Rio Grande do Sul

RETROCESSO

Quase 500 alterações no código ambiental gaúcho não têm documentação técnica

Assembleia Legislativa aprovou o texto do novo Código Ambiental; governo admite não possuir estudos

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Liminar da Justiça havia impediu votação, mas desembargador negou a liminar e matéria seguiu para avaliação do Plenário
Liminar da Justiça havia impediu votação, mas desembargador negou a liminar e matéria seguiu para avaliação do Plenário - Foto: Michael Paz/ALRS

As 480 alterações no Código Estadual de Meio Ambiente que serão votadas na sessão desta tarde na Assembleia Legislativa possuem origem desconhecida. Provocado por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o governo do Estado admitiu não possuir “registros formais” das contribuições de servidores dos órgãos ambientais para a legislação, e tampouco sobre estudos que teriam embasado o novo texto.

Na manhã desta quarta-feira, 11, o desembargador Francisco José Moesch, do Tribunal Pleno do Judiciário gaúcho, negou uma liminar dos deputados de oposição. Treze parlamentares, representando as bancadas de PT, PDT e PSOL, argumentaram que o texto tramitava em regime de urgência, apesar de decisão judicial contrária. O magistrado, em sua decisão, indeferiu o pedido dos deputados, permitindo a inclusão do Projeto de Lei Nº 431/2019 na Ordem do Dia da Assembleia.

[Atualização do Brasil de Fato: Na tarde dessa quarta-feira (11), a Assembleia Legislativa aprovou o texto do novo Código Ambiental. Foram 37 votos favoráveis e 11 contrários.]

A única fonte indicada pelo Poder Executivo como base do projeto de lei – cuja velocidade de tramitação incomodou até mesmo associações ruralistas – é o relatório de uma subcomissão do Legislativo, realizada em 2016 como tentativa de atualizar o Código Ambiental. Entretanto, das 480 mudanças previstas no PL 431/2019, agora em tramitação, a Associação dos Servidores da Fepam (Asfepam) identificou apenas oito cuja origem está no documento de 2016.

“Para mim, a autoria dessa minuta é o divino espírito santo. Nunca conseguimos identificar quem foram as pessoas que redigiram o texto em discussão. E gostaríamos de saber, inclusive para debater e compreender, porque há mudanças que fragilizam a proteção ao meio ambiente”, critica o integrante da Asfepam, Luis Fernando Perelló, que é biólogo e doutor em Ecologia.

Na manhã dessa terça-feira, 10, a entidade entregou a parlamentares cópias de um relatório de recomendações no qual analisa o projeto de lei atual, e propõe alternativas de redação e questionamentos. No documento, os técnicos alertam para a falta de transparência, que gerou “lacunas e falhas de base técnica”. Uma delas está já na justificativa do PL, que atribui a necessidade de alteração do atual código às mudanças climáticas, “enquanto a presente proposta não apresenta sequer alinhamento com a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC (Lei 12.187/2009)”. “Esse PL foi feito entre quatro paredes, com contribuições esporádicas da gestão e não reflete o pensamento dos técnicos”, acusa Perelló.

Os servidores de carreira não são os únicos a questionarem a falta de transparência no tratamento do assunto. Integrante do Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema), o ambientalista Paulo Brack, doutor em Ecologia e professor do Instituto de Biociências da Ufrgs, lembra que o órgão tampouco foi chamado a opinar. “Quando soubemos que estavam preparando um projeto de lei, pedimos que apresentassem ao Consema antes de enviar à Assembleia. Mas nunca nos repassaram, ficamos sabendo pela imprensa que ele havia sido entregue ao Legislativo”, se ressente.

Debate indocumentado

Em sua resposta ao pedido de LAI feito pela reportagem, o Piratini se manifestou da seguinte forma: “Informamos que os subsídios ao PL nº 431/2019 foram retirados deste documento que ora se indica acesso. Tais subsídios foram cotejados por uma série de outras contribuições de técnicos da Sema e da Fepam, sem registros formais quanto aos estudos”.

É uma prática inusual, revela o servidor. “Em uma situação normal, de discussão de uma matéria complexa como essa, deveria haver registros: memórias de reuniões sobre o assunto, atas de seminários, essas coisas. Mas esse registro não existe porque não houve debate – nem formal e nem informal dentro dos órgãos ambientais”, acusa Perelló.

Segundo o servidor, a única consulta aos analistas ambientais dos órgãos competentes foi feita antes mesmo do fim da subcomissão, através de um e-mail enviado apenas às chefias de setor, questionando o que poderia ser melhorado no Código Ambiental. “E os colegas que responderam na época, hoje afirmam que suas sugestões tampouco foram inseridas no texto de agora”, observa.

As versões do governo sobre a autoria e debate das medidas oferecidas pelo governo do Estado são também contraditórias entre si. Embora na resposta reproduzida acima o Piratini assegure que houve debate, ao ser provocado, também através da LAI, a entregar “atas, datas e nome dos presentes de todas as reuniões da agenda da Sema que atendam às palavras-chave Código Estadual do Meio Ambiente, Cema, PL 431/2019, PL 431, legislação ambiental, política ambiental, e/ou Lei 11.520/2000, e que tenham ocorrido entre 01/01/2017 e 31/10/2019”, o Executivo se absteve.

“Relativo ao seu pedido de informação ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul, informamos que não possuímos o dado solicitado, com o que deixaremos de o fornecer, com base no art. 9º, §1º, III, do Decreto nº 49.111/2012”, limitaram-se a escrever os responsáveis pela resposta.

Em uma terceira solicitação feita pela reportagem, o poder Executivo informou que “não houve versões anteriores” ao texto do PL nº 431/2019 apresentado na Assembleia Legislativa.

Edição: Extra Classe