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LITORAL

“As famílias querem moradia digna para nossas crianças”, diz moradora da Ilha do Mel

Relato mostra absurdo de ação de “fiscalização” com mais de 100 policiais durante a pandemia

Curitiba (PR) |
Moradores foram reprimidos em operação que contou com mais de 100 policiais - Foto: Giorgia Prates / Diagramação: Vanda Morais

“Foi um absurdo isso acontecer em plena pandemia, chegar mais de 100 policiais. A comunidade toda ficou revoltada. Nós passamos anos e anos largados com no máximo dois policiais na Ilha. Nem na Operação Verão vem esse tanto de polícia aqui,” relata Manuela Ribeiro, moradora da Ilha do Mel desde que nasceu. Ela fala sobre a ação policial que aconteceu na manhã da quinta, 21, para, segundo a polícia, cumprir mandado de fiscalização ambiental por conta de denúncia do Ministério Público de Paranaguá. A ação ocorreu em área ocupada por comunidades tradicionais da região, com a alegação de crime ambiental. Porém, no local há autorização para moradia.

Os advogados que defendem as famílias denunciam que a ação foi desproporcional e contraria, inclusive, recomendações de não haver aglomeração em virtude da pandemia. Flávia Rossito, advogada que defende as famílias, explica que a ação está criminalizando as comunidades. “Esses moradores reivindicam direito à moradia, direito ao território no lugar que sempre viveram. O que está acontecendo é que o estado está desconsiderando o decreto judicial 244/2020 que suspende as reintegrações de posse durante a pandemia”, explica. Para ela, “a saída encontrada pelo estado foi entrar na ilha imputando crimes ambientais para legitimar ação policial.”

Filha da Dona Maria Ivete Ribeiro e do já falecido Murici Gostinho, um conhecido pescador da região, Manuela mora na casa da mãe com mais nove pessoas. Por ainda não terem regularização da moradia, a casa está em condições precárias, pois não podem fazer reformas. No dia que foram surpreendidos pela ação policial, o sentimento foi de tristeza porque, segundo ela, “sempre moramos na Ilha do Mel e fomos tratados como bandidos”.

“Meu sentimentos são movidos hoje pelo bem-estar do meu  filho. Aliás, todas as famílias querem isso, uma moradia digna para as nossas crianças”, diz Manuela. Desde 2007, as 35 famílias que ocupam a área já demarcada pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) para assentamento dos nativos da Ilha do Mel pedem realocação. A maior parte das famílias ocupa casas em mais de 15 pessoas e cerca de 90% com crianças pequenas.

Manuela disse que gostaria de fazer apenas uma pergunta ao promotor que ordenou a ação: “Por que a agilidade na ordem para nos retirar dos lotes sem sequer vir saber qual a nossa situação”? A ação, no entanto, pode ser já consequência do interesse do estado em transformar a Ilha do Mel em região de especial interesse ambiental e turístico do Paraná.

No dia 27 de abril, o governador Ratinho Jr (PSD) enviou à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei 262/2020 com essa proposta. Dentre as alterações, o PL quer adequar a reintegração de posse ao estado, e não mais ao  IAP. Mas o projeto ainda não foi votado.

Tadeu Veneri adia votação de PL

O deputado estadual Tadeu Veneri (PT) apresentou requerimento para a retirada por dez sessões do projeto que altera as regras de ocupação do solo e zoneamento ambiental na Ilha do Mel. O pedido de Veneri foi negado por 39 votos a 13 pelos apoiadores de Ratinho Jr., mas o deputado apresentou pedido de vistas e a votação foi suspensa, mas pode ocorrer a qualquer momento.

Veneri justificou que o debate do projeto deveria ser mais amplo, o que é impossível durante esse período de pandemia. Um dos itens não especificados no projeto, por exemplo, é qual o impacto financeiro da medida. “Neste aspecto, o projeto é inconstitucional”, diz o deputado.

Resposta do IAP

Em resposta ao Brasil de Fato Paraná, a assessoria de comunicação do Instituto Ambiental do Paraná disse que “no dia 9 de maio (sábado) foi constatado pelos técnicos do Instituto Água e Terra e pelo Batalhão da Polícia Militar Ambiental crimes ambientais em andamento com a destruição de vegetação em lotes remanescentes na Ilha do Mel. Fato esse de conhecimento do Ministério Público do Paraná que, em contato direto com a Polícia Militar, solicitou providências no sentido de coibir o andamento dos crimes ambientais na ilha e das invasões.”
 

Edição: Gabriel Carriconde