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Artigo | Sem feminismo, não derrotaremos a direita autoritária e neoliberal

Nas ruas de todo Brasil, as mulheres colocaram o enfrentamento a Jair Bolsonaro no centro da agenda feminista

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
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Derrotar Bolsonaro é uma tarefa que envolve a disputa de hegemonia, uma disputa cotidiana contra a misoginia escancarada em declarações, políticas e desmontes - Catarina Barbosa/Brasil de Fato

Milhares de mulheres ocuparam as ruas neste 8 de março no Brasil. Milhões, ao redor do mundo. Mais uma vez, com faixas e cartazes, batuques, irreverência e com muitas vozes, expressaram: as mulheres estão sob ataque e reagem.

Nesse momento em que o feminismo não é mais uma palavra estranha ou rara nos noticiários da grande mídia, nas propagandas comerciais ou entre influencers de diferentes espectros, é preciso ouvir com atenção o que as mulheres organizadas estão dizendo, e as ruas são os melhores lugares para escutar suas sínteses políticas.

Nas ruas de todo Brasil, as mulheres colocaram o enfrentamento a Jair Bolsonaro no centro da agenda feminista, expressando uma visão geral sobre o momento em que vivemos. Se posicionam, assim, na construção da força social que precisamos ter para derrotar o projeto autoritário, intrinsecamente racista e patriarcal, que avança em nossa sociedade.

As mulheres demonstram capacidade de mobilização e se colocam o desafio de ampliar a organização. Derrotar Bolsonaro é uma tarefa que envolve a disputa de hegemonia, uma disputa cotidiana contra a misoginia escancarada em declarações, políticas e desmontes.

O incentivo e a legitimação do ódio ao povo negro, às mulheres, aos indígenas e aos pobres não é apenas um discurso: é o que vivemos e sentimos todos os dias com a precarização da vida. Os ataques e desmontes da saúde e da educação, bem como o ajuste implementado pela política econômica, se dão às custas de mais trabalho realizado pelas mulheres. Enquanto os bancos e “o mercado” manifestam aprovação ou desconfiança sobre números, são as mulheres, negras e periféricas, que se viram para sustentar a vida e a economia.

O feminismo coloca a vida no centro da agenda. Por isso, ontem, as mulheres denunciaram a violência racista do Estado, os ataques do capital contra a vida, a destruição da democracia e o retrocesso nos direitos.

Nas ruas, mulheres indígenas e quilombolas se juntam para reivindicar sua história e territórios, contra a privatização extrativista da natureza. As mulheres sem-terra em Brasília expressam a força de sua organização ao ocupar o Ministério da Agricultura, denunciando frontalmente a política de Bolsonaro para o campo. As mulheres estão em luta contra a privatização das terras, dos bens comuns e dos serviços públicos.

As mulheres denunciam as violências cotidianas e o feminicídio. O desafio é enfrentar as causas dessa violência patriarcal. É falha a dinâmica de isolar o enfrentamento à violência do conjunto das lutas que as mulheres põem em marcha para transformar o mundo: esse isolamento não serve nem para acabar com a violência, nem para derrotar Bolsonaro e o capitalismo autoritário.

Essa reação patriarcal, antifeminista, integra os diferentes governos de extrema-direita mundo afora. Se expressa de diferentes formas, como no controle dos corpos, na perseguição das mulheres que abortam e de sexualidades dissidentes, em reforços e imposições de um ideal heteropatriarcal de família, na violência e criminalização de quem luta.

Escutar o que as mulheres organizadas dizem nas ruas é entender que, sem feminismo, não derrotaremos a direita autoritária e neoliberal. As mulheres de esquerda alertam, ainda, para as movimentações do mercado para oferecer saídas neoliberais para o autoritarismo. Mas não nos serve a inclusão de algumas mulheres ou a incorporação de dizeres feministas fragmentados nas narrativas das grandes empresas. O enfrentamento ao poder corporativo das empresas transnacionais é um componente central do feminismo anticapitalista.

É como a Marcha Mundial das Mulheres afirmou no domingo, no lançamento de sua 5a Ação Internacional: “Resistimos para viver, marchamos para transformar”! Na resistência cotidiana, as mulheres constroem os caminhos para a transformação, com auto-organização, agroecologia e outras formas de organizar a economia e os cuidados. Que a força do 8 de março, suas formas e conteúdos, inspirem, impulsionem e se façam presente nas mobilizações do 14 e 18 de março, nos processos organizativos e de luta para derrotar Bolsonaro.

*Tica Moreno faz parte da equipe da SOF Sempreviva Organização Feminista e é militante da Marcha Mundial das Mulheres.

Edição: Rodrigo Chagas