Cotas

Cotas nas universidades: Garantia de direitos e futuro

“Com as cotas, as pessoas negras deixarem de ser objetos de estudo para serem sujeitos das pesquisas”, diz pesquisadora

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
Para Zelma Madeira, as cotas sociais mudaram a cara das universidades e isso representa ganhos.
Para Zelma Madeira, as cotas sociais mudaram a cara das universidades e isso representa ganhos. - Foto 01: Agência Pará; Foto 02: Rianne Paim / Estudantes NINJA

Com a chegada do mês da consciência negra, os debates sobre o combate ao racismo ganham ainda mais visibilidade na sociedade em meio a ameaças a diversos diretos conquistados por pessoas negras no Brasil. Uma dessas conquistas diz respeito às vagas de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras. Atualmente, as cotas raciais se encontram como subcotas dentro das cotas sociais, que foram instituídas em 2012, ainda no mandato da ex-presidenta, Dilma Rousseff (PT) pela Lei nº 12.711/2012, que garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas universidades federais e institutos federais de educação, ciência e tecnologia a alunos que cursaram o ensino médio em escolas públicas. Os outros 50% das vagas permanecem para ampla concorrência.

As cotas são divididas da seguinte forma: São destinadas 50% das vagas para as cotas sociais, desses, metade é para estudantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita e metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio. Em ambos os casos, também é levado em conta o percentual mínimo correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas de cada estado, de acordo com dados do IBGE.

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Zelma Madeira, professora do curso de graduação e mestrado em Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e coordenadora da Coordenadoria Especial de Política Pública para Promoção da Igualdade Racial (CEPPIR), lembra que as cotas não são plenamente raciais, elas aparecem como terceiro critério das cotas sociais. Nesse caso, o aluno não ingressa na universidade apenas por ser negro, ele também precisa ter estudado em escola pública, já que esse é o primeiro critério de ingresso nas universidades por meio das cotas. Caso o estudante tenha estudado em escola privada, como exemplifica a professora, ele já está fora dessas cotas. Diferente da Lei 12.990/2014 que se refere a uma cota plenamente racial. A Lei reserva 20% das vagas para negros nos concursos públicos no Executivo Federal.

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Para Zelma, as cotas sociais mudaram a cara das universidades e isso representa ganhos, representa a busca por uma igualdade racial, a busca por uma justiça racial. Tudo isso, de acordo com ela, tem um significado muito importante para o movimento negro, não só por ter mais pessoas negras nesses espaços, mas, pelo fato delas estudarem mais sobre a sua história e deixarem de ser objetos de estudo para serem sujeitos das pesquisas. “Nossa presença significa representatividade, representa entendimento do nosso estilo de vida, do nosso modo de viver”, afirma.

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Mesmo considerando o impacto das cotas sociais, há a luta para a existência de cotas plenamente raciais, como explica Zelma Madeira. “Nós [movimento negro] queríamos cotas plenamente raciais, porque essa sociedade nos deve por conta do racismo estrutural, por conta de quase 400 anos de escravidão, que nós trabalhamos edificando essa nação, por tanto, essa nação nos deve.”

Além da Lei Federal, no Ceará, temos a Lei nº 16.197, de 17.01.17 (D.O. 18.01.17), que dispõe sobre o Sistema de Cotas nas Instituições de Ensino Superior do Estado do Ceará, ou seja, a lei instituiu, por dez anos, o sistema de cotas para ingresso nas universidades e demais instituições de ensino superior estaduais, visando beneficiar estudantes carentes que comprovem ter cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas municipais ou estaduais, situadas no Ceará, assim como de estudantes comprovadamente com necessidades especiais, nos termos legais.

A professora Zelma explica que na UECE as cotas também são sociais, e que elas foram implantadas com adesão do ENEM e SISU Cotas, tendo como norte a lei 12.711. “Nós da UECE fizemos todo movimento de 2014 para que a universidade fizesse adesão ao ENEM, ao SISU e às Cotas. Então daí a gente fez um modelo igual [a lei 12.711] e foi aprovado. A UECE passou a adotar as cotas em 2015.1 esse modelo: ENEM e SISU Cotas que são as cotas sociais”. Ela explica que em 2017, com a aprovação da Lei na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, todas as universidades estaduais como UECE, Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA) e Universidade Regional do Cariri (URCA) passaram a adotar as cotas do mesmo jeito que a 12.711. Na UECE, de acordo com informações divulgadas em seu site, estudam atualmente 421 alunos cotistas, sendo 385 da Capital e 36 do interior.

Maria Grabriela Ferreira Feitosa é estudante do curso de jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC). Ela é cotista e ingressou na universidade dentro dos três critérios das cotas sociais: estudante de escola pública, renda familiar e raça. Para ela, a existência das cotas significa futuro. “Eu gosto muito da palavra futuro, porque é algo que ainda nos é muito negado. Cota significa esse nosso futuro, mas também, logicamente, tem toda uma questão de dívida histórica que a gente sabe que existe, por conta de todo um contexto de uma sociedade que se estruturou assim, sobre o racismo.”.

Para ela, a permanência na universidade é ainda mais difícil do que ingressar no ensino superior, “sendo uma mulher LGBT negra pobre, então tudo isso acaba confluindo e tornando a nossa estadia da universidade ainda mais difícil”. Ela sabe da importância de debater essas políticas públicas voltadas para o povo negro porque, de acordo com ela “As coisas não são separadas. A gente acaba sendo oprimida de muitas formas e a gente precisa discutir política. Acho que isso é extremamente importante. A gente precisa estar também nesses espaços de política, não só de discussão, mas de mudança, sabe? Estar numa coordenadoria ou estar numa secretaria, esse tipo de coisa”.

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Mês da consciência negra

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O mês de novembro ganhou referência como mês da consciência negra devido ao dia nacional da consciência negra, comemorado no dia 20 de novembro. A data relembra a morte de Zumbi dos Palmares, um dos líderes do quilombo dos Palmares, assassinado em 1695. A data foi estabelecida pela Lei n.º 10.639, no dia 9 de janeiro de 2003, mas somente em 2011 a lei foi sancionada (Lei 12.519/2011) pela ex-presidenta Dilma Rousseff. Em alguns estados do país a data é feriado como no Rio de Janeiro, Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso e Rio Grande do Sul.

Edição: Monyse Ravena