Direito de greve

Juristas explicam por que o TST negou a Constituição ao decidir contra os petroleiros

Liminar do ministro Ives Gandra classificou a greve dos petroleiros como "ilegal"

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Petroleiros fazem manifestação no Rio de Janeiro no 18º dia de greve nesta quarta-feira (19) - Foto: Eduardo Miranda

A decisão liminar do ministro Ives Gandra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que classifica a greve dos petroleiros como "ilegal", publicada na última segunda-feira (17), gerou uma série de reações no meio jurídico. Gandra afirma no texto que a paralisação possui "motivação política" e  que os petroleiros fazem “exercício abusivo e ilegal do direito de greve”.

O ministro autorizou a Petrobras a adotar as “medidas administrativas cabíveis” para cumprimento da decisão, “inclusive com a convocação dos empregados que não atenderem ao comando judicial, com a aplicação de eventuais sanções disciplinares”.

Advogados e juristas apontam inconsistências na decisão proferida pelo ministro Ives Gandra, do TST. Na visão dos profissionais, o posicionamento da Corte coloca em risco direitos básicos dos trabalhadores garantidos na Constituição. 

Para Glauco Pereira dos Santos, advogado, professor e mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a decisão de Gandra contraria o direito de greve. Ele ressalta que a argumentação de que a paralisação teria motivação política "não se coaduna com verdade dos fatos".

"A nossa carta de direitos não dá ao juiz o poder de se imiscuir nas motivações que levam aos trabalhadores optarem pelo movimento paredista reivindicatório. Os petroleiros estão altruisticamente se solidarizando com os seus companheiros ameaçados de demissão, logo se trata de uma reação reivindicatória tipicamente trabalhista, enquadrando-se nas hipóteses protegidas pelo nosso ordenamento jurídico”, aponta.

A advogada Gabriela Araujo, coordenadora de Extensão e professora de Direitos Humanos e Direito Eleitoral na Escola Paulista de Direito, aponta que o direito de greve do servidor público é reconhecido como uma garantia fundamental, tanto pela Constituição Federal como pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do mesmo modo que a liberdade de expressão e de reunião.

“Independentemente do regime de trabalho existente, qualquer tipo de coação à greve dos petroleiros, como a noticiada ameaça de demissões em massa daqueles que não retornarem às suas atividades, é manifestamente inconstitucional. É preciso atentar para que não se inviabilize o direito de greve neste caso, com a análise do mérito das reivindicações e punições arbitrárias, como parece estar acontecendo, sob pena de se abrir um precedente extremamente perigoso de violações de direitos humanos consagrados não apenas em nossa Constituição, mas em diversos documentos internacionais assinados pelo Brasil”, defende Araújo.

A advogada Alessandra Camarano, presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), afirma que compete aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade e as razões para a deflagração de movimento paredista e classifica como “prática persecutória” a decisão do TST.

“As práticas persecutórias em relação ás entidades sindicais, afrontam normas constitucionais e internacionais que garantem o livre exercício do direito de greve. Tratam-se de medidas repressivas contra direito fundamental que não podem ter a conivência da ordem jurídica”, declara.

O advogado trabalhista Marcelo Uchôa, professor doutor da Universidade de Fortaleza (Unifor) e integrante da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) no Ceará, afirma que a decisão do TST “vulnera a essência da Constituição em seu bloco de direitos sociais trabalhistas”.

“O direito de greve não é apenas um direito fundamental do trabalhador, é uma garantia constitucional concedida para que cobre, e efetivamente consiga, exercer suas atividades em condições laborais decentes e seguras no ambiente de trabalho. A preservação de empregos e a oposição ao sucateamento da empresa são bandeiras mais que legítimas dos petroleiros”, defende.

Para o advogado trabalhista e sindical Nuredin Ahmad Allan, a decisão do ministro Ives Gandra, "é criminosa e deve ser descumprida, pois atenta contra toda a sociedade”. “Alguns segmentos do Poder Judiciário, capitaneados por atos como o do Ministro Ives Gandra Martins Filho, têm usado de suas posições para atender aos interesses de um projeto de sociedade surgido a partir do golpe. Tentando encurralar a classe trabalhadora, com ações como a marginalização do direito de greve”, afirma.

Luís Carlos Moro, advogado e secretário geral da Associação Americana de Juristas e vice-presidente da Associação Luso-Brasileira de Juristas do Trabalho, destaca que o setor do petróleo não é considerado um serviço essencial pelo Comitê de Liberdade Sindical, assim como pela Lei de Greve.

“O respeito aos princípios da liberdade sindical requer que não se despeçam trabalhadores por participar de greve. Medidas extremamente graves, como a dispensa de trabalhadores por terem participado de uma greve implicam graves riscos de abuso e constituem violação da liberdade sindical”, diz

Para o advogado Hugo Roxo, membro da ABJD, o direito de greve não pode ser atacado por meio de decisão liminar monocrática de ministros, ou seja, tem que ser uma decisão do colegiado. “Declarar a greve dos petroleiros como abusiva, sem qualquer indicação da suposta ilegalidade, de forma liminar, aplicando pesadas multas por descumprimento das decisões judiciais monocráticas, não constitui somente condutas antissindicais, mas principalmente atitudes antidemocráticas, posto que fragiliza a negociação coletiva, a greve dos petroleiros tem como argumento fulcral o descumprimento de cláusulas coletivas, e espanca de morte um direito duramente conquistado, como o direito social de greve”, afirma.

Para o jurista Lenio Streck, limitar a adesão dos trabalhadores ao movimento grevista, com a exigência de 90% de serviço nas refinarias e nas unidades da Petrobras representa na prática negar o direito de greve aos petroleiros. “Dizer que só 10% de uma categoria pode entrar em greve é o mesmo que dizer que não há direito de greve. Qualquer decisão que limita o direito de greve a um patamar tão ínfimo é negação do próprio direito”, ressalta.

O advogado trabalhista Denis Einloft avalia que a liminar do TST evidencia um distanciamento dos valores fundantes do Direito Coletivo do Trabalho. “A desumanização e a desvalorização dos trabalhadores e do sindicalismo nas decisões coloca em xeque a real compreensão do Direito do Trabalho por parte daqueles que deveriam o valorizar, especialmente o direito democrático e legítimo da greve”, afirma.

O advogado trabalhista Gustavo Gomes acrescenta que a decisão do ministro Ives Gandra expressa uma visão deturpada sobre o Direito do Trabalho. “É impensável que alguém egresso do Ministério Público do Trabalho possua uma visão tão deturpada sobre o Direito do Trabalho, especialmente ao determinar que uma “greve” ocorra com 90% do efetivo. Afastar, pela força de multas exorbitantes, o direito de toda uma classe de pleitear o cumprimento de um acordo mediado pelo TST é algo completamente indigno de um ministro desta Corte”, aponta.

Os trabalhadores brasileiros ao aderirem à greve da Petrobras exercem um direito que lhes é constitucionalmente assegurado e, portanto, não pode o Poder Judiciário, nem os poderes públicos em geral, impor-lhes limites e sanções que não são os expressos em lei ou que visem amesquinhar a estatura que a Constituição confere ao direito de greve.

Em manifestação conjunta, Celso Antônio Bandeira de Mello, professor emérito da PUC/SP e Weida Zancaner, mestre em Direito Público pela mesma universidade, ressaltam que, ao colocar a greve entre os Direitos Sociais, a Constituição brasileira "a erigiu à condição de cláusula pétrea".

"Quis, portanto, que esse direito fosse respeitado por entender que a soberania popular assegura ao povo o direito de pugnar por seus interesses, bem como defender o patrimônio nacional, que hoje está sendo vendido sem a prudente oitiva da população, o  que coloca em risco a vida e a segurança das gerações futuras. Em são consciência, nenhum estudioso do Direito pode se negar a apoiar àqueles que se unem para manter o patrimônio e a democracia brasileira sob o abrigo da Constituição", diz o texto.

Também enviaram manifestações à reportagem, Weida Zancaner, mestre em Direito Público pela PUC/SP; Geraldo Prado, professor e advogado; Gisele Cittadino, professora da PUC/Rio; Carol Proner, professora da UFRJ e membro da ABJD; Larissa Ramina, Professora de Direito Internacional da UFPR; Inocêncio Uchôa, juiz aposentado e advogado, membro da AJD e ABJD; Roberto Parahyba, ex-presidente da ABRAT; José Carlos Moreira da Silva Filho, professor de Direito na PUC/RS; Eduardo Surian, advogado trabalhista e os advogados trabalhistas integrantes da Rede Lado: Ricardo Nunes de Mendonça, advogado sindical e diretor do Instituto Declatra, 
Julia Zavarize, advogada militante na área de direito individual e coletivo do trabalho e Cristina Kaway Stamato, advogada do Stamato, Saboya & Rocha Advogados Associados.

 

 

Edição: Leandro Melito