Saúde

Isolamento e ansiedade: como adaptar a rotina durante o período de quarentena

Profissionais buscam mudar hábitos; psicólogos e psicanalistas prestam atendimento online durante o período

Brasil de Fato | Belém (PA) |

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Recomendação da OMS é que pessoas saiam de casa, apenas, quando necessário. - Arquivo pessoal

A recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) é muito clara: evite sair de casa. Saia, somente, quando estritamente necessário. Entretanto, o ser humano é um ser social, que necessita do contato humano. 

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Para quem faz tratamentos específicos para ansiedade e depressão, por exemplo, o isolamento pode ser um agravante. Assim, psicólogos e psicanalistas recomendam que todas as pessoas indiscriminadamente busquem suas próprias formas de prazer dentro de casa. 

Lígia Bernar, 32, é jornalista e já faz tratamento psicológico há três anos. Antes da pandemia, já trabalhava como home office, mas tinha uma rotina estabelecida que incluía aulas para um grupo de comunicadores populares, academia e o contato com amigos e colegas de trabalho.

Com a chegada do novo coronavírus ao estado do Pará e a determinação de isolamento social, ela estabeleceu uma rotina que inclui ler notícias, apenas uma vez por dia sobre o covid-19.

"Eu tento não falar muito sobre o assunto. Na verdade não é não falar, porque não dá para ficar alienado, mas dá para conter a forma de falar muito. Acho que falar muito sobre o assunto me deixa ansiosa. Acabei combinando com o meu pai, com os meus familiares de não falar muito sobre o coronavírus quando eu estiver perto, falar sobre outros assuntos, trabalho, sobre o que eu posso fazer dentro de casa", conta. 


Jornalista diz que falar muito sobre o novo coronavírus a deixa ansiosa, por isso, ela vai estabelecer uma rotina que inclui a realização de exercício. / Lígia Bernar/Arquivo Pessoal

Na tentativa de tornar a rotina de isolamento mais harmoniosa, Lígia conta que a partir da semana que vem vai tentar estabelecer horários que incluem a realização de exercícios físicos e o trabalho remoto de social media para todos os seus clientes, que em tempos de pandemia precisam comunicar, via redes sociais, seus seguidores sobre os cuidados e medidas com o covid-19. 

"Vou começar a adotar medidas para fazer exercícios físico dentro de casa, porque é algo que também está dentro do meu tratamento, além dos remédios e da terapia, então, não posso deixar de fazer. A partir da semana que vem, quero começar a acordar umas 8h, fazer exercício físico e começar a trabalhar à tarde até umas sete horas. É isso que eu quero fazer até para controlar a ansiedade, para não ficar muito angustiada, com falta de ar, que é o que a angústia traz para gente que tem ansiedade", diz. 

Para Amanda Araújo, 24 anos, que trabalha em um dos shoppings de Santa Catarina, onde foram registrado 20 casos do novo coronavírus e 346 suspeitos, a ansiedade é inevitável, principalmente na incerteza de que pode perder o emprego ou não ter dinheiro para comprar comida se não receber salário.

"Eu estou com medo pelo meu salário, porque eu não sei quanto que eu vou receber, quanto vai reduzir. Eu tenho as contas para pagar, então, eu estou com medo de acabar a comida e como que eu vou ter que ir ao supermercado para comprar comida? Esse é o meu medo", conta. 


Amanda diz que está com medo de perder o emprego e não irá comprar comida se houver demissão em seu trabalho. / Arquivo Pessoal/Amanda Araújo

O medo da Amanda é também o medo de muitos brasileiros. Na última quarta-feira, 18, o governo Bolsonaro (sem partido) anunciou medidas que permitiriam a antecipação de férias individuais; férias coletivas; banco de horas; antecipação de feriados não religiosos; e adiamento do recolhimento do FGTS durante o estado de emergência e ainda a redução de até 50% da jornada, com corte do salário na mesma proporção, mediante acordo individual com os trabalhadores. A medida não está em vigor, porque ainda será votada pelo Congresso Nacional.

O último dia em que Amanda Araújo trabalhou foi na terça-feira (17). Segundo ela só estão abertos supermercados, posto de gasolina, abastecimento de gás, água e farmácias na cidade.
 

"Antes de decretarem que era para fechar tudo por sete dias a gente estava trabalhando e estava vazio tudo, vazio mesmo. Se foram 15 pessoas, foi muito e a gente estava apavorado. Agora ficar em casa esses sete dias, eu estou com medo porque o valor maior do meu salário é o final do mês e ficar esses dias em casa me apavora um pouco, porque vai atrasar tudo, vou ter que ficar devendo alguma coisa e a gente precisa fazer compras, é um medo real", diz. 

Atendimentos psicológicos são mantidos pelo Conselho Federal de Psicologia

Uma das características da ansiedade é justamente uma preocupação excessiva como o futuro. A diferença de uma ansiedade normal para uma patológica é que a ansiedade que precisa de tratamento é capaz de paralisar a pessoa em suas atividades cotidianas.

Em tempos de pandemia do covid-19, o futuro tem se mostrado devastador em alguns países, o que acaba por gerar ainda angústia em quem sofre de ansiedade. 

A psicóloga e psicanalista Carolina Miralha explica que os pacientes que já realizavam tratamento continuam realizando sessões presenciais de acordo com o protocolo emitido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), desde que se cumpram as determinações relacionadas à limpeza, utilização de álcool em gel, lavagem de mãos, limpeza de maçanetas, ambiente ventilado e locais não fechados, que permita manter a distância de um ou dois metros das pessoas. 

"Até o momento não há orientação tanto da OMS quanto do nosso conselho da suspensão das nossas atividades, até porque o nosso conselho federal de psicologia constitui possibilidades de exercício profissional em emergências e desastres em contextos clínicos de assistência social e políticas públicas. Então, a normativa é a manutenção desses atendimentos. Em relação aos atendimento online o conselho está com uma força tarefa para que o pedido de psicólogos cadastrados ou que queiram se cadastrar para realizar esse atendimento sejam feitos de acordo com a nossa resolução de 2018", explica. 

Ela diz ainda que os pacientes que já sofrem de ansiedade e depressão estão tendo um cuidado maior diante da pandemia e os atendimentos presenciais são mantidos, somente, com pacientes que não são considerados de risco.

"Existe sim a possibilidade de adoecimento diante dessa pandemia em virtude do confinamento e do decreto de situações de emergência e calamidade já em alguns lugares. No entanto, é normal, se a gente for parar para pensar se sentir vulnerável e apreensivo com o surto de uma doença infecciosa", afirma.

Para ela, procurar por informações nesse momento é muito importante, no entanto, por um tempo limitado: uma ou duas vezes por dia, porque o fluxo constante de notícias, principalmente em tempos de fake news, pode levar a uma angústia e o medo desencadeia a produção de adrenalina, que nos deixa inclusive mais vulneráveis a infecções. 

"É importante estarmos informados, mas saber de tudo o que está acontecendo em todos os lugares não vai mudar a realidade. Precisamos focar no que a gente pode controlar: a nossa boa higiene e dedicar o nosso tempo, a nossa atenção a coisas que fazem com que a gente se sinta bem, tendo em vista que estamos em um período de isolamento domiciliar", aconselha.

A psicóloga Crissia Cruz reforça a necessidade de cuidado físico e mental, uma vez que a pandemia do covid-19 obrigou todo mundo a uma nova forma de viver, a rotina de todos foi afetada e isso provoca mudanças emocionais tanto pelo medo do novo, quanto pela necessidade do isolamento. Ela recomenda que se busque, dentro de casa, outras formas de prazer, de entretenimento e saúde. 

"Procurar essas fontes outras de prazer no que lhe faz bem, de repente leitura, até manter contato, se possível usar a rede social também para o seu próprio benefício se isso for possível, porque cada pessoa tem um contexto e também manter os vínculos – dentro do possível – nessas outras formas de contato, já que o isolamento é uma das maiores recomendações e é muito importante que a gente siga tentando manter o cuidado com a nossa saúde mental nesses tempos", finaliza.

Edição: Leandro Melito