repercussões

Golpe e ataques contra indígenas preocupam bolivianos que vivem em São Paulo

Eles integram a maior comunidade estrangeira da cidade, com cerca de 200 mil pessoas; a maioria votou por Evo Morales

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Bolivianos fizeram ato em solidariedade aos compatriotas que combatem o golpe de Estado contra Evo Morales
Bolivianos fizeram ato em solidariedade aos compatriotas que combatem o golpe de Estado contra Evo Morales - Elineudo Meira

A Bolívia vive dias de terror desde o golpe de Estado que retirou da presidência Evo Morales (MAS), no último dia 10 de novembro. Até o momento, são 24 mortos e mais de 700 pessoas feridas por se manifestarem contra o golpe. O governo, sob o comando da presidenta autoproclamada Jeanine Áñez, tem estimulado a violência e publicou um decreto isentando os militares de responsabilidade pelas consequências das ações de repressão nos protestos de rua.

No Brasil, a comunidade boliviana, que é uma das maiores do país, com 250 mil pessoas, se mantém em alerta. Muitos têm familiares em cidades onde aconteceram levantes indígenas duramente reprimidos pela polícia. O Brasil de Fato foi às ruas de São Paulo, cidade com o maior número de imigrantes bolivianos -- cerca de 200 mil -- para entender como as notícias da violência têm repercutido entre os moradores.

A comerciante Inêz Diaz Ledesma, de 64 anos, assim como cerca de 70% da população boliviana no Brasil, votou para que Evo Morales iniciasse seu quarto mandato presidencial. Há 30 anos longe de casa, ela se diz preocupada com os que ficaram em sua terra natal. “Eu sou de Cochabamba e tenho todos os meus filhos lá. Só eu que moro aqui”, afirma. 

O estado de Ledesma foi palco do maior massacre desde o golpe: foram nove mortos na última sexta-feira, em decorrência da violência policial contra os plantadores de coca da região.

Luiz Jacinto, autônomo, lembra dos irmãos que deixou em La Paz. "Estamos preocupados, porque todo boliviano aqui tem uma família que vive lá: um irmão, os pais, os filhos que deixaram na Bolívia. Eu também tenho os meus".

Os conflitos começaram ainda em outubro, quando Morales venceu as eleições em primeiro turno. A oposição, liderada pelo ex-presidente Carlos Mesa (Comunidade Cidadã), que foi derrotado por pouco mais de 10 pontos percentuais, não aceitou o resultado e incitou parte da população a ir às ruas.

Depois de um comunicado da Organização dos Estados Americanos (OEA) indicando irregularidade nas apurações, Morales chegou a convocar novas eleições, mas foi forçado por militares a renunciar. Dias depois, uma análise estatística descartou a possibilidade de fraude na contagem dos votos.

Os conflitos se intensificaram desde o dia 12 de dezembro, quando Morales deixou o país em direção ao México, onde está exilado. Os eleitores dele, principalmente indígenas, pedem seu retorno à Presidência. 

Todos os dias, indígenas dos Andes bolivianos se dirigem até La Paz e Cochabamba, onde protestam contra o golpe. Para os bolivianos que vivem no Brasil, o que mais chama a atenção são as cenas de racismo contra os indígenas e seus símbolos -- como a bandeira andina Whipala, queimada por militares e opositores de Morales.

“Como vocês viram, em Santa Cruz [de La Sierra], os indígenas foram humilhados. Até aí, o indígena estava tranquilo. Mas, quando se queima sua bandeira, não. Essa bandeira não é do MAS [Movimento ao Socialismo]. A Whipala é do povo indígena, dos grupos originários, desde a antiguidade. Quando se queima essa bandeira, quando os policiais queimam essa bandeira, isso é o que mais indignou a eles”, aponta Jacinto.

O imigrante Edwin Mendez, que também é de La Paz, concorda: “Pelo menos 70%, 80% de nós, na Bolívia, somos indígenas. Isso nunca deveria ter acontecido”. Ele lembra que ainda estava na Bolívia durante parte dos governos de Morales, “e não queria encontrar com esse tipo de pessoa” -- que segundo ele, sempre estiveram por lá. “Agora estão fazendo isso contra nós”, completa.

A distância, todos se sentem impotentes para mudar os rumos do país, mas esperam que os seus parentes e “irmãos” indígenas fiquem a salvo e que a ordem democrática possa se restabelecer no país andino. 

“Acho que [a resistência] vai ter sucesso, porque não vão permitir que entrem outras pessoas discriminando os indígenas”, aponta Luiz Jacinto. 

Inêz Ledesma lembra que foi graças ao presidente Evo Morales “que todos os índios, os camponeses, que não sabiam sequer falar, se situaram como de fato são. Os analfabetos se situaram. E ele soube superar [as diferenças], sem ser profissional, sem ser universitário. Isso é tudo”.

No último domingo (17), milhares de bolivianos ocuparam a avenida Paulista, em São Paulo (SP), para protestar contra o racismo e a violência policial. Na próxima terça (19), às 19h, o Comitê Brasileiro de Solidariedade ao Povo Boliviano contra o Golpe se reúne no bairro Bela Vista para planejar ações em repúdio à violência e ao racismo.

Edição: Daniel Giovanaz