Meio ambiente

Desmatamento na Amazônia no último ano superou em mais de 42% a estimativa do Inpe

Especialista diz que dados do Prodes eram esperados, pois não há ação efetiva para combater a devastação da floresta

Belém (PA) |

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Queimada registrada em 26 de outubro na BR-155, em Eldorado do Carajás, no Pará; rodovia vai de Marabá a Redenção
Queimada registrada em 26 de outubro na BR-155, em Eldorado do Carajás, no Pará; rodovia vai de Marabá a Redenção - Catarina Barbosa/Brasil de Fato

O dado consolidado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre o desmatamento nos nove estados da Amazônia Legal Brasileira, medido pelo sistema Prodes, mostra uma destruição da floresta 42,8% maior do que era previsto pelo Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter).  

O valor estimado do desmatamento ficou em 9.762 quilômetros quadrados (km²) para o período de agosto de 2018 a julho de 2019, o que representa um aumento de 29,54% em relação a taxa de desmatamento apurada pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) em 2018, que totalizou 7.536 km². Já o Deter emitiu alertas para 6.833,9 km² no período de agosto de 2018 a julho deste ano. A área desmatada na última apuração equivale a quase nove vezes a área da cidade de São Paulo.

O Pará foi o que mais contribui para o desmatamento, representando 39,56% do total devastado, uma área de mais de 3,8 km². Em seguida, está o Mato Grosso, com 1,6 km², o que representa 17,26% do total; e o Amazonas com 1,4 km², o equivalente a 14,56%. Os dados foram divulgados nessa segunda-feira (18).

Sistemas

O Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) é um dado anual, resultado da análise de imagens do satélite Landsat ou similares para registrar e quantificar as áreas desmatadas maiores que 6,25 hectares. O Prodes só considera desmatamento quando há remoção completa da cobertura florestal primária por corte raso, independentemente para qual uso.

O sistema Deter, por sua vez, mostra a tendência de desmatamento, com medições diárias. Esse sistema já indicava o aumento da área devastada, mas não no volume confirmado pelo Prodes.

Devastação

Para André Cutrim, professor do núcleo de meio ambiente da Universidade Federal do Pará (UFPA), o resultado do Prodes já era esperado. Mas isso não é pior. Ele aponta que as iniciativas do governo federal para combater o desmatamento, como a utilização das Forças Armadas no combate às queimadas, não têm um resultado prático. 

“Existe uma dinâmica de desmatamento de uma forma para o Pará, de outra forma no Mato Grosso e de uma forma diferente para o estado do Amazonas e assim sucessivamente. O governo federal não entende que dentro da Amazônia existem várias Amazônias”, resume.

Para o especialista, essas peculiaridades foram negligenciadas pelo governo federal. "Não se consegue trabalhar com comando e controle, com gestão ambiental na Amazônia, se você não tiver recursos. E se esses recursos forem baixos, parcos, a tendência é você não direcionar às atividades de fiscalização, de punição, de investigação nessas áreas. Em algum momento, vai faltar esse suporte. É muito complicado para qualquer agente fiscalizador adentrar em floresta densa, como é a floresta da Amazônia, sem recursos”, critica.

Segundo o pesquisador, tanto o governo federal, quanto alguns parlamentares, veem a floresta como uma mercadoria de alto valor, o que pode ser percebido nas declarações do governo. “Quando vocês desmobiliza, desprestigia as instituições que estão aqui para manutenção da ordem, você acaba adicionando também um tempero amargo que só faz aumentar o desmatamento na região”, diz.

Pecuária

Na Amazônia, a relação da pecuária com a devastação da floresta já foi atestada por diversos pesquisadores. A pesquisadora do Museu Emílio Goeldi, Ima Vieira, afirma que de cada dez hectares da Amazônia seis viram pasto, três são abandonados e um vira agricultura.

Além disso, por ser declaradamente uma fronteira agrícola, a Amazônia é alvo de uma série de grandes projetos, todos envolvendo a devastação da floresta: agronegócio da soja, mineração e construção de termelétricas e hidrelétricas, como é caso da Usina Hidrelétrica de Belo Monte.

Cutrim concorda que, apesar de a pecuária ser a atividade que mais desmata a Amazônia, não é possível atribuir a responsabilidade somente a ela, pois diversos projetos em curso não incluem a preservação da floresta.

"Não necessariamente a pecuária de corte em regime extensivo, que é fundamental e de extrema importância para o desmatamento ilegal e clandestino criminoso na região, no Pará, é uma atividade fim mais importante em outras regiões. Existem garimpeiros, madeireiros, mineradoras que agem sobre os ombros da lei. Como houve um desaparelhamento das instituições responsáveis, que fazem valer a regra do jogo, que fazem a punição corpo a corpo para mostrar que aquilo é errado, como o Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis], como as secretarias municipais, como o ICMbio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade], como o próprio Inpe, houve também a audácia em um grau muito maior do que foi visto em anos anteriores para que essas práticas criminosas voltassem à tona.”

Em nota publicada nesta terça-feira (19), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) ressalta que, apesar de os povos indígenas serem 5% da população mundial, eles são responsáveis pela preservação de 82% da biodiversidade do mundo. 

Inércia

Com a divulgação dos dados do Inpe, pode-se dizer que provavelmente o Brasil não conseguirá cumprir a Política Nacional sobre Mudança do Clima. Instituída pela Lei 12.187 de 2009, essa política estabelece metas de crescimento econômico sustentável, como o limite, até 2020, de que o desmatamento não ultrapasse 3,9 mil km².

Para o pesquisador da UFPA, André Cutrim há uma inércia do governo federal em tomar atitudes efetivas para combater o desmatamento. 

“Existem forma de mapear, existem alternativas para identificar quem são esses desmatadores ilegais, quem são essas atividades econômicas, clandestinas, ilegais e criminosas que estão sendo praticadas. Mas não adianta você identificar e não colocar o aparato jurídico e institucional que o Estado tem para fazer esse controle. Justamente porque dentro dessas regiões, que são regiões de fronteira, a mão visível do Estado não alcança e, quando alcança, o sentido de punição que ela pode direcionar é muito baixo, fruto não só de uma questão histórica, secular, que vem lá da década de 1960, mas das próprias mensagens que o governo federal tem dado de favorecimento ao agrobusiness [agronegócio]”, diz.

O Brasil de Fato procurou o Ministério do Meio Ambiente para comentar as críticas à política ambiental do governo. A assessoria informou que o ministro Ricardo Salles se reunirá nesta quarta-feira (20), às 11h, em Brasília, para debater o assunto com governadores do Acre,
Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e Maranhão.

Edição: Camila Maciel