares de trabalho num mesmo estado. Na operação realizada em diversas fábricas processadoras de alimentos no Mississippi, os agentes do Serviço de Imigração prenderam 680 pessoas, acusadas de serem indocumentadas.

O flagelo das armas de fogo e da guerra contra os imigrantes não têm fim.

Edição: Democracy Now