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Um rádio, duas pilhas, e são dois pra lá, dois pra cá

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Ouça o áudio:

Nesta semana, Mouzar Benedito traz um causo direito de sua juventude que ainda pode se encaixar nos dias de hoje, adaptando às tecnologias atuais - Foto: Rayan Almuslem/Unsplash
O Arlindo, emocionado, tirou o padeiro pra dançar.

Mexendo no telefone celular que fotografa, filma, manda e recebe fotos, filmes e mensagens, e tem outras funções, inclusive a de rádio, eu me lembro de uns tempos em que telefone era uma raridade e rádio também.

Eu mesmo, quando criança, ia ouvir rádio na casa de amigos mais ricos. Só chegou um aparelho de rádio na minha casa quando eu tinha 13 anos. Aos 15 anos, quando era caixeiro de uma loja de turco, que na verdade era libanês, eu achava um luxo trabalhar ouvindo rádio.

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E foi ouvindo esse rádio na loja que ouvi propaganda de rádio que funcionava a pilha. Fiquei abismado. Então já tinha aparelho de rádio que a gente podia ouvir até onde não tinha energia elétrica! Que coisa maravilhosa, eu pensava.

Meses depois apareceu na cidade um vendedor de bugigangas que tinha um rádio a pilha. Ligou o rádio no meio da praça e ficamos ali, um monte de gente, ouvindo admirados. 

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Conversando com gente da minha geração, nos lembramos de nossa admiração ao conhecer e ouvir pela primeira vez um rádio a pilha.

Um amigo, o Arlindo, morava em uma cidadezinha no Sul de Minas e ganhou um rádio a pilha quando já era rapaz. Ele gostava de música e de dança, mas tomava umas para ir aos bailes e, de vez em quando, alguma moça dava tábua nele, quer dizer, não aceitava o convite para a dança, por ele estar meio de fogo.

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No dia em que recebeu o presente, levou para a praça e ficou ouvindo e se exibindo para todo mundo, achando uma coisa chique demais.

Quando foi ficando tarde, a praça se esvaziou, não tinha mais ninguém ali, e o Arlindo se viu sozinho, sentado num banco e ouvindo música. Não achou graça. Queria compartilhar aquela maravilha. Mas com quem? Já era madrugada quando se lembrou de ir ao único lugar onde encontraria gente àquela hora: a padaria. O estabelecimento estava fechado, mas o padeiro estava trabalhando.

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Entrou com o rádio e os dois ficaram ouvindo música e bebendo umas cachaças. Dali a pouco, já estavam meio calibrados pelo álcool, começou a tocar um bolero que achavam muito bonito.

O Arlindo, emocionado, tirou o padeiro pra dançar. No meio da dança, sentiram um cheiro forte de pão queimado. Uma fornada inteira de pão foi perdida, porque o padeiro se distraiu na dança. E ele ficou injuriado, xingando o Arlindo:

-  A culpa é sua! Você não podia me tirar pra dançar!

O Arlindo respondeu:

- Minha, não! Você podia ter me dado tábua.

 

Edição: Lucas Weber