Rio Grande do Sul

Coluna

A nova direita e a nova crise econômica mundial

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É necessário não apenas combater Bolsonaro, mas o modelo econômico e a disputa de valores democráticos, antes que o neoliberalismo opte por descartá-lo e substituí-lo por outro fantoche - Alan Santos/PR
Quanto maior a crise, mais o governo Bolsonaro aprofundará a tensão política e a desdemocratização

No final do ano de 2019 ocorreram grandes manifestações na América Latina e no mundo, como no Chile, Equador, Haiti, além de eleições polarizadas na Argentina, Uruguai e um golpe de Estado na Bolívia. Na Europa, fortes convulsões sociais na França e nos países do leste. No Reino Unido, um dramático debate que acabou pela auto-exclusão daquele Estado da União Europeia, não sem desvelar os conflitos econômicos e políticos que dividem os países originais que formam o Reino Unido (Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda do Norte). O primeiro trimestre de 2020 não apresenta uma reversão deste quadro, ao contrário, neste março de 2020 o mundo mergulhou em mais uma crise da economia global e de seus mercados financeiros. As consequências diretas são a ampliação do desemprego, aumento das tensões políticas internacionais e a ‘queima” das reservas cambiais dos países mais frágeis.

As condições políticas e econômicas das economias periféricas e subordinadas, como a dos países latino-americanos, e absolutamente “financeirizada” como a dos europeus, não permitem supor um quadro de estabilidade e crescimento sustentável da economia mundial no próximo período.

A economia parou, as taxas de crescimento não sustentam a incorporação de novas ondas de trabalhadores ao mercado, pelo contrário os expurgam. Os sistemas públicos de seguridade social, como saúde e previdência, foram desmantelados e privatizados, com sua poupança e fundos amealhados pelo mercado. Uma forma indireta, porém volumosa e eficaz, de transferência da renda dos trabalhadores para o mercado financeiro e para os ultrarricos.

A política de ampliação da base monetária implementada pelo Governo Donald Trump, despejando continuamente dólares na economia mundial, e o verdadeiro “dumping” no preço global do petróleo, implementado pela monarquia da Arábia Saudita, estão na base da forte crise mundial atual, ainda que ela seja efetivamente uma crise cambial e econômica continuada desde 2008.

A perspectiva para a economia mundial e do continente latino-americano é negativa. As previsões responsáveis falam de desaceleração do crescimento econômico diante da diminuição dos investimentos. A Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) previu uma taxa de crescimento de apenas 0,5% para o continente no ano de 2020. O PIB da economia japonesa aponta para uma forte queda em torno de 7%, e a China prevê uma queda de 20% em suas exportações, enquanto a maioria dos países europeus mergulham na estagnação. Apontando para uma ampliação da estagnação econômica mundial.

Os efeitos sobre a situação social são brutais. Depois de uma queda do número de pessoas em situação de extrema pobreza, entre 2000 a 2010, o quadro na América Latina é de aumento, nos últimos 3 anos, do número de pessoas extremamente pobres, de 57 milhões para 62 milhões. A velocidade de redução da desigualdade nos 18 países da América Latina e do Caribe diminuiu nesta década. De 2002 a 2008 a diminuição média do índice estava em 1,3% por ano; já entre 2008 a 2014 esteve em 0,8% ao ano e passou para 0,3% ao ano de 2014 a 2017. Com viés de queda acelerada.

No Brasil, em especial, o resultado dessas políticas de austeridade ampliaram a concentração de renda. Segundo o estudo ‘FGV Social”, deste o fim de 2014 até junho de 2019, a renda per capita do trabalho dos 10% mais ricos subiu 2,5% acima da inflação e a dos 1% mais ricos foi 10,1%. Já o rendimento dos 50% mais pobres despencou 17,1% e da camada de 40% "do meio" - a classe média base da virada política neoliberal e neorreacionária no Brasil - caiu 4,2%.

As políticas macroeconômicas e as reformas trabalhista e previdenciária do governo Bolsonaro aprofundam tal situação. A ascensão da aliança entre o neoliberalismo e o neorreacionarismo é recente e o impacto de seu naufrágio político, justamente por ser o país a maior economia da região, seria fatal para a direita latino-americana. As aprovações das reformas trabalhista e previdenciária foram importantes para o sistema bancários por razões econômicas, por óbvio, aumentando os lucros imediatos dos rentistas, mas também porque, no campo da política, manteve aglutinada parte importante da base da direita e do neoliberalismo, condição fundamental para a sustentação do governo neorreacionário de Bolsonaro. Contudo, os efeitos dessas medidas, somada à extinção dos investimentos em políticas sociais, já são concretos nas condições de vida dos trabalhadores e poderão desestabilizar esse bloco.

A desconstituição dos instrumentos de investimento como o BNDES e as alianças internacionais, notadamente o Banco BRICS e a UNASUL, somadas a redução da capacidade de consumo do mercado interno, fazem com que o Brasil tenha menor capacidade de resistência para enfrentar a crise mundial do que tinha em 2008, por exemplo. A verdade é que o governo Bolsonaro desarmou o Brasil para enfrentar a economia global e muito provavelmente irá recorrer, como nos piores momentos da economia brasileira, ao FMI e ao Banco Mundial.

A tendência parece ser que, quanto mais a economia brasileira mergulhe na crise, mais o governo Bolsonaro aprofundará a tensão política apontando para o aumento da desdemocratização e polarização ideológica. Como o ocorrido com o motim de determinados setores da PM do Ceará, o questionamento sobre a legitimidade das eleições e os atos contrários ao STF e ao Congresso Nacional, fundamentos da democracia liberal brasileira, convocados agora para 15 de março. Bolsonaro aposta na crise para manter o controle do governo.

As eleições municipais de 2020, a luta pela liberdade do Presidente Lula e o desmascaramento da Operação Lava Jato, fatalmente estão no centro da “contra agenda” do próximo período que a esquerda e os setores populares devem propor. Mas não é o suficiente. Essa “contra-agenda” passa por propostas de recuperação fiscal com base na tributação sobre as classes sociais que se beneficiam pelos privilégios tributários e cometem ilícitos nos fluxos financeiros da região, além de medidas de recuperação dos investimentos em infraestrutura, emprego e proteção social, tais como garantia de renda mínima, combate a fome, saúde universal, ampliação de emprego e cobertura previdenciária.

A crise econômica mundial fatalmente aumenta a pressão sobre esses governos austericidas e reacionários que, como no Brasil, se espalham pela América Latina e pelo mundo. Obviamente que as agências de mercado do mundo capitalista e seu principal governo, o dos EUA, não estão contentes com a possibilidade de nova “virada à esquerda” no Continente, e no Brasil em especial. Não admitirão, portanto, que ela aconteça sem se opor. Por isso será necessário estabelecer não uma política restrita a combater o governo Bolsonaro, mas sim de contraposição de modelo econômico e de disputa de valores democráticos. Caso contrário a direita e o neoliberalismo poderão optar por descartar Bolsonaro e substituí-lo por outro fantoche. Saída que não interessa ao povo brasileiro.

Edição: Marcelo Ferreira