Disputa

Criticada por especialistas, lei de licenciamento ambiental segue em debate na Câmara

De interesse da bancada ruralista, projeto foi discutido em comissão geral nessa segunda (9) e poderá ter nova versão

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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“O radicalismo não está nos ambientalistas ou povos indígenas e quilombolas. Está com as bancadas da FPA, da infraestrutura", disse Tatto
“O radicalismo não está nos ambientalistas ou povos indígenas e quilombolas. Está com as bancadas da FPA, da infraestrutura", disse Tatto - Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

De volta aos destaques do debate político nacional, o projeto que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental segue colecionando críticas por parte de ambientalistas, entidades da sociedade civil, órgãos de controle e deputados de oposição. Patrocinada pela bancada ruralista e aliados, a proposta foi discutida por uma comissão geral nessa segunda-feira (9), no plenário da Câmara dos Deputados.

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Atualmente em sua quarta versão, o texto apresentado pelo relator, deputado Kim Kitaguari (DEM-SP), foi contestado em diferentes pontos. Um deles diz respeito à retirada da participação da sociedade civil no processo de licenciamento ambiental. A legislação vigente conta com a participação de diferentes conselhos deliberativos, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e de colegiados estaduais e municiais que deliberam sobre o tema.

A coordenadora de projetos da fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, avalia que a medida proposta fere a Constituição Federal, segundo a qual atividades de impacto ambiental exigem a realização de um estudo com participação da sociedade. A especialista afirma que, nesse sentido, o relatório prejudica a transparência e impõe riscos para o meio ambiente, a população e o país.

“Você exclui a participação da comunidade científica, das associações de pesquisa, de saúde, de recursos hídricos. Não estou falando só de ONG e ambientalistas, mas principalmente da participação das comunidades locais na questão dos empreendimentos. Isso é extremamente nocivo pra uma Lei Geral. Esse texto traz muita clara uma visão do governo Bolsonaro de desconsiderar e desqualificar a participação da sociedade civil”, critica.

Por conta das divergências em torno do tema, o texto de Kitaguari ainda não tem data para votação, embora seja alvo de articulações de bastidor da bancada ruralista para ir a plenário em breve. O relator afirmou, nessa terça, que uma quinta versão do documento estaria sendo produzida para inserir alterações reivindicadas por especialistas no tema.    

Tramitação prolongada

A proposta da Lei Geral do Licenciamento Ambiental tramita desde 2004, por meio do Projeto de Lei (PL) 3729, e voltou à tona nos últimos anos, no contexto de fortalecimento da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), conhecida como bancada ruralista.

::Bancada ruralista arma mais uma ofensiva contra povos tradicionais::

O avanço na tramitação do PL este ano tem como cenário a participação direta e intensiva do grupo no governo Bolsonaro. A gestão acena também para outros aliados do ambiente de negócios, como é o caso das mineradoras, interessadas em acelerar o polêmico projeto de exploração mineral em terras indígenas. Tais temas se misturam nos debates sobre a flexibilização das regras do licenciamento ambiental porque, com menos rigidez, especialistas apontam que o campo popular tende a ficar sob uma maior desproteção.

Nesse sentido, a queda de braço em torno do PL conta com outro aspecto de realce: a isenção de licenciamento para as atividades agropastoris, que incluem os diferentes empreendimentos do agronegócio. A promotora de Justiça Luciana Curi, do Ministério Público da Bahia (MPBA), destaca que a proposta amplia os riscos já existentes para diferentes povos.  

“Temos uma preocupação muito grande porque o agronegócio está situado em locais de conflito, inclusive com comunidades, e o licenciamento permite analisar os impactos sociais, controlá-los. Tudo isso é muito relevante. Então, há uma preocupação muito grande, tanto do ponto de vista das comunidades impactadas pelo agronegócio quanto de áreas estratégicas de conservação, como aquíferos, e ainda problemas sérios com relação ao agrotóxico”, expôs a promotora nesta terça.   

Sem consenso

O texto do relatório em debate foi produzido após as atividades de um grupo de trabalho criado este ano pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para tentar construir um consenso sobre o tema. Mas a proposta ainda parece longe de alcançar esse horizonte.

Grupos interessados na flexibilização das normas ambientais fazem coro pela aprovação do PL. Nesta terça, interlocutores do setor elétrico, por exemplo, afirmaram na Câmara que o país precisa de uma lei geral de licenciamento para gerar “segurança jurídica para o empreendedor e para os próprios órgãos ambientais”.

Também afirmaram que o relatório proposto acaba com o “vácuo legislativo” em torno do tema, facilitando o ambiente de negócios e atraindo investimentos.   

Do outro lado do debate, diferentes críticos afirmam que a proposta seria um empecilho ao desenvolvimento porque gera insegurança jurídica. A questão foi apontada nesta terça pela professora de Direito Ambiental Mariana Cirne. Ela sublinhou que uma legislação semelhante aprovada no estado de Tocantins já foi invalidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF), cujo entendimento é de que nenhuma atividade econômica pode ficar isenta de licenciamento ambiental.   

“Mesmo que se tenha uma lei dizendo que não precisa licenciar, quando [um empreendimento] tem um impacto, um órgão ambiental não pode fingir que não está vendo porque ele tem um dever [legal] de fiscalização. Então, é preciso ter um patamar mínimo de exigência”, argumenta.  

Membro da FPA, o deputado Domingos Sávio (PSDB-MG) afirmou que as críticas à proposta resultam de opiniões extremas. “Isso não é defesa do meio ambiente, é um radicalismo atrasado que prejudica o meio ambiente para atender a interesses corporativos”, resumindo o tom que tem sido adotado pelos parlamentares defensores da proposta.   

“O radicalismo não está nos ambientalistas ou povos indígenas e quilombolas. Está com as bancadas da FPA, da infraestrutura, que, no relatório, colocaram as suas posições, inclusive de questões que sequer apareceram nas audiências públicas sobre o projeto. Ou arrumamos um espaço onde possamos aprofundar [o debate] e fazer esses setores saírem do seu radicalismo de ganhar e produzir riqueza a qualquer custo ou não vamos a lugar nenhum”, contrapôs o presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), acrescentando que a mesa de negociação precisa “considerar os ganhos da legislação ambiental e social” vigente.   

Tatto e os deputados Rodrigo Agostinho (PSB-SP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ) apresentaram, após debate com a sociedade civil, um relatório alternativo. O texto propõe, entre outras coisas, a definição dos empreendimentos que precisem passar por licenciamento, a exclusão do trecho do relatório de Kitaguari que libera o agronegócio do processo e a ampliação da participação de órgãos como a Fundação Cultural Palmares e a Funai nos trâmites do licenciamento.

Edição: Rodrigo Chagas