Trabalho

Quarentena e pacote econômico insuficiente elevam desemprego de 8% para 23% na Índia

Entidades não questionam política de isolamento, mas criticam valores e abrangência dos benefícios durante a pandemia

Brasil de Fato | Nova Delhi (Índia) |

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Auxílios oferecidos pelo governo de extrema direita não garantem a subsistência dos 800 milhões de habitantes que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza - AFP

Com 1,3 bilhão de habitantes, a Índia tem 13.835 casos de covid-19 a menos que o Brasil. Apesar do relativo sucesso na contenção da doença, o governo de extrema direita vem sendo criticado por não prestar assistência às populações vulneráveis durante a pandemia. O desemprego chegou a 23%, e os jornais já reportaram 195 mortes "causadas pela quarentena".

Dos 30 países mais afetados pelo coronavírus, a Índia foi a que decretou os bloqueios mais rígidos. Desde 20 de março, a polícia só libera o trânsito de trabalhadores de serviços essenciais e de quem sai de casa para comprar comida e medicamentos. O período de isolamento social foi estendido pelo primeiro-ministro Narendra Modi, na última terça-feira (4), até o dia 3 de maio.

Partidos, sindicatos e organizações da sociedade civil que se manifestaram sobre o tema reconhecem que o isolamento social é a forma mais eficaz de controlar a covid-19, desde que o Estado ofereça uma compensação suficiente à população empobrecida.

::Fome e desnutrição se agravam e colocam em xeque o futuro da quarentena na Índia::

Impactos

Cerca de 90% da força de trabalho na Índia atua na informalidade, o que dificulta o acesso à seguridade social ou a programas de compensação de salários e proteção do emprego em momentos de crise.

Segundo o Centro de Monitoramento da Economia Indiana (CMIE, na sigla em inglês), o número de desempregados no país saltou de 8,4%, em 22 de março, para 23,4%, em 5 de abril. O número não foi reconhecido pelo governo indiano. Os pesquisadores ouviram 9.429 entrevistados de diferentes regiões e profissões para fazer a estimativa.

No mesmo período, os jornais indianos reportaram ao menos 195 mortes por razões relacionadas à quarentena. O levantamento foi feito por três pesquisadores independentes, Thejesh GN, Kanika Sharma e Aman.

Mais de 50 morreram de fome, por dificuldade de acesso a medicamentos, ou cometeram suicídios motivados por perda de renda e falta de comida. Trinta e cinco migrantes foram atropelados quando voltavam a pé para suas casas, sete foram assassinados – por civis – por violarem a quarentena, e 40 se suicidaram por abstinência de álcool, que não é considerado um item essencial na Índia. As demais mortes foram provocadas pelo pânico de contrair o vírus ou em decorrência da solidão da quarentena.


Em Ahmedabad, sétima maior cidade do país, voluntários (de camiseta branca) orientam moradores a voltar para casa depois de protestar contra a falta de condições para cumprir lockdown imposto pelo governo / Sam Panthaky/AFP

Medidas insuficientes

O governo apresentou dois pacotes emergenciais para enfrentar o coronavírus: o primeiro equivalente a R$ 113 bilhões, no dia 26, e o segundo de R$ 10 bilhões, há uma semana. Entre as maiores dificuldades da Índia durante a pandemia estão o acesso a água e alimentos. 

Os pacotes incluem auxílios para agricultores, idosos, viúvas pobres e pessoas com deficiência, além de empréstimos a juro zero e fornecimento gratuito de gás de cozinha para populações vulneráveis. Os cidadãos cadastrados em programas de distribuição de alimentos recebem um suprimento mensal extra: 5 kg de farinha de trigo ou arroz por pessoa e 1 kg de lentilha por família.

Mulheres que têm contas vinculadas a programas de transferência de renda recebem um benefício extra de R$ 35 por mês; idosos e pessoas com deficiência, o equivalente a R$ 70. “Em outro contexto, seria uma ajuda importante, mas agora é irrisório”, afirmou A. R. Sindhu, secretária nacional da Central Indiana de Sindicatos (CITU, na sigla em inglês), em entrevista ao Brasil de Fato no fim de março.

A sindicalista considera que o governo precisa apresentar com urgência um novo pacote, menos burocrático e mais abrangente, para responder às necessidades dos 800 milhões de indianos em situação de pobreza e extrema pobreza. “Se isso não acontecer, não há outro jeito. As pessoas vão sair às ruas apesar do coronavírus. A fome vai forçar as pessoas a sair de casa. A gente espera que não chegue a esse extremo e que o governo demonstre, finalmente, alguma sensatez”, declarou.

As pessoas vão sair às ruas apesar do coronavírus. A fome vai forçar as pessoas a sair de casa.

Narendra Modi não sinaliza a possibilidade de um novo pacote de auxílios, mas promete lançar no dia 20 de abril um plano de flexibilização da quarentena nas áreas consideradas livres de coronavírus.

Edição: Rodrigo Chagas