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População LGBTI+ demanda inclusão no mundo do trabalho para combater discriminação

Para Dê Silva, do MST, não é possível pensar em integrar essas pessoas na sociedade sem passar pelo trabalho

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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"Sem ter trabalho, é muito difícil para que essas pessoas possam se colocar na sociedade”, defende a militante do Coletivo LGBTI+ do MST - Pau Barrena/AFP

Pensar na inclusão integral e efetiva da população LGBTI+ na sociedade passa, invariavelmente, por incluí-la no mercado de trabalho de forma igualitária. É partindo dessa premissa que ocorreu, na manhã desta quinta-feira (25), o debate online “LGBTI+ e o mundo do trabalho”, organizado na Semana do Orgulho e Resistência, promovida por aproximadamente 30 organizações ligadas à temática. 

Dê Silva, pedagoga e Coletivo LGBTI+ do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), participou do debate e destacou a importância de pensar as relações com a vida de subsistência, uma vez que “sem ter trabalho, é muito difícil para que essas pessoas possam se colocar na sociedade”. “Isso tem a ver com como as pessoas se colocam e como são vistas em todo esse contexto social do trabalho e como isso está ligado a nossa aceitação na sociedade.”

Silva relata que “as pessoas são distanciadas dos postos de trabalho” devido à discriminação na hora da contratação e até mesmo antes, durante a inserção no mercado de trabalho por meio da capacitação. "A condição que elas têm de trabalho nem é vista, a relação que muitas travestis e transsexuais têm com o trabalho nem é vista como trabalho porque para muitas pessoas a única forma de trabalho nessa sociedade é a prostituição”.

A condição que elas têm de trabalho nem é vista.

Na mesma linha, Ubirajara Caputo, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e militante do movimento LGBTI+, tal análise permite entender sobre as necessidades de avanços para o movimento. Ele explica que as melhoras nas negociações coletivas envolvendo trabalhadores LGBTI+ estão diretamente ligadas aos avanços na legislação. Na dianteira desse progresso, Caputo destaca o papel do Supremo Tribunal Federal

No começo de maio, por exemplo, o STF decidiu derrubar as restrições do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) à doação de sangue por homens gays. Até então, os bancos de sangue rejeitavam a contribuição de homossexuais que tinham feito sexo com outros homens nos 12 meses anteriores à coleta.

Esse também é o entendimento das cerca de 30 organizações que promovem os debates desta semana. “Enquanto o Legislativo e o Executivo se omitem em aprovar leis e consolidar uma política de Estado na garantia dos direitos desta população, o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição Cidadã de 1988, vem na vanguarda, reconhecendo a omissão do Legislativo e do Executivo, equiparando o crime contra LGBTI+ ao racismo, e, mais recentemente, derrubando a restrição de doação de sangue por esta população”, diz um trecho do manifesto.

Caputo destaca alguns momentos importantes da história recente abarcados por mudanças na legislação que foram determinantes para o âmbito das negociações coletivas, como o reconhecimento de companheiros do mesmo sexo no tocante à dependência, por exemplo, no Imposto de Renda; o reconhecimento de união estável pelo STF, a exigência do Conselho Nacional de Justiça para a celebração de casamentos em cartórios; e a licença de afastamento do trabalho por motivos de adoção de filhos.

Apesar dos avanços exemplificados por Caputo, Priscila Morégola, que é advogada e vice-presidente da Comissão de Diversidade e Gênero do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias (IBDFAM), caracteriza-os como tímidos. 

“Sendo pessoas sujeitas de direitos, hoje o que temos com relação à população LGBTI+ ao mercado de trabalho? Não temos nem uma legislação que obrigue e determine que as empresas contratem e capacitem população LGBTI+ para o ingresso, principalmente, a população transsexual e travesti”, cujo percentual de 90% trabalha nas ruas, segundo a advogada.

Morégola ressalta que aqueles que conseguem adentrar ao mercado de trabalho não conseguem, no entanto, se manter por muito tempo, devido à discriminação que sofrem no trabalho, na forma, muitas vezes, de assédio moral.

Semana do Orgulho e Resistência

A Semana do Orgulho e Resistência, que ocorre entre os dias 23 e 28 de junho, conta com atrações culturais, debates, manifestações políticas, além do lançamento do Conselho Popular Nacional LGBTI+. Todas as atividades serão transmitidas por meio da página oficial do conselho no Facebook.

As datas escolhidas coincidem com o Mês do Orgulho LGBTI+ e com a revolta de Stonewall, ocorrida em Nova York, no dia 28 de junho de 1969, quando um grupo ligado ao movimento enfrentou a violência sofrida decorrente de ações policiais

No Brasil, e em outros lugares do mundo, a situação ainda não é diferente. De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), o país é considerado o campeão no ranking de crimes contra a população LGBTQI+. Entre janeiro e abril deste ano, a violência contra a população transgênera aumentou em 58% em relação ao mesmo período de 2019. 

Edição: Rodrigo Chagas