Entrevista

Roger Waters: “Só salvaremos esse planeta frágil se cooperarmos uns com os outros”

Isolado durante a pandemia, ex-integrante do Pink Floyd conversou com o jornalista indiano Vijay Prashad

Brasil de Fato | Nova Delhi (Índia) |

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Em turnê pelo continente em 2018, o músico denunciou o autoritarismo de Bolsonaro e o avanço do fascismo e foi até ameaçado de prisão - Mauro Pimentel/AFP

“É preciso dizer às pessoas que a covid-19 não é uma conspiração chinesa para destruir a civilização ocidental. Essa é a história que Mike Pence [vice-presidente dos EUA], [Mike] Pompeo [secretário de Estado dos EUA] e o próprio Donald [Trump], e provavelmente Boris Johnson [primeiro-ministro do Reino Unido] também, tentam nos fazer acreditar, porque é assim que a mente [deles] trabalha.”

Foi com essa clareza e objetividade que o músico britânico Roger Waters se referiu à pandemia do novo coronavírus nesta quarta-feira (29), em conversa com o portal indiano Newsclick, veículo parceiro do Brasil de Fato na Índia. "Só conseguiremos seguir adiante e salvar esse planeta frágil se cooperarmos uns com os outros, em vez de lutarmos entre nós", resumiu.

A entrevista com o baixista, vocalista e letrista do Pink Floyd, uma das bandas mais influentes da história do rock, foi conduzida pelo jornalista indiano Vijay Prashad, diretor do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social

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“Eu estou agora estou a mil milhas [1,6 km] a oeste de Nova York, em algum lugar no interior [dos EUA], em isolamento. Como todo mundo, estou esperando para ver o que vai acontecer", relatou.

Waters disse que confia nos caminhos apontados pela ciência e criticou os políticos que colocam as preocupações econômicas acima da vida. “Apesar da ladainha de que ‘a economia mundial vai entrar em colapso e haverá bilhões de pessoas que vão morrer de fome porque nós fizemos o isolamento’, qualquer que seja o discurso da moda, hoje nós temos microscópios eletrônicos, contamos com autoridades médicas competentes que estão tentando encontrar uma saída”.

Os Estados Unidos, país onde Waters reside, lidera o ranking do mortes por covid-19. Até o momento da publicação desta matéria, um milhão de casos haviam sido confirmados e 61.547 óbitos registrados. O músico lamentou que o sistema de saúde local seja orientado pelo mercado, segregando os pacientes pobres.

“Se você tem um sistema de saúde, ele precisa existir para oferecer assistência médica para as pessoas. Nos Estados Unidos, eles não têm isso. Eles têm um sistema de saúde para as pessoas ricas, e é isso. É uma atmosfera alienígena para quem cresceu com um serviço de saúde nacional na Inglaterra”, comparou.

Eles têm um sistema de saúde para as pessoas ricas, e é isso. É uma atmosfera alienígena para quem cresceu com um serviço de saúde nacional.

Resistência

Durante a conversa, Roger Waters também evidenciou sua admiração pelos povos latino-americanos que resistem ao imperialismo estadunidense. Em turnê pelo continente em 2018, o músico denunciou o autoritarismo de Bolsonaro e o avanço do fascismo e foi até ameaçado de prisão.

“É realmente interessante o modo como as sociedades com viés mais socialista resistem ao império e às retaliações. Então, você vê na América do Sul, na Venezuela, na Bolívia, no México, a batalha que está acontecendo entre o ‘mal puro’ de Bolsonaro e do [presidente Iván Duque] Márquez, da Colômbia, contra a Revolução Bolivariana...”, exemplificou. “E não importa se [a revolução] é de Bolívar ou Che Guevara, não importa de quem seja, mas, pelos últimos cem de anos, as pessoas têm tentado descobrir como enfrentar o poder do monarca e permitir que ele seja devolvido ao povo”.

As pessoas têm tentado descobrir como enfrentar o poder do monarca e permitir que ele seja devolvido ao povo.

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O ex-integrante do Pink Floyd ressaltou a luta do povo chileno contra a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e a atual resistência ao neoliberalismo do presidente Sebastián Piñera. “Estão atirando para cegar os jovens”, lamentou, em referência ao uso da força policial contra manifestantes no país, que causou 360 lesões oculares em 2019.

Sobre o golpe contra Evo Morales na Bolívia, o britânico afirmou que a suposta fraude eleitoral foi um pretexto para o imperialismo se apropriar dos recursos minerais. “O grande erro da Bolívia foi ter encontrado lítio”, ironizou.

Waters também discorreu sobre a luta do povo palestino, que conheceu em visita ao Oriente Médio em 2006. “Ficou claro que eu não poderia descansar enquanto não houvesse alguma medida para garantir os direitos humanos naquela região”, lembrou. “E está cada vez pior. [Israel] tornou-se um Estado fascista, baseado na supremacia branca, disposto a destruir a população originária. É um genocídio”.

Ao resumir quais são as suas crenças e onde deposita sua esperança, o músico britânico disse que acredita na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas na França em 10 de dezembro de 1948.

Vijay Prashad finalizou a entrevista sugerindo aos espectadores que leiam o documento enquanto ouvem o disco The Dark Side of the Moon, obra-prima do Pink Floyd lançada em 1973, com todas as letras assinadas por Roger Waters.

Edição: Rodrigo Chagas