Direitos

Artigo | O impacto do Teto dos Gastos na vida de crianças e adolescentes

Os cortes e contingenciamentos gerados pela EC 95 atingem diretamente as crianças, adolescentes e mulheres negras

Brasil de Fato |
A continuidade desta Emenda com a falácia de que resolverá o problema da crise financeira, é concordarmos com a piora desta realidade para as crianças que estão nas periferias de nosso país - Fernando Frazão/Agência Brasil

A Emenda Constitucional (EC) nº 95, desde a sua edição em 2016, tem contribuído para ampliar o universo de pobreza e o não acesso aos direitos humanos de crianças e adolescentes, como a saúde, a educação, a assistência social e os demais direitos básicos.

É notório o quanto tivemos importantes pioras nos indicadores sociais de pobreza e extrema pobreza nos últimos anos. Um dos indicadores que, há muito, havíamos superado a ascendência da curva é da mortalidade infantil. No entanto, em 2016, tivemos um crescimento de 2,4%, passando de 12,4 para 12,7 de crianças mortas por 1000 nascidos vivos. Além dos dados de homicídios que atingem mais fortemente os adolescentes e que crescem numa escala geométrica, tendo sido registrado, no ano de edição da EC 95, 11,6 mil homicídios de crianças e adolescentes no país.

De acordo com o Relatório “Pobreza na Infância e Adolescência”, publicado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em 2018, as crianças e adolescentes negras são as principais afetadas, pois “registram taxa de privação não monetária de 58%, em comparação com 38% dos brancos; e taxa de privação não monetária extrema de 24%, em comparação com 13% dos brancos”.

Diante da realidade apresentada, torna-se necessário mensurar o impacto das políticas e do contexto sócio-político na vida das crianças e adolescentes mais empobrecidas e que, portanto, sofrem mais duramente o impacto de uma política de austeridade e de cortes de recursos em áreas essenciais.

Numa análise da série histórica dos orçamentos públicos – nos anos de 2010 a 2019 –, voltados para crianças e adolescentes, especificamente os recursos investidos na subfunção orçamentária “Assistência à Criança e ao Adolescente”, é possível depreender uma queda vertiginosa dos recursos, saindo da ordem de mais de RS$ 1 bilhão, no ano de 2010, para menos de R$ 200 milhões em 2019. Nesta subfunção, estão presentes importantes ações para o enfrentamento à violência sexual; para o fortalecimento do Sistema de Garantias de Direitos; para o fortalecimento dos Conselhos Tutelares; para a Construção, Reforma, Equipagem e Ampliação de Unidades de Atendimento Socioeducativo e outras.

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Destacamos aqui a Política de Enfrentamento a Violência Sexual em que no ano de 2017 houve uma redução da execução orçamentária na ordem de R$ 2,61 milhões em relação ao ano de 2016, correspondendo, em termos percentuais, a uma redução de aproximadamente 97% do investimento.

Esta é uma pequena amostra dos significativos impactos da política de austeridade na vida de crianças e adolescentes. É urgente a necessidade de revogação da Emenda do Teto dos Gastos, pois os prejuízos são desastrosos e tem provocado a morte de milhares de crianças e adolescentes, e ainda trazido inúmeras vulnerabilidades para outras tantas.

O país não pode manter uma Emenda como esta sem medir os enormes impactos sociais. Pactuarmos com a continuidade desta Emenda com a falácia de que resolverá o problema da crise financeira, é concordarmos com a piora desta realidade para as crianças que estão nas periferias de nosso país. Quem paga com as medidas adotadas não é todo o país. Os cortes e os contingenciamentos atingem diretamente os mais empobrecidos que, em sua maioria, são as crianças, adolescentes e mulheres negras. Esta é mais uma política racista que existe para manter os privilégios de poucos.

Temos que nos perguntar: a quem interessa a austeridade? Austeridade para quem?

* Talita Maciel é advogada do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente no Ceará e integrante da Coalizão Antiausteridade

Edição: Rodrigo Chagas