INCERTEZA

Artistas pernambucanos se reinventam para atravessar a crise do coronavírus

Lives, vaquinha virtual e até campanhas de doação evitam que o setor pare durante a quarentena

Brasil de Fato | Recife (PE) |
O Grupo Magiluth há 16 anos leva espetáculos para os palcos recifenses - Cacá Bernardes

Há mais de um mês, quando o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, assinou decreto proibindo a realização de eventos com público acima de 500 pessoas, no dia 14 de março, as cortinas fecharam, literalmente, para os artistas do estado. Era o endurecimento do isolamento social, medida adotada pelas autoridades para conter o avanço do coronavírus. Impedidos de levar adiante a realização de seus espetáculos ou comercializar produtos, artistas se depararam com dificuldades econômicas e incertezas sobre o que o futuro, após esta pandemia, reserva para o segmento.

Ao contrário dos nomes consagrados nos gêneros forró e sertanejo, que estão promovendo megas exibições nas redes sociais com apoio de cervejarias, os artistas locais apostam em lives com estrutura modesta nas redes sociais, vaquinha virtual, vendas antecipadas de espetáculos e campanhas solidárias para os profissionais que atuam nos bastidores no mundo da música.

Teatro

O Grupo Magiluth há 16 anos leva importantes espetáculos para os palcos recifenses. Em 2020, haveria a estréia da peça Estudo Nº 1: morte e vida. O planejamento levou um corte seco por causa da pandemia e, “como estratégia de sobrevivência coletiva”, o grupo lançou uma campanha de vendas antecipadas dos ingressos exclusivamente para a temporada recifense. A verba arrecadada ajudaria a bancar os custos do grupo durante o período do isolamento. Em contrapartida, quem comprou o ingresso agora já tem o lugar reservado na primeira apresentação após a quarentena. As vendas já foram encerradas.

Giordano Castro, membro do grupo, explica que essas ações, embora muito importantes para o momento, são apenas paliativas. “Infelizmente, a gente não pode ficar apenas recorrendo a este tipo de estratégia. Ficamos felizes com o retorno, o público se mobilizou, mas sabemos que as pessoas também estão passando por momentos de privação e não podem ficar investindo nessas ações. O que avalio como muito importante, daqui para frente, é o investimento do Poder Público no apoio à classe artística”, analisou o ator, que defende o isolamento social.

Música

Na música, o impacto não foi diferente. Sem fazer shows, os artistas buscam não somente presentear o público com novas apresentações durante a quarentena, como também receber pagamento pelos espetáculos e garantir a sustentabilidade em meio à pandemia. Martins, músico pernambucano, tem incorporado à sua rotina as “lives” nas redes sociais, onde apresenta canções de seu repertório e versões de sucessos de outros artistas, a pedido de seus seguidores. Ele sugere, antes das apresentações, um pagamento via Sympla de um valor parar apoiar o trabalho.

O grupo olindense Ela e o Bando também aposta nas transmissões ao vivo como forma de oferecer ao público na quarentena um pouco de arte. Durante a semana, eles apresentam um debate com outros artistas, dialogando sobre o processo produtivo e os desafios do momento, e no final de semana mandam ver com canções do próprio repertório.

“Na terça passada, nós conversamos com uma galera do Rio de Janeiro pra você ter ideia, e no final de semana, mais no horário da tarde, no sábado ou no domingo fazemos nossa live tocando, por enquanto somente no Instagram. Estamos nos organizando pra fazer umas lives pelo YouTube também”, explicou João Alves, integrante da banda.


Jorge Riba está fazendo uma campanha entre seus admiradores para atingir a marca de 1000 inscritos no canal do Youtube / SECOM PMG

Na crise, nem todo mundo consegue explorar as potencialidades das redes sociais. Nome consagrado do projeto Samba da Classe Trabalhadora, que acontece aos sábados no Armazém do Campo, o sambista Jorge Riba está fazendo uma campanha entre seus admiradores para atingir a marca de 1000 inscritos no canal do Youtube. É que a plataforma só autoriza a realização de transmissões para um público acima desse número.

Dança


Orun se dedica às transmissões ao vivo e vídeos no Instagram do projeto Dança para criança / Orun Santana/Divulgação.

O bailarino e professor Orun Santana tinha decidido, ainda em 2019, que este ano seria dedicado exclusivamente à própria carreira. Ele pediu licença não remunerada da escola onde ensina e se organizou para circular nacionalmente com o espetáculo Meia Noite, além de desenvolver novos projetos.

Em Março, Orun se apresentou em São Paulo, na Mostra Internacional de Teatro (MIT). Desembarcou no Recife no dia 16 de Março. No dia seguinte, começou a quarentena por causa do coronavírus. Com isso, toda agenda das apresentações foi cancelada e, agora, sem previsão de retorno, ele se dedica às transmissões ao vivo e vídeos no Instagram do Projeto Dança Para Criança.

“Não existe uma solução imediata. Eu tinha uma organização financeira até agora no mês de abril, mas não sei como será nos próximos meses. Assim que começou a quarentena, eu fiquei observando a demanda das famílias sobre o que fazer com as crianças nesse período, o que fazer para ocupar, e com isso minha companheira me deu ideia de fazer este projeto, Dança Para Criança. Era uma atividade que desejava fazer porque, antes de tudo, acho muito importante cuidar da saúde mental e do corpo”, explicou o bailarino.

Cinema

O cinema pernambucano também tem se mobilizado durante a crise do coronavírus. Em carta, as principais entidades representativas do setor, como Associação Brasileira de Documentaristas e Curta Metragistas de Pernambuco e a Associação Pernambucana de Cineastas, reivindicaram ao governo do estado algumas questões. O setor cobra “diálogo direto com o Conselho Consultivo do Audiovisual”, criação de um grupo de trabalho para dialogar sobre as possibilidades de amenizar a crise aprofundada pelo coronavírus e “empenhar, liquidar e liberar todos os valores disponíveis para projetos em andamento/aprovados que estejam aptos a receber os recursos”, entre outras pautas.

Solidariedade

Além de se desdobrar para que o espetáculo não pare, muitos artistas e produtores culturais pernambucanos estão movimentando campanhas solidárias para ajudar a população mais vulnerável durante esta crise do coronavírus. É o caso da campanha S.A.S Social, que está sendo coordenada por nomes como Maciel Salu, Banda Devotos, Som na Rural, AltoVolts e produtores culturais da cidade. O grupo está recolhendo doações para levar, inicialmente, para as comunidades com vínculo afetivo com boa parte dos artistas, como Alto José do Pinho, Morro da Conceição e Cidade Tabajara, em Olinda. A meta da primeira etapa é arrecadar até R$ 10 mil.

“Nós estávamos inquietos com todo esse processo, não apenas pelo medo do vírus, mas também pelas conseqüências sociais que ele tratará para muita gente. Por isso, resolvemos lançar, no domingo de páscoa, esta campanha encabeçada pelos artistas”, explicou Priscila Moreira, produtora cultural que participa da campanha.

A segunda etapa da campanha deve avançar para novas comunidades, como Chão de Estrelas, Pilar e Coque. Informações sobre como doar ou participar da campanha pelo e-mail [email protected]

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Monyse Ravena e Camila Maciel