Paraná

Desmonte do Brasil

O Enem, o BNDES e a Capes

O grupo que está no poder não compreende o papel do Estado brasileiro e das politicas públicas

Curitiba |
Presidente e ministro da educação fazem trapalhadas e passam questões ideológicas à frente dos interesses do Brasil - Antonio Cruz_Agencia Brasil

Não parece ter nada pior do que um grupo no poder, sobretudo num país subdesenvolvido, que não sabe o que é o ESTADO. Compreender a natureza do Estado, no capitalismo, exige estudo, reflexão, esforço; tudo que esse grupo nunca gostou de fazer. Compreender a imprescindibilidade das políticas públicas e seu alcance também. Esse grupo alçado ao poder no Brasil, pela eleição de 2018, não tem a menor ideia do que seja uma ou outra. Há, porém, uma exceção: eles sabem que o Estado pode lhes trazer benefícios financeiros concretos, prestígio e poder, dependendo dos grupos econômicos que forem beneficiados nesse tempo. Todos os sinais desse quadro sempre foram sabidos. Um parlamentar, há 28 anos exercendo cargos sem qualquer ação relevante para a população que o elegeu seguidas vezes, seria uma senha mais do que suficiente. Nem vou entrar nas questões de corrupção, rachadinha, concessão de cargos sem o trabalho correspondente, aumento inexplicável de patrimônio etc., pois é chover no molhado...
Esse senhor, que hoje preside o país, não respeita as Instituições do Estado, tanto que aos 33 anos foi “aposentado” do Exército brasileiro após insubordinações públicas. Estranhamente, foi e é apoiado por generais. Só a história dará conta dessa questão. O seu superministro Paulo Guedes, ainda na campanha, deu mostras de desconhecer o PPA- Plano Plurianual, o mais importante instrumento da ação governamental, quando afirmou que ele mesmo faria o orçamento de 2019. Já não seria suficiente para negar qualquer chance de vitória a esse grupo? Seria, mas não foi. Em decorrência da concepção de que o que conta são os interesses desse grupo no poder, os militares, os policiais e o judiciário terão aumento salarial, normalmente, diante do congelamento dos salários dos demais servidores no país. Não esqueçamos ainda que a reforma da previdência do grupo militar autoriza aposentadoria sem limite de idade e foi precedida de aumentos salariais. Enfim, o Estado serve a eles e a ninguém mais. Claro que beneficia os que o elegeram exatamente para fazer o que estão fazendo; não esqueçamos o pato amarelo (Fiesp), os bancos e os investidores estrangeiros. Com essa concepção de Estado e a blindagem que esses setores conferem a esse grupo no poder, não deveriam nos surpreender todas as agressões à Constituição Federal, ao estado democrático de direito e aos cidadãos, no primeiro ano deste desgoverno.
O Estado é deles e para eles. Só três exemplos capazes de delinear o futuro: o Enem, o BNDES e a Capes. O Enem, inicialmente criado em 1998 para avaliar o desempenho dos alunos no ensino médio, foi reformulado e transformou-se no principal instrumento de seleção (Sisu) entre milhões de alunos para o sistema universitário brasileiro (público e privado), obtenção de bolsa, de financiamento (Prouni) e até de uma vaga numa universidade estrangeira. MEC, Inem, Enem, Sisu construíram o segundo maior sistema do mundo de acesso às universidades, menor apenas que o da China. Associado aos sistemas de cotas, conseguiram também mudar o perfil do alunado: hoje até a USP tem 40% de alunos egressos do ensino público, e não dos cursinhos milionários. Em universidades federais, como a UFPR, são 50%. Sem dúvidas, um grande avanço civilizatório.
Essa é a força do Estado brasileiro por aqueles que compreendem e cumprem o seu papel. O MEC, para este grupo no poder, não passa de um espaço para ação ideológica e a escolha dos ministros atende a esse critério. O Enem 2019 está envolto em erros, negligências, práticas patrimonialistas (como disse, recentemente, a jornalista Helena Chagas: “Quem mandou os estudantes não serem filhos de amigos de Weintraub”), divulgação de listas com notas erradas, correção on-line de resultados de seguidores do ministro no twiter, suspensão e restabelecimento dessa divulgação pela justiça. Como se sentem os estudantes? Que confiança terão no resultado que, finalmente, for considerado divulgável? Como irão encarar o futuro? Poderão ainda acreditar nas Instituições brasileiras?
O BNDES, criado em 1952 para apoiar o desenvolvimento brasileiro, fornecendo crédito de longo prazo, em condições especiais, como tem de ser, quando se trata de setores estratégicos para o país e como o mundo inteligente possui ; O BNDES é alvo da cobiça dos bancos privados, de olho no fundo que lhe dá sustentação e, como teve um papel ainda mais estratégico nos governos do PT, transformou-se numa “geny” e sofreu todo tipo de crítica quanto ao desempenho, lisura dos contratos e competência dos seus servidores. Não adiantaram as declarações de seus ex-presidentes negando tudo isso e, desde a campanha, esse grupo no poder ganhou votos prometendo abrir a “caixa-preta” do BNDES. Pois é, desde o golpe de 2016 essa disputa se acirrou e, finalmente, após “torrar” R$ 48 milhões de reais em pagamentos de consultorias internacional e nacional, os empréstimos sob suspeita foram avaliados e nenhum erro, nenhuma falcatrua, nenhum favorecimento foi encontrado. Não satisfeito, o presidente rechaça, diz que houve um erro qualquer e o “garoto” (o presidente da instituição escolhido por ele e amigo dos seus filhos) iria explicar. O garoto cresceu e veio a público afirmar: “nada mais a dizer: não há caixa-preta”.
A Capes, instituição do estado brasileiro, juntamente com o CNPq, é a responsável pela concessão de bolsas para formação nos níveis de mestrado e doutorado, pesquisadores visitantes estrangeiros e nacionais e, nos últimos 30 anos, consolidou um sistema de pós-graduação no país, com avaliações e acompanhamentos permanentes, mesmo que possamos ter críticas ao sistema. O presidente atual da Capes acaba de propor “um contraponto à Teoria da Evolução e a discussão, com argumentos científicos, do criacionismo”. Até o Vaticano aceita o processo evolutivo como a melhor explicação para os fenômenos da vida, afirma o núcleo de pesquisa que estuda a epistemologia da evolução de Charles Darwin, da USP. Enfim, juntando a essa proposta, a da terra plana e, ainda, a do MRE- Ministério das Relações Exteriores de considerar a religião como política de Estado, voltamos, assim, ali para o contexto do século XV.
A lista de temas, assuntos e ações que poderiam ser abordados na perspectiva de revelar o retrocesso que estamos vivendo, é gigantesca. A discussão aqui limitou-se a três casos ligados ao desenvolvimento do país: o seu financiamento, o acesso dos jovens à formação universitária e a busca pelo avanço científico, questões interligadas, é claro. Só quem não sabe a importância e a imprescindibilidade delas seria capaz de promover tamanho desrespeito e destruição. Ou quem, de fato, objetiva destruir o presente e o futuro do nosso país. No entanto, pelo adiantado da hora, parece que o melhor mesmo é pensar no Carnaval e esperar o desfile da Mangueira. Pelo menos haverá quem fale para o povo brasileiro.
 

Edição: Frédi Vasconcelos