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Trabalho infantil na produção de chocolate

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Cinco multinacionais exploram o trabalho infantil e o trabalho escravo em lavouras de cacau na Bahia e no Pará
Cinco multinacionais exploram o trabalho infantil e o trabalho escravo em lavouras de cacau na Bahia e no Pará - Divulgação MPT
Vamos pelo caminho da barbárie ou vamos em busca da nossa própria humanidade?

Em um aforismo de menos de duas páginas, intitulado “Mentira de pernas longas”, o filósofo Theodor Adorno explica porque a mentira sempre prevalecerá sobre a verdade. Com a redução do indivíduo à condição de mercadoria, em uma sociedade consumista, a verdade entra em colapso. Falta à verdade mecanismos para suplantar a mentira, anabolizada por intenso aparato ideológico a serviço da administração da vida pelos interesses monopolísticos do capital.

Ao longo de décadas, o pensamento de Adorno foi revisitado e aprimorado, mas sua essência segue atual: entender porque optamos pela barbárie, em detrimento da busca pela nossa própria humanidade. É quando entra a mentira. Se hoje nos debatemos para entender o incrível poder transformador das fake news, Adorno precisou de uma frase para contextualizar o fenômeno: “Só a mentira absoluta ainda tem a liberdade de dizer de algum modo a verdade”.

Quer estudar a verdade, olhe para a mentira. É nesse contexto, de pura barbárie, que devemos olhar para a cadeia produtiva do chocolate, o saboroso alimento que tanto nos dá prazer, mas que é produzido mediante a redução de trabalhadores à condição de escravos e mediante o uso de milhares de crianças e adolescentes como trabalhadores baratos e descartáveis.

Trabalho escravo e infantil

Cinco multinacionais exploram, de forma desavergonhada, o trabalho infantil e o trabalho escravo em lavouras de cacau na Bahia e no Pará: Nestlé, Mondelez, Barry Callebaut, Cargill e Olam Brasil. Nas cadeias produtivas dessas empresas, crianças e adolescentes perdem a vida para gerar lucros bilionários.

O tema é de conhecimento das empresas, já que foram informadas do problema pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Mas elas não se responsabilizaram e mandaram conversar com as entidades de classe que representam o setor.

O único gesto que poderia mudar alguma coisa não deu certo. Em setembro, a Nestlé anunciou que poderia interromper a compra de cacau e de carne oriundas de ações predatórias na Amazônia. No entanto, a empresa desistiu da iniciativa por pressão do governo fascista que administra o Brasil.

:: Leia aqui artigo sobre trabalho infantil na cadeia produtiva da Nestlé ::

Ao invés de enfrentar o trabalho infantil e escravo de forma transparente, o setor de cacau e chocolate optou pelo “greenwashing”, anglicismo que define  estratégias de marketing para encobrir crimes ambientais e violações de direitos humanos.

O ruidoso silêncio das ONGs

Seguem em constrangedor silêncio as instituições que deveriam se manifestar contra as violações na cadeia do cacau e do chocolate: o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e o Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPACTO). Essas organizações recebem dinheiro do setor e têm, em suas cartas de princípios, normas bastante rígidas em relação ao comportamento dos seus associados.

Talvez mencioná-las explicitamente as tire do constrangedor papel de protagonistas da famosa brincadeira da vaca amarela, na qual ganha o jogo quem fica em silêncio por mais tempo.

O InPACTO é constituído por importantes organizações, que também precisam se manifestar: OIT, Repórter Brasil, o próprio Instituto Ethos e o Instituto Observatório Social, que representa o movimento sindical, outro que está mudo como um poste.

Será que todos estão a brincar de vaca amarela?

Duas coisas precisam ser feitas: tirar as crianças da situação de violência sistêmica em que se encontram e tirar os trabalhadores escravos da condição em que se encontram.

O caldeirão está cheio dos eflúvios intestinais da vaca amarela. Mas é preciso falar. É preciso iniciativas transparentes e com o acompanhamento público por parte da sociedade e é hora de agir.

:: Leia entrevista com Marques Casara sobre relatório encomendado pela OIT e pelo MPT, que aborda a cadeia produtiva do chocolate ::

Isto é um apelo

O que se faz aqui é um apelo, em nome das crianças. São oito mil crianças e adolescentes sendo exploradas. Isso precisa parar. É preciso parar com o silêncio sobre trabalho infantil e trabalho escravo na produção de chocolate. É um silêncio muito ruidoso.

Estão com a palavra as empresas e as organizações aqui mencionadas. Vamos pelo caminho da barbárie ou vamos em busca da nossa própria humanidade? De que lado você está?

Edição: Julia Chequer