Processos revolucionários

Artigo | Carta aos intelectuais que desqualificam revoluções em nome da pureza

Se a crítica parte do ponto de vista da perfeição, não se compreenderá a natureza da luta de classes

Brasil de Fato |
Bolivianas protestam contra golpe de Estado que destituiu Evo Morales
Bolivianas protestam contra golpe de Estado que destituiu Evo Morales - Divulgação

Revoluções não acontecem de repente nem transformam uma sociedade de imediato. Uma revolução é um processo, que se movimenta em diferentes velocidades e cujo ritmo pode mudar rapidamente se o motor da história for acelerado pela intensificação da luta de classes. Mas, em geral, a construção de um impulso revolucionário é lenta como o movimento das geleiras, e uma tentativa de transformar um Estado e uma sociedade pode se prolongar ainda mais.

Leon Trotsky, durante o exílio na Turquia em 1930, escreveu o estudo mais notável sobre a Revolução Russa. Treze anos haviam se passado desde a destituição do império czarista. Mas a revolução já era desqualificada, até mesmo por pessoas de esquerda. “O capitalismo”, Trotsky escreveu na conclusão da obra, “precisou de cem anos para elevar a ciência e a técnica às alturas e mergulhar a humanidade no inferno da guerra e da crise. Ao socialismo, seus inimigos deram apenas quinze anos para criar e desenvolver de um paraíso na Terra. Não nos impusemos tal obrigação. Nunca definimos esses prazos. O processo de uma transformação ampla deve ser medido por uma balança adequada”.

Quando Hugo Chávez venceu uma eleição na Venezuela, em dezembro de 1998, e quando Evo Morales Ayma ganhou na Bolívia, em dezembro de 2005, seus críticos na esquerda norte-americana e europeia não deram tempo para os novos governos respirarem. Alguns professores universitários de orientação de esquerda começaram imediatamente a criticar esses governos por suas limitações e até mesmo seus fracassos. Essa atitude teve limitação política: não houve solidariedade a esses experimentos. Também teve limitação intelectual: não houve noção das profundas dificuldades enfrentadas por uma experiência socialista em países do Terceiro Mundo calcificados em hierarquias sociais e desprovidos de recursos financeiros.

Ritmo da revolução

Passados dois anos da Revolução Russa, Lenin escreveu que a recém-criada União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) não era um “talismã milagroso” nem “abria o caminho para o socialismo”. “Ela dá àqueles que antes eram oprimidos a oportunidade de endireitar as costas e tomar nas mãos, cada vez mais, todo o governo do país, toda a administração da economia, toda a gestão da produção.”

Mas mesmo isso -- aquele todo isso, todo aquilo -- não seria fácil. Lenin escreveu que seria “uma luta de classes longa, difícil e persistente, e depois da queda do regime capitalista, depois da destruição do Estado burguês… não desapareceria… mas simplesmente mudaria de forma e, em muitos aspectos, se tornaria mais acirrada”. Essa foi a avaliação de Lenin depois da tomada do Estado czarista e depois que o governo socialista já havia começado a consolidar seu poder. Alexandra Kollontai escreveu, por exemplo na obra Love of Worker Bees [sem tradução para o português], sobre as lutas para a construção do socialismo e os conflitos internos do socialismo para alcançar seus objetivos. Nada é automático -- tudo é luta.

Lenin e Kollontai argumentam que a luta de classes não foi interrompida quando um governo revolucionário assumiu o Estado. Ficou, na verdade, “mais acirrada”, a oposição, intensa, pois havia muito em jogo; e o momento, perigoso, porque a oposição -- especificamente a burguesia e a velha aristocracia -- tinham o imperialismo a seu lado. Winston Churchill afirmou que “o bolchevismo deveria ser estrangulado no berço”. Os exércitos ocidentais se uniram à Guarda Branca em um ataque militar quase fatal contra a República Soviética. Isso aconteceu entre os últimos dias de 1917 e 1923 -- seis anos inteiros de ofensiva militar constante.

Em nenhum dos países que deram uma guinada à esquerda nos últimos 20 anos, incluindo Venezuela e Bolívia, o Estado burguês foi totalmente transcendido e o regime capitalista, derrubado. Os processos revolucionários nesses países tiveram que criar, gradualmente, instituições da e para a classe trabalhadora ao lado da continuação do regime capitalista. Essas instituições refletem o surgimento de uma forma-Estado singular baseada na democracia participativa, tendo expressão disso em exemplos como as missões sociais. Qualquer tentativa de transcender por completo o capitalismo foi restringida pelo poder da burguesia -- que não se liquidou nas diversas eleições, e que agora é a fonte da contrarrevolução -- e pelo poder do imperialismo -- bem-sucedido, no momento, no golpe na Bolívia e com a ameaça diária de golpe na Venezuela. Ninguém, em 1998 ou 2005, sugeriu que o que aconteceu na Venezuela ou na Bolívia foi uma “revolução” como a que aconteceu na Rússia. As vitórias eleitorais fazem parte de um processo revolucionário. Como primeiro ato de governo, Chávez anunciou um processo constituinte para a refundação da República. De modo semelhante, Evo afirmou, em 2006, que o Movimento para o Socialismo (MAS) fora eleito para o governo, mas não havia assumido o poder. Mais tarde, um processo constituinte foi lançado, o que, por si só, representou uma longa jornada. A Venezuela começou um extenso “processo revolucionário”, enquanto a Bolívia entrou em um “processo de transformação” ou, como eles chamam, simplesmente de “processo”, que continua, mesmo depois do golpe. Não obstante, os dois países sentiram a força da “guerra híbrida” -- da sabotagem contra a infraestrutura física à sabotagem contra a habilidade de arrecadar fundos nos mercados de capital.

Lenin sugeriu que, após a captura do Estado e o desmantelamento da propriedade capitalista, o processo revolucionário da nova república soviética continuava difícil e a persistente luta de classes seguia viva. Imagine então como a dificuldade é maior com a luta persistente na Venezuela e na Bolívia.

Revoluções no reino da necessidade

Imagine, mais uma vez, a dificuldade que é construir uma sociedade socialista em um país que, apesar da riqueza de recursos naturais, mantém grandes níveis de pobreza e desigualdade. Mais profundo ainda que isso, existe uma realidade cultural que levou ao sofrimento de grandes setores da população e contra a qual lutaram durante séculos de humilhação social. Pouco surpreende que, nesses países, os trabalhadores rurais, mineiros e urbanos mais oprimidos sejam de comunidades indígenas ou de descendentes de africanos. O fardo esmagador de falta de dignidade, combinado com a falta de acesso fácil a recursos, torna os processos revolucionários no “reino da necessidade” ainda mais difíceis.

Em seus Manuscritos Econômico-filosóficos (1844), Marx distingue o “reino da liberdade”, onde “cessa o trabalho determinado pela necessidade e por considerações mundanas”, e “o reino da necessidade”, em que as necessidades físicas sequer são atendidas. Uma longa história de opressão colonial e espoliação imperialista exauriu a riqueza de grande parte do planeta, fazendo com que essas regiões -- principalmente na África, na Ásia e na América Latina -- pareçam estar permanentemente no “reino da necessidade”. Quando Chávez ganhou a primeira eleição na Venezuela, o índice de pobreza no país chegava a incríveis 23,4%. Na Bolívia, quando Morales venceu pela primeira vez, essa taxa atingia inacreditáveis 38,2%. O que esses números mostram não é somente a pobreza absoluta de grande parte da população, mas carregam em si as histórias da humilhação social e da falta de dignidade que não pode ser expressa em uma simples estatística.

Parece que revoluções e processos revolucionários estão mais arraigados no reino da necessidade -- na Rússia czarista, na China, em Cuba, no Vietnã -- do que no reino da liberdade -- na Europa e nos Estados Unidos. Essas revoluções e esses processos revolucionários, como os da Venezuela e da Bolívia, acontecem em lugares que simplesmente não têm acumulação de riqueza que possa ser socializada. A burguesia nessas sociedades corre para se esconder no momento da revolução ou da transformação revolucionária, ou fica onde está, mas guarda seu dinheiro em paraísos fiscais ou lugares como Nova York e Londres. Esse dinheiro, fruto do trabalho do povo, não pode ser acessado pelo novo governo sem despertar a ira do imperialismo. Veja a rapidez com que os Estados Unidos articularam o confisco do ouro venezuelano pelo Banco da Inglaterra e congelaram as contas dos governos do Irã e da Venezuela, e veja a velocidade com que os investimentos secaram quando Venezuela, Equador, Nicarágua e Bolívia se recusaram a obedecer o mecanismo de arbitragem investidor-Estado do Banco Mundial.

Tanto Chávez quanto Morales tentaram assumir o controle dos recursos de seus países, ato tratado como uma abominação pelo imperialismo. Os dois enfrentaram críticas, com acusação de serem “ditadores” porque querem renegociar os acordos feitos por governos anteriores para a remoção de matérias-primas. Eles precisavam desse capital, não para enriquecimento próprio -- ninguém pode acusá-los de corrupção pessoal --, mas para construir a capacidade social, econômica e cultural de seus povos.

Todo dia segue uma luta para os processos revolucionários no “reino da necessidade”. O melhor exemplo disso é Cuba, cujo governo revolucionário enfrenta um embargo devastador e ameaças de assassinatos e golpes desde seu início.

Revoluções de mulheres

Admite-se -- porque seria tolice negar -- que as mulheres estão no centro dos protestos contra o golpe na Bolívia e pela restituição do governo de Morales. Na Venezuela também, as mulheres representam a maioria do povo que sai às ruas para defender a revolução bolivariana. Talvez a maioria delas não seja partidária do MAS nem chavista, mas elas certamente entendem que esses processos revolucionários são feministas, socialistas e contra a falta de dignidade imposta às populações negras e indígenas.

Países como a Venezuela, a Bolívia, o Equador e a Argentina enfrentaram uma enorme pressão do Fundo Monetário Internacional nos anos 1980 e 1990 para promover cortes profundos no apoio estatal à saúde, à educação, à assistência aos idosos. O colapso desses sistemas de apoio impõe um ônus à “economia do cuidado”, mantida, em grande parte e por motivos patriarcais, pelas mulheres. Quando a “mão invisível” falha em cuidar das pessoas, o “coração invisível” precisa assumir a tarefa. Foi a experiência dos cortes na economia do cuidado que aprofundou a radicalização das mulheres nas nossas sociedades. O feminismo delas surgiu da experiência com o patriarcado e com as políticas de ajustes estruturais. A tendência do capitalismo de se aproveitar da violência e da privação acelerou a jornada do feminismo indígena e da classe trabalhadora em direção aos projetos socialistas de Chávez e Morales. Como a onda de neoliberalismo continua a assolar o mundo, e ao engolir sociedades na ansiedade e na angústia, são as mulheres que se mostram mais ativas na luta por um outro mundo.

Morales e Chávez são homens, mas, no processo revolucionário, passaram a simbolizar uma realidade diferente para toda a sociedade. Em diferentes níveis, seus governos se comprometeram com uma plataforma que enfrenta as culturas do patriarcado e das políticas de cortes na área social cujo ônus, de manutenção da sociedade, recai sobre as mulheres. Os processos revolucionários na América Latina, portanto, devem ser compreendidos como tendo uma consciência profunda da importância de dar a centralidade da luta às mulheres, aos povos indígenas e aos descendentes de africanos. Ninguém negaria que foram centenas de erros cometidos pelos governos -- erros de julgamento que levaram ao retrocesso na luta contra o patriarcado e o racismo. Mas são erros que podem ser corrigidos, não traços estruturais do processo revolucionário. Isso é uma coisa profundamente reconhecida pelas mulheres negras e indígenas desses países. A prova desse reconhecimento não está neste ou aquele artigo que elas tenham escrito, mas na presença ativa e enérgica delas nas ruas.

Como parte do processo bolivariano na Venezuela, as mulheres têm sido essenciais para a reconstrução das estruturas sociais corroídas por décadas de capitalismo de austeridade. O trabalho delas é central para o desenvolvimento do poder popular e para a criação de uma democracia participativa. Sessenta e quatro por cento das porta-vozes das 3.186 comunas são mulheres, representando, portanto, a maioria das líderes dos 48.160 conselhos comunais [espécie de conselho comunitário]. Sessenta e cinco por cento das líderes dos comitês locais de abastecimento e produção são mulheres. As mulheres exigem igualdade não só no trabalho, mas também no âmbito social, onde as comunas são os átomos do socialismo bolivariano. As mulheres, no campo social, lutaram para construir a possibilidade de um autogoverno, construindo um poder dual e, portanto, corroendo aos poucos a forma do Estado liberal. Contra o capitalismo da austeridade, as mulheres demonstraram criatividade, força e solidariedade, não só contra as políticas neoliberais, mas também para a experiência socialista e contra a guerra híbrida.

Democracia e socialismo

As correntes intelectuais de esquerda ficaram gravemente feridas no período que se seguiu à queda da URSS. O marxismo e o materialismo dialético perderam credibilidade considerável, não só no Ocidente, como em grande parte do mundo. O pós-colonialismo e os estudos subalternos -- variantes do pós-estruturalismo e do pós-modernismo -- prosperaram nos círculos intelectuais e acadêmicos. Um dos principais temas dessa corrente argumentava que o “Estado” havia se tornado obsoleto como meio de transformação social, e que a “Sociedade Civil” seria a salvação. Uma combinação de pós-marxismo e teoria anarquista adotou essa linha de argumentação para desqualificar qualquer experiência de socialismo que se desse via poder estatal. O Estado passou a ser visto como mero instrumento do capitalismo, e não como um instrumento para a luta de classes. Mas se as pessoas se retirarem da disputa pelo Estado, ele servirá de fato à oligarquia, sem contestação, e aprofundará as desigualdades e a discriminação.

Privilegiar a ideia de “movimentos sociais” em detrimento de movimentos políticos reflete a desilusão com o período heroico de libertação nacional, incluindo os movimentos de libertação dos povos indígenas. Também descarta a verdadeira história das organizações populares em relação aos movimentos políticos que conquistaram o poder do Estado. Em 1977, depois de uma luta significativa, organizações indígenas obrigaram a Organização das Nações Unidas a iniciar um projeto pelo fim da discriminação contra a população indígena no continente americano. O Conselho Indígena Sul-americano, sediado em La Paz, foi uma dessas entidades, que trabalhou de perto com o Conselho Mundial da Paz, a Liga Internacional de Mulheres pela Paz e a Liberdade, assim como diversos movimentos de libertação nacional (Congresso Nacional Africano, a Organização do Povo do Sudoeste Africano e a Organização para a Libertação da Palestina). Foi a partir dessa unidade e dessa luta que a ONU estabeleceu o Grupo de Trabalho sobre Populações Indígenas em 1981 e declarou 1993 como o Ano Internacional dos Povos Indígenas. Em 2007, Evo Morales liderou a demanda para a ONU aprovar a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas. Foi um exemplo muito claro da importância da unidade e da luta de movimentos populares e Estados fraternos. Se não fosse pela luta dos movimentos populares entre 1977 e 2007, com o apoio e auxílio de Estados fraternos, e se não fosse pelo governo bolivariano em 2007, essa declaração, que tem uma importância imensa para levar a luta adiante, não teria sido aprovada.

Intelectuais indígenas do continente americano entenderam a complexidade da política a partir dessa luta. Compreenderam que a autodeterminação dos povos indígenas vem de uma luta pela sociedade e o Estado para vencer o poder burguês e colonizador, assim como para encontrar os instrumentos para preparar a transição para o socialismo. Entre essas formas, reconhecida por José Carlos Mariátegui no Peru e Nela Martínez no Equador há quase um século, está a comuna.

As revoluções na Bolívia e na Venezuela não apenas aperfeiçoaram as relações entre homens e mulheres e entre comunidades indígenas e não indígenas, como também desafiaram a compreensão de democracia e do próprio socialismo. Esses processos revolucionários não só tiveram que atuar dentro das regras da democracia liberal como, ao mesmo tempo, construíram uma nova estrutura institucional a partir das comunas e outros formatos. Foi vencendo as eleições e assumindo as instituições do Estado que a revolução bolivariana conseguiu voltar os recursos para maiores investimentos sociais (em saúde, educação, moradia) e para um ataque direto ao patriarcado e ao racismo. O poder do Estado, nas mãos da esquerda, foi utilizado para construir essas novas estruturas institucionais que aumentam o Estado e vão além dele. A existência dessas duas formas -- instituições democráticas liberais e instituições feministas-socialistas -- levou ao irrompimento do preconceito da fictícia “igualdade liberal”. A democracia, se reduzida ao ato de votar, obriga os indivíduos a acreditarem que são cidadãos com o mesmo poder que outros cidadãos, sem considerar a posição socioeconômica, política e cultural de cada um. O processo revolucionário desafia esse mito liberal, mas ainda não conseguiu vencê-lo, como se observa tanto na Bolívia quanto na Venezuela. Trata-se de uma luta para criar um novo consenso cultural acerca da democracia socialista, arraigada não em um “voto igualitário”, mas em uma experiência palpável de construção de uma nova sociedade.

Uma das dinâmicas básicas para se ter um governo de esquerda é que ele assume a pauta de muitos movimentos políticos e sociais populares. Ao mesmo tempo, muitas das pessoas que atuam nesses movimentos, e também em diversas organizações não governamentais, passam a integrar o governo, trazendo consigo suas muitas capacidades para colocá-las em prática dentro das complexas instituições do governo moderno. Isso traz um impacto contraditório: atende às demandas do povo e, ao mesmo tempo, tem a tendência de enfraquecer organizações independentes diversas. Esses desdobramentos fazem parte do processo de se ter um governo de esquerda no poder, seja na Ásia ou na América do Sul. Aqueles que querem manter a independência do governo têm dificuldade de manter sua relevância. Muitas vezes, tornam-se críticos implacáveis desse governo, e com frequência essa crítica é utilizada como arma pelas forças imperialistas para fins alheios até àqueles que fizeram o julgamento inicialmente.

O mito liberal busca falar em nome do povo para ofuscar os interesses e as aspirações reais do povo -- principalmente das mulheres e das comunidades negras e indígenas. A esquerda no interior das experiências da Bolívia e da Venezuela buscou desenvolver o domínio coletivo do povo em uma acirrada luta de classes. Uma posição que ataca a própria ideia de “Estado” como opressor não vê como o Estado nos dois países tenta fazer uso dessa autoridade para construir instituições de poder dual para criar uma nova síntese política, tendo as mulheres à frente.

Conselho revolucionário sem experiência revolucionária

Não é fácil fazer revoluções. Elas são cheias de recuos e erros, pois são feitas de pessoas que têm falhas e cujos partidos políticos precisam sempre aprender a aprender. Quem ensina é a experiência e aqueles com formação e tempo para elaborar a experiência e transformá-la em aula. Nenhuma revolução acontece sem seus próprios mecanismos para se corrigir, suas próprias vozes de discordância. Mas isso não significa que um processo revolucionário deva ignorar as críticas. Deve, de fato, acolhê-las.

A crítica é sempre bem-vinda, mas de que forma ela deve acontecer? Estas são duas formas típicas da crítica de “esquerda” que desqualifica as revoluções em nome da pureza.

1. Se a crítica vem do ponto de vista da perfeição, não só o critério será alto demais, como não conseguirá entender a natureza da luta de classes que deve disputar com o poder solidificado herdado ao longo de gerações.

2. Se a crítica pressupõe que todos os projetos que disputam o domínio eleitoral trairão a revolução, há pouca compreensão da dimensão de massa dos projetos eleitorais e dos experimentos de poder dual. O pessimismo revolucionário impede a possibilidade de ação. Não é possível ter sucesso se você não se permite falhar e tentar de novo. Esse ponto de vista da crítica oferece apenas desespero.

A “persistente luta de classes” dentro do processo revolucionário deve despertar naqueles que não fazem parte do processo em si a simpatia, não com essa ou aquela política de governo, mas com a dificuldade e a necessidade do processo em si.

 

*Roxanne Dunbar-Ortiz é militante histórica, professora universitária e escritora. Autora de diversas obras e artigos acadêmicos, também escreveu três livros de memórias, Red Dirt: Growing Up Okie (Verso, 1997), Outlaw Woman: Memoir of the War Years, 1960–1975 (City Lights, 2002) e Blood on the Border: A Memoir of the Contra War (South End Press, 2005) sobre a guerra dos contrarrevolucionários contra os sandinistas. Mais recentemente, publicou An Indigenous People’s History of the United States.

**Ana Maldonado faz parte da Frente Francisco de Miranda (Venezuela).

***Pilar Troya Fernández trabalha no Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

****Vijay Prashad é historiador, editor e jornalista indiano. É colaborador e correspondente no Globetrotter, projeto do Instituto de Mídia Independente. É editor-chefe da LeftWord Books e diretor do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social. Autor de mais de vinte livros, incluindo The Darker Nations: A People’s History of the Third World (The New Press, 2007), The Poorer Nations: A Possible History of the Global South (Verso, 2013), The Death of the Nation and the Future of the Arab Revolution (University of California Press, 2016) e Estrela Vermelha sobre o Terceiro Mundo (Expressão Popular, 2019). Contribui regularmente com Frontline, The Hindu, NewsClick, AlterNet, BirGün e Brasil de Fato.

Edição: Tradução: Aline Scátola