Autonomia

Reitores rejeitam relatório da CPI que sugere cobrança de mensalidade

Para eles, documento demonstra desconhecimento sobre o funcionamento das universidades públicas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

Estudantes avaliam que a CPI fomenta a crise de legitimidade das universidades públicas
Estudantes avaliam que a CPI fomenta a crise de legitimidade das universidades públicas - UEE

O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das universidades paulistas, elaborado pela deputada estadual Valéria Bolsonaro (PSL), demonstra uma falta de conhecimento sobre o funcionamento das três estaduais — a Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a Universidade Estadual Paulista (Unesp). A avaliação é de Marcelo Knobel, reitor da Unicamp e presidente do Conselho dos Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp).

Continua após publicidade

A CPI foi instaurada em abril deste ano, a fim de investigar supostas irregularidades no orçamento das universidades. As três contam com a verba vinda do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), correspondente a 9,57% do total arrecadado.

De acordo com o relatório, a Unicamp apresenta falhas em seu Portal da Transparência, com falta de contagem de diárias por servidor e do valor de despesas com diárias. O reitor alega que a universidade está regularmente aprimorando seu portal e apresenta todas as informações solicitadas.

O relatório menciona ainda motivações genéricas para o pagamento de diárias a funcionários da USP. Na Unesp, alega que há pagamento recorrente de diárias em quantia superior a 50% dos salários de dois servidores, o que o decreto 48.292/2003 proíbe.

Ao portal de notícias Uol, a USP atribuiu a irregularidade a testes realizados no início do sistema, em 2011. Já a Unesp disse que existem normas internas que regulamentam o pagamento de diárias e que não fazem relação do montante total pago relativo a diárias com o salário do servidor.

O documento apresenta uma série de sugestões de deputados relatores relacionadas à administração das três universidades, entre elas a criação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para o fortalecimento da fiscalização de repasses "a fim de identificar, corrigir e responsabilizar todos os agentes que tenham incorrido em práticas ilícitas contra o erário". Essa fiscalização, no entanto, já existe a partir do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP).

Para Knobel, o órgão tem êxito nessa função e não há razão para uma duplicidade de atribuições. "Temos absoluta tranquilidade de que a gente segue todas as regras, a legislação, que a gente tem um cuidado muito importante com a utilização do dinheiro público", afirmou.

Outras sugestões polêmicas feitas pelos parlamentares foram a cobrança de mensalidade a "quem tem condições”, a utilização de espaços nas dependências das instituições por empresas privadas e a criação de um fundo patrimonial, com o objetivo de diversificar a fonte de renda.

Para Ana Tibério, estudante de Direito e diretora do DCE da USP, medidas como essas colocam em risco o caráter público da universidade e podem deixar a produção de conhecimento a serviço do mercado.

O relatório aponta que o ICMS, um imposto regressivo, acaba tendo maior impacto na renda de famílias mais pobres. Essa é uma avaliação também da organização estudantil, contrária ao aumento do repasse do ICMS. A estudante defende que novas formas de financiamento precisam de fato serem discutidas, mas com o conjunto da comunidade universitária, para que a universidade não regrida a democratização do acesso ao ensino superior.

Marcelo Knobel garante que a cobrança de mensalidade ou “qualquer assunto que represente uma mudança do caráter público das universidades públicas do estado de São Paulo”  estão fora de cogitação.

A autonomia financeira e administrativa é garantida às três instituições a partir do decreto nº 29.598, que completou 30 anos em agosto. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9394/96) também assegura a autonomia para elaboração de cursos, pesquisas e atividades de extensão, bem como para gerir seus recursos.

Em nota, o reitor da USP, Vahan Agopyan, diz querer tranquilizar a comunidade universitária quanto ao conteúdo do relatório. Ele constatou que ainda há muito o que melhorar em relação à comunicação das atividades da universidade com a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e com a população.

“[O documento] não aponta qualquer situação comprometedora para o funcionamento de nossa universidade. Faz menção a alguns casos administrativos pontuais, que podem ser facilmente esclarecidos, muitos dos quais são resultado da falta de familiaridade com o funcionamento de uma instituição de ensino e pesquisa.” declarou.

Perseguição

A CPI foi instaurada no primeiro semestre com as intenções ainda nebulosas. O presidente da Comissão, Wellington Moura, defende que existe um “aparelhamento” da esquerda nas instituições de ensino. Para o reitor da Unicamp, Marcelo Knobel, a perseguição ideológica já está descartada.

Para Ana Tibério, no entanto, o medo continua. A avaliação do DCE da USP é de que a instauração da CPI é fruto de um projeto de deslegitimação das universidades públicas e uma tentativa de enquadrá-las como inimigas da sociedade — um gasto excessivo ou um polo de doutrinação — e não como sinônimo de educação e investimento.

Em uma sessão da CPI, a deputada membro da Comissão Valéria Bolsonaro (PSL), e o deputado Douglas Garcia (PSL), chegaram a interpelar o reitor da USP sobre as pesquisas de mestrados e doutorados sobre aborto, e sobre a realização de cursos que abordam o tema do fascismo.

Outra sugestão presente no relatório é o endurecimento de regulamentos para punição de alunos, funcionários e docentes envolvidos em "casos de vandalismo ou depredação", em decorrência de paralisações e greves. A estudante vê a proposta como uma perseguição aos movimentos organizados dentro das universidades.

O relatório completo ainda não foi publicado no Diário Oficial.

 

Edição: Julia Chequer