CORONAVÍRUS

No Recife, 2 em cada 3 novos casos de covid-19 ocorrem entre negros

Levantamento por etnia e idade começou a ser feito em maio; cidade tem mais de 20 mil casos da doença

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Vasco da Gama tem 65% da sua população autodeclarada negra ou parda - Aliny Gama

Cerca de metade dos casos de covid no Recife foram detalhados em termos de etnia/idade. Deste total, 67%, ou quase 2/3, são de negros ou pardos.

O levantamento vem sendo feito desde meados de maio, após a aprovação do Projeto de Lei do vereador Ivan Moraes (PSOL). No total, a capital pernambucana havia registrado 20.156 casos até a quarta-feira (24), sendo que 9.898 contêm dados de etnia/idade e outros 10.200, não.

Entre os 9.898 casos detalhados, 62,2% (6.157 casos) foram em pessoas que se identificam como pardas e 5,4% (534 casos) em pessoas que se identificam como pretas, totalizando 67,6% (6.691 casos) em pessoas negras. Outros 26,7% (2.648 casos) são de pessoas brancas, 5,5% (549 casos) em pessoas que se identificam como amarelas e 0,1% (14 casos) indígenas. 

Do total de diagnosticados, 16.366 (81,1%) já estão recuperados, 1.743 (8,6%) resultaram em morte e outros 2.056 (10,2%) seguem em tratamento, hospitalizados ou em casa. Aproximadamente 1,2% de toda a população do Recife já foi diagnosticada com coronavírus. É a maior taxa em Pernambuco.

Pobreza

Em pronunciamento na última segunda-feira (22) o vereador comparou a propagação do vírus em diferentes bairros no intervalo entre abril e junho, concluindo que nos bairros de padrão econômico mais elevado o ritmo de crescimento é bem menor.

“Entre os bairros mais pobres, com renda per capita abaixo de R$350, o número de casos foi multiplicado em cinquenta vezes num intervalo de dois meses e meio”, disse o vereador. “Não é hora de reabrir. Não há normalidade para isso.”

O agente comunitário de saúde Filipe Araújo, que atua no bairro do Vasco da Gama, periferia na zona norte do Recife, resume que os números são resultado da falta de acesso a direitos básicos como acesso a água encanada e sistema de esgoto por parte da população periférica, que é majoritariamente negra.

“Aqui, grande parte da população vive em situação de vulnerabilidade social e econômica. Não é fácil viver num bairro periférico num momento que pede isolamento social”, diz ele, mencionando ainda que o surgimento do programa de agentes comunitários de saúde foi uma forma de responder às elevadas taxas de mortalidade infantil nas periferias.

Araújo destaca alguns fatores que favorecem a disseminação mais rápida do vírus nos bairros da periferia. Um dos fatores é o transporte público, que mesmo no período de isolamento social mais rígido, quando menos gente circulava e havia uma rara oportunidade de manter uma distância segura dentro dos ônibus, isso não se cumpriu. “As empresas acabaram reduzindo o número de veículos em circulação e manteve a aglomeração”, lamenta.

Araújo lembra ainda que no início da pandemia, parte da população das periferias tratou a doença com desdém, mas o comportamento mudou e há mais cuidados que antes, só não foi possível sustentar o isolamento social, pelos motivos já mencionados. “Era comum ouvir da população que a covid-19 era ‘doença de rico’ e muitos também caíram na conversa de Bolsonaro de que era ‘só uma gripezinha’. Na periferia as pessoas só começaram a ser mais cuidadosas quando começaram a morrer pessoas próximas, infelizmente”, avalia.

Segundo Araújo, no bairro em que mora e trabalha, o Vasco da Gama, as pessoas levaram um susto e passaram a encarar a pandemia com seriedade quando circularam fotos e vídeos de socorristas paramentados buscando uma moradora do bairro com suspeita de covid-19. “Saiu nos jornais e na TV. Nos dias seguintes as pessoas ficaram mais em casa, mas aos poucos foram voltando para a rua”. Ele observa que, apesar da falta de fiscalização do poder público, os estabelecimentos comerciais têm tomado alguns cuidados, como o fornecimento de álcool em gel.

Mais casos graves

As estatísticas apresentadas pelo Cievs também apontam que enquanto os negros e negras correspondem a 67,6% dos casos mais recentes, ao detalhar os casos leves e graves percebe-se que é mais comum a evolução para casos graves na população negra. Entre os 7.707 casos leves detalhados, os pretos e pardos respondem por 5.061 (65,7%) dos casos. Mas entre os 2.191 casos graves (SRAG) mais recentes no Recife, 1.630 (74,2%) são em pessoas pretas ou pardas.

Na avaliação do profissional de saúde, o agravamento de doenças nesta população é também resultante do quadro de insegurança alimentar e nutricional. “Em média quem mora em bairro periférico tem alimentação de pior qualidade e é menos nutrido que a população de classe média. Isso reduz a nossa imunidade”, pontua Filipe Araújo. Novamente mencionando o direito a água, ele destaca que “aqui também vivemos enfrentando outros problemas simultaneamente, como os vírus da dengue, zika e o da chikungunya, todos consequências da falta de saneamento”.

Ele considera que os erros principais do poder público durante a pandemia foram não ter tentado produzir e distribuir máscaras para a população desde o início e não ter investido em “rastrear o vírus” a partir da testagem em massa. “As máscaras até que a população passou a adotar, com todos os erros e precariedades. Mas precisava ter buscado a compra e realização massiva de testes desde o início, ainda que se gastasse muito”, opina. “Só com a testagem em massa você consegue ter um ‘raio-x’ da realidade do bairro ou da cidade. É o primeiro passo para vencermos essa batalha. Sem sabermos quem está infectado, essas pessoas sintomáticas ou assintomáticas podem estar circulando e transmitindo o vírus para outras pessoas e não sabemos”.

 

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga e Rodrigo Durão Coelho