Literatura

Retrato do racismo em “Recordações do escrivão Isaías Caminha” permanece atual

Obra-prima de Lima Barreto, lançada há 110 anos, ganha reedição da Editora Expressão Popular

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Neto de escravos, Lima Barreto só teve seu trabalho reconhecido após sua morte, e hoje é considerado um dos maiores autores brasileiros
Neto de escravos, Lima Barreto só teve seu trabalho reconhecido após sua morte, e hoje é considerado um dos maiores autores brasileiros - Reprodução

“Recordações do escrivão Isaías Caminha”, de Lima Barreto, é o livro do mês do Clube do Livro, da editora Expressão Popular. A obra é um marco na disputa de espaço por negros na sociedade brasileira, e retrata o racismo presente nas instituições e instâncias de poder, 20 anos após a abolição da escravatura. A obra foi publicada pela primeira vez em 1909.

O enredo acompanha a história de Isaías Caminha, um jovem negro do interior, que tinha a ambição de se tornar “doutor” no Rio de Janeiro. É quando encontra diversas dificuldades pela sua cor, mostrando a incapacidade do país incorporar pessoas negras à sociedade, mesmo depois da abolição.

Para Tiago Coutinho, professor do curso de jornalismo na Universidade Federal do Cariri (UFCA) e um dos responsáveis pela reedição da obra, o livro ajuda a compreender o Brasil contemporâneo.

“Temos um amplo debate no Brasil em torno das cotas raciais, e esse debate ainda está em disputa”. Reeditar esse livro, para ele, é uma possibilidade de continuar a discussão que ainda não está superada.

“Ler Recordações de Isaías Caminha ajuda a compreender o período político que estamos vivendo, e o racismo estrutural na sociedade”.

A reedição do livro, com o selo da Expressão Popular, tem prefácio de Irenísia Torres de Oliveira, pesquisadora da obra de Lima Barreto.

Ela destaca a importância de bolsas de estudo e políticas de permanência estudantil para que negros e negras com sonhos como o de Isaías não sejam obrigados a deixar de estudar. E critica: “Numa universidade a serviço do mercado, como quer o lamentável ministro Weintraub, de novo não haveria lugar para jovens como Isaías”, referindo-se ao ministro da Educação, Abraham Weintraub.

Para ela, é preciso lutar para que os currículos nas universidades não sejam pensados para estudantes em boas condições de vida – um dos motivos que teriam levado Lima Barreto a abandonar o curso na Escola Politécnica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

A obra

O livro, primeiro de Lima Barreto, narra a história de Isaías Caminha, um jovem pobre do interior que sonha em ser “doutor” para melhorar de vida. Muda-se para o Rio de Janeiro munido de uma carta de recomendação, mas encontra vários obstáculos relacionados a sua cor e condição social. Não consegue iniciar os estudos para ser doutor, não consegue emprego e passa a viver nas ruas. Já não tem mais nenhuma esperança, quando um homem que conheceu na chegada ao Rio o leva para trabalhar na redação de um grande jornal. A partir daí, a história traça um retrato demolidor da imprensa, denunciando jogos de interesse, parcialidade e sensacionalismo, além da falta de preparo dos jornalistas.

O autor

Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 13 de maio de 1881 e morreu aos 41 anos em 1º de novembro de 1922. Foi jornalista e escritor, publicando em jornais e revistas. Entre romances, contos e sátiras, escreveu 19 obras. Teve problemas com alcoolismo, o que deixou sua saúde bastante debilitada, e passou por diversas internações. É considerado um dos maiores escritores brasileiros.

Edição: João Paulo Soares