Rio Grande do Sul

Coluna

As diversas distâncias na educação “EaD” dos nossos filhos na quarentena

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"Estima-se que 40% dos estudantes brasileiros não tenham acesso a computador" - Reprodução
É preciso compartilhar valores de coletividade, solidariedade, cuidado de si e dos outros

Escrevo esta coluna enquanto meu filho de 13 anos passa o aspirador na casa, uma das suas novas atividades domésticas desde o início da quarentena e do isolamento social em razão do novo coronavírus – refletindo e tensionando em certa medida os resquícios de servidão e a definição de papéis de gênero naturalizados também no nosso dia a dia familiar.

Além desses aprendizados, que para mim são os maiores e já valeu nosso rigoroso isolamento social, com as aulas e as atividades escolares não presenciais ele tem sido incluído no mundo digital e web de maneira muito acelerada – com textos bem editados no Word, com lives simultâneas para criar a ambiência de sala de aula e com pesquisas em um contexto de hipertextualidades, no entanto percebo que essas possíveis “vantagens” não podem servir para legitimar e reproduzir privilégios, já que do outro lado milhares de crianças e adolescentes estão sem contato algum com os estudos e com internet neste momento no verdadeiro Brasil. Educação ou é para todos ou não é para ninguém.

Para compreender a realidade dos estudantes, o Conselho Nacional de Educação (CNE) propôs uma consulta pública sobre a reorganização dos calendários escolares e as aulas não presenciais por conta do novo coronavírus, induzidos pela Medida Provisória nº 934 que flexibilizou a distribuição das 800 horas obrigatórias independente dos 200 dias exigidos pelo MEC. O parecer que o CNE apresentou, posteriormente, apontou importantes pontos em relação às desigualdades das redes e das necessidades dos alunos das escolas públicas, mas optou por considerar como carga horária válida as aulas remotas que têm acontecido com parte dos alunos brasileiros, via de regra, das instituições privadas e os que têm computador, internet e saneamento em casa. Mas quantos alunos estão sem aula neste momento? Não se sabe, mas estima-se que 40% dos estudantes brasileiros não tenham acesso a computador. Nesse sentido, representações de professores e pais de vários estados têm acionado o Ministério Público por não concordarem com as assimetrias criadas e reproduzidas com a política de flexibilização do ensino presencial em virtude das realidades tão distintas entre os escolares.

Pesquisa aponta opinião de mães e pais

A Associação Mães e Pais pela Democracia (AMPD), com atuação em Porto Alegre, fez uma pesquisa de opinião online com 100 mães e pais e promoveu alguns debates sobre esse tema no mês de abril. Nota-se que mesmo com Decretos em vigor há um crescente relaxamento do isolamento social em relação ao início da quarentena, no entanto as famílias da AMPD são contrárias ao retorno das aulas escolares de forma imediata e em massa e querem discutir amplamente como isso acontecerá e pedem por protocolos sanitários e medidas de prevenção nas escolas. Ponderam, igualmente, sobre as dificuldades impostas pelo intenso frio que se avizinha no RS e que se estenderá até agosto, somado a outras enfermidades típicas do inverno e ao perfil de alguns estudantes e professores – com doenças respiratórias ou doenças crônicas.

Percebem uma grande diferença entre as modalidades de aulas não presenciais e à distância neste período de pandemia do coronavírus – entre as escolas públicas e privadas, potencializando as desigualdades já postas entre os alunos a partir da renda familiar, da classe, da cor, do gênero, do território. Além do mais, entre as diferentes redes de escolas privadas há vários modelos de aulas não presenciais e tipos de plataformas que estão sendo utilizados, constituindo-se também em assimetrias entre as escolas e redes nas diferentes experiências de aulas mediadas com as tecnologias e na relação aluno-família-escola-professor. Por essa razão, as famílias pesquisadas entendem que é necessário investir em plataformas e em aulas à distância para a rede pública, prioritariamente, e na privada e trazem como boa prática a metodologia de aula não presencial que está sendo implementada pelo Colégio Marista Rosário em Porto Alegre, embora alguns achem que tem “muito conteúdo” para um contexto tão atípico.

Não obstante, menos de 30% dos pesquisados terem filhos em escolas públicas, a quase totalidade, 95%, falam que os seus filhos têm tido aulas/atividades online, embora somente 61% deles têm atividades todos os dias nesse período de pandemia. Mas há muita diferença entre a quantidade de horas diárias de atividades e a qualidade/interface tecnológica e de conhecimento entre as escolas privadas, mas outras variáveis também podem concorrer para essas disparidades como o valor da mensalidade da escola e a filosofia pedagógica. As escolas públicas, por outro lado, utilizam, quando apresentam alternativa, não raro, as redes sociais Facebook e Whatsapp para manter algum vínculo e passar tarefas para os alunos – com muita dificuldade de acesso tanto de professores quanto de alunos. Embora a “educação à distância” nas escolas seja a regra, nem todos têm a mesma distância e acesso às aulas e à qualidade de ensino.

Somado a isso, 38% das mães e pais mencionam que uma das barreiras encontradas para as aulas não presenciais dos filhos, a maioria do Ensino Fundamental na amostra, é a falta de tempo para acompanhá-los ou ajudá-los nas atividades em razão de teletrabalho e de homeoffice. Imaginem a dificuldade e a sobrecarga de trabalhos dos professores que precisam fazer live todas as manhãs para diversas turmas em uma ou mais escolas de vários níveis de ensino. Já presenciei o filho pequeno de uma professora gritando no vídeo enquanto ela dava aula online para o meu filho. Isso definitivamente não é qualidade de vida no trabalho.

De todo modo, o público entrevistado se diz satisfeito (55,7%) com as aulas não presenciais dos seus filhos, embora estejam preocupados com as desigualdades entre as redes. Para a volta às aulas, entendem que será necessário aumentar os testes em relação a covid-19, garantir EPIs e treinamento para o uso desses equipamentos para todos os profissionais das escolas, alunos e familiares, promover segurança e higiene nos espaços compartilhados e estruturar um plano com estratégias de retorno mediado – aulas não presenciais e presenciais, levando em conta as necessidades, as dificuldades e os riscos dos alunos. Todavia, 47% afirmam peremptoriamente que não pretendem levar seu filho na escola até que a OMS libere ou indique flexibilização do isolamento a partir de critérios e protocolos objetivos.

Derrota Movimento Escola Sem Partido

Mesmo com a derrota cabal do Movimento Escola Sem Partido junto ao STF, no dia 24 de abril último, no julgamento em sessão virtual da ação em que a Procuradoria Geral da República (PGR) questionava a constitucionalidade da Lei 1.516/2015 “antigênero” do Município de Novo Gama/GO, preocupa as mães e pais da AMPD que os meios das novas pedagogias escolares, o contexto político “reinante” e os efeitos simbólicos deste movimento que defende o pensamento único na escola firam as liberdades de aprender e ensinar e a pluralidade de ideias nas escolas. Novas tecnologias de censura podem ser implementadas com soluções simplistas a exemplo de aulas centralizadas em cartilhas, gravadas e focadas no professor que só “passa conteúdo”. Vale lembrar que dentre tantas leis aprovadas, derrubadas e arquivadas no país com viés antidemocrático e conservador nas escolas, foi aprovada a lei do Escola Sem Partido em Porto Alegre, mas barrada na sequência por liminar que vige do SIMPA - baseada no pedido de audiência pública da Mães e Pais pela Democracia à Câmara Municipal de Porto Alegre - no fim do ano passado.

Debate das mensalidades das escolas privadas

Outro tema de suma importância atrelado à discussão da aceitação ou não da carga horária do ensino remoto para os “privilegiados” é o das mensalidades das escolas privadas. Ressalta-se, ainda, que mais de 40% dos pais entendem que a redução das mensalidades é importante seja de forma linear seja focada nas necessidades das famílias mais prejudicadas economicamente com a pandemia ou pós-pandemia. Mas um terço considera que investimentos em tecnologias devem ser priorizados pelas escolas privadas e, por isso, não querem a redução das mensalidades imediatamente, além de temerem a demissão de professores e funcionários.

Tais problemas podem ser amenizados com o projeto de lei proposto na ALRS pela deputada Luciana Genro e pelos deputados Edson Brum e Thiago Duarte - que atrela possíveis demissões e reduções de custos operacionais com redução nas mensalidades de escolas e instituições de ensino superior. Porém nós, mães e pais, precisamos estar vigilantes sobre isso nas escolas dos nossos filhos e para que famílias com mais necessidades não sejam desfavorecidas porque descontos foram concedidos como política para todos indiscriminadamente, o que já começa a acontecer em muitas escolas atualmente.

Mas, afinal, como reduzir as distâncias sociais entre os alunos das escolas públicas e privadas, já que há várias pedagogias e políticas em curso que, inclusive, consideram como carga horária o “EaD” oferecido por algumas escolas? Sobre isso, ainda está faltando a regulamentação pelos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação do RS. Será que seria necessário cancelar o ENEM? Essa parece ser uma das soluções para reduzir as desigualdades que separam as diversas educações à distância que definem quem permanece estudando, acessa o direito à educação e acessa outros direitos. Aulas via TVE e Rádio Cultura poderiam mitigar o problema dos alunos das escolas públicas estaduais como propôs o projeto de lei da deputada Juliana Brizola na ALRS? Alguma coisa precisa ser feita, pois manter as coisas como estão poderá acentuar ainda mais as desigualdades digitais, sociais, culturais e econômicas dos estudantes brasileiros, prejudicando o desenvolvimento dos educandos e o acesso ao conhecimento.

É preciso compartilhar valores de coletividade e solidariedade

É preciso igualmente clamar por uma reorganização das 800 horas neste ano escolar de forma presencial para garantir o ensino para todos, o que, mesmo assim, não reduzirá as “vantagens” e os desgastes já adquiridos pelos alunos que tiveram aulas e atividades improvisadas ou não pela mediação tecnológica, em um contexto de intenso estresse e insegurança, com apoio de seus pais-professores, assegurando um processo de ensino-aprendizagem mais democrático e com menos sofrimento.

Todas nós mães trabalhadoras com filhos pequenos estamos fazendo reuniões online com o filho chorando ou necessitando de atenção, como também é o meu caso, já que neste caso nem a babá eletrônica resolve. Não é possível seguir assim como se não tivéssemos em um momento excepcional da humanidade e como se não tivéssemos que superar exatamente esse conflito que nos leva à sociedade do cansaço e do esgotamento em tempo “normais”.

Por fim, acredito que são tempos da gente se fazer diferente e de compartilharmos nossos valores de coletividade, solidariedade, de cuidado de si e dos outros com os nossos filhos. Reflitamos com eles como deve ser a quarentena de crianças que têm pais que ou não podem cumprir a quarentena ou cumprem com a presença constante da fome e com a necessidade da solidariedade e pensem como será o futuro pós-pandemia. E que possamos valorizar cada vez mais os professores! Pedagogia, a ciência, a escola e os professores fazem muita falta e mudam as nossas vidas definitivamente, especialmente se forem para todos!

Edição: Katia Marko