Coluna

As reservas do projeto bolsonarista

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Os militares têm ampliado gradativamente sua presença e seu apoio ao governo de Jair Bolsonaro - Fernando Frazão/Agencia Brasil
A estratégia neofascista do movimento bolsonarista é a conquista do poder com a mudança de regime

O horizonte desenha uma grande tragédia. Já não é absurdo prever que, nas próximas semanas, poderemos nos tornar o epicentro mundial da pandemia de covid-19. Na medida em que o vírus se propaga para os lugares mais vulneráveis, as posições de Jair Bolsonaro adquirem um caráter verdadeiramente genocida.

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A dúvida que assalta todos é saber se Bolsonaro sobreviverá politicamente ante um crime de tamanha proporção.

Recente artigo de Felipe Sena, “Cartas na Mesa”, aponta com muita acuidade que Bolsonaro utiliza-se do blefe como tática para ganhar tempo, ocupar posição e fortalecer-se. É correto.

Apesar de enfrentar uma crescente perda de base e desgaste institucional, o neofascismo segue avançando e se mantém no centro do cenário político, banalizando a cada dia seus métodos e objetivos.

Recordemos, mais uma vez, que a estratégia do movimento bolsonarista como projeto neofascista é a conquista do poder com a mudança de regime. E para isso conta com reservas importantes. Tentemos identificá-las.

Apoio dos militares

A primeira é o apoio dos militares. Intercalando constantes declarações ambíguas ou conciliadoras, objetivamente, esses ampliam gradativamente sua presença e apoio ao governo. Recordemos que Bolsonaro tem forte representatividade no suboficialato e nas polícias militares estaduais. Por sua vez, o núcleo duro dos militares, concentrado no Exército, é composto por dedicados estudiosos dos conceitos de estratégia cuja coesão é assegurada, de um lado, por uma aliança geopolítica subordinada aos Estados Unidos; do outro, pelo saudosismo à ditadura militar. Por consequência, seu objetivo passa também por desenvolver ações de sucessiva aproximação ao projeto totalitário e pela necessidade de uma liderança legitimadora com apoio popular.

O objetivo [dos militares] passa também por desenvolver ações de sucessiva aproximação ao projeto totalitário e pela necessidade de uma liderança legitimadora com apoio popular.

Esse é o contexto que solidifica a aliança militar com o movimento bolsonarista, como demonstra a recente carta pública do vice-presidente Hamilton Mourão.

Base social

A segunda reserva política é sua base social. Apesar de perder apoio especialmente na classe média, uma incógnita permanece sobre os
possíveis avanços do bolsonarismo em setores populares. Tanto em razão do Auxílio Emergencial, como sinalizam algumas pesquisas, quanto do impacto de seu irresponsável ataque ao isolamento social que atrai ambulantes, autônomos, pequenos empresários e trabalhadores assustados com o desemprego.

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Receios da burguesia

A terceira está assentada nos limites de sua principal força de oposição. As representações burguesas liberais que se opõem a Bolsonaro na
defesa do isolamento social são vacilantes, não querem correr riscos num momento de tantas incertezas. Temem um Bolsonaro que resista e mobilize
seus grupos e temem as advertências dos militares. Ou seja, sem a entrada em cena das classes trabalhadoras, dificilmente as representações burguesas que lideram a oposição serão capazes de levar o afastamento até as consequências finais.

Sem a entrada em cena das classes trabalhadoras, dificilmente as representações burguesas que lideram a oposição serão capazes de levar o afastamento até as consequências finais.

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Fascismo germinando no caos

Por sua vez, a quarta reserva do bolsonarismo é cercada de grandes incertezas. Apesar do país caminhar para a posição de possível epicentro mundial da pandemia devido à irresponsabilidade do governo federal, o impacto social e o choque ante uma tragédia inimaginável de mortos não implicam, necessariamente, no surgimento de mobilizações contra o governo. Importante atentar que o fascismo germina no caos e uma situação de choque
social em meio à pandemia dificilmente levará as pessoas às ruas, forçando um tardio e rígido isolamento social. Além disso, em situações como essa, o aparato logístico das Forças Armadas ganha relevância e, consequentemente, legitimidade.

Embora não se possa caracterizar como uma reserva, há uma questão ainda mais preocupante que apenas se esboça nos cenários de futuros prováveis. Os impactos econômicos tendem a forçar as diversas frações burguesas a buscar no Estado a recomposição de suas taxas de lucro. À nenhuma delas interessa dividir esses recursos financeiros com a população.

Os impactos econômicos tendem a forçar as diversas frações burguesas a buscar no Estado a recomposição de suas taxas de lucro.

Tal contexto favorece o apoio de frações burguesas a governos autoritários e repressivos, capazes de implementar medidas que aprofundem e sustentem
extrema desigualdade.

Diante de possibilidades tão terríveis, devemos intensificar ao máximo nossa luta contra o Bolsonaro: apostar no seu impedimento, buscar desgastá-lo e denunciar sua responsabilidade pelas mortes. Para tanto, é preciso fazer alianças pontuais com todos os setores que querem seu afastamento, a defesa da democracia e o necessário isolamento social. Isso não impõe a necessidade de construir uma “Frente Ampla”, o que é apenas uma aliança pontual em torno de objetivos definidos. A Frente Política necessária é aquela que reúna as forças capazes de empunhar um programa que aponte mudanças estruturais e que contemple os aliados históricos do proletariado em torno de objetivos claramente antimonopolistas, antilatifundiários e anti-imperialistas.

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As forças de esquerda serão capazes de uma inflexão tão profunda somente com a retomada do debate estratégico, que segue menosprezado e substituído pelo ativismo imediatista. O momento atual é grave e os riscos trágicos.

*Ricardo Gebrim é advogado e membro da Direção Nacional da Consulta Popular.

Edição: Camila Maciel