Pós-covid

Saúde da mulher estará mais exposta a doenças negligenciadas na pandemia

Sanitarista Adele Benzaquem alerta que exames, vacinas e procedimentos não estão sendo feitos.

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A consultora da OMS Adele Benzaquem apresentou estimativas do Imperial College, de Londres - Rede Brasil Atual

A consultora da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), a médica sanitarista Adele Benzaquem, disse hoje (15) que “é balela dizer que os serviços de saúde estão funcionando normalmente no Brasil".

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Em participação em debate promovido pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) e a União Brasileira de Mulheres (UBM), ela destacou que há muita dificuldade para mulheres e meninas brasileiras receberem cuidados. Benzaquem diz que, depois do estrago causado pela pandemia da covid-19, em decorrência da má gestão do sistema de saúde pública pelo Estado brasileiro, a saúde da mulher estará ainda mais exposta.

“É preciso tratar a saúde reprodutiva, materno e infantil como serviços essenciais, tanto em prevenção como em tratamento. Devemos, mais do que nunca, manter acesso, sem interrupção, à testagem e aos tratamentos para HIV, até para evitar a transmissão vertical. E manter testes de sífilis, vacinação contra de hepatite B, difteria e tétano, oferta de planejamento reprodutivo e procedimentos preventivos para câncer cervical e de mama. São necessários protocolos que priorizem esses serviços para que mulheres e crianças cheguem aos serviços com segurança”, recomendou.

Mas os serviços deixaram de testar e de atender as pessoas, que ficaram inclusive sem preservativos, segundo Adele. “Como consequência, é esperado o aumento do número de casos de HIV e DSTs, câncer cervical, de crianças com tétano e sífilis neonatal e de hepatite B. O que já era negligenciado agora está sendo ignorado. Essa apatia das políticas de prevenção, principalmente ao cuidado com HIV e DST, desde o início desse governo, está sendo agravada com a chegada da covid-19”.

Maior exposição

A consultora da Opas, braço da Organização Mundial da Saúde (OMS), apresentou estimativas do Imperial College, de Londres, sobre as consequências da interrupção do serviço. Entre elas, o aumento da mortalidade por HIV em 10%, pela tuberculose em 20% e de malária em 16% nos próximos cinco anos. A estimativa considera que, ao serem testadas tardiamente, as pessoas contaminadas pelo vírus tenderão a evoluir para aids, com uma progressão menos favorável à sobrevida.

Há estimativas também de que, durante a pandemia, 18 milhões de mulheres perderão o acesso regular a contraceptivos. E que a redução na oferta de serviços de saúde da mulher – reprodutiva, materna e neonatal –seja de 18% devido à pandemia. “Além disso, espera-se aumento de 235 mil mortes de criança e mortes de mais de 12,5 mil mulheres nos próximos seis meses. No Brasil o percentual de óbitos de gestantes com covid-19 é o maior na América Latina e Caribe.”

A saúde e a vida da mulher são impactadas pela pandemia também devido ao fato de serem maioria entre os profissionais de saúde (70%). São médicas, enfermeiras, auxiliares, nutricionistas, fisioterapeutas, profissionais administrativos, cozinheiras e faxineiras, mais expostas ao novo coronavírus dos que os homens. O risco aumenta, segundo Adele, porque muitos estados compram uniformes e equipamentos de proteção individual em tamanhos masculinos, inadequados para elas.

Ela destacou ainda a necessidade de garantir a essas profissionais o exame de PCR, considerado mais confiável para detectar a infecção pelo novo coronavírus. “Deveriam ser testados semanalmente, para que seja assegurada a sua biossegurança.”

Genocídio indígena

A grave situação de saúde indígena, acentuada pela insuficiência das respostas governamentais às demandas dessas comunidades, aumenta os riscos de extinção dessas populações segundo a médica. Além do descaso, há falta de transparência dos dados fornecidos pelo Ministério da Saúde quanto a infecção e óbitos pelo novo coronavírus. “Existe a ameaça de genocídio entre a população indígena. A Funai não desenvolveu nenhum protocolo para que os profissionais de saúde possam entrar nas terras indígenas. E muitas unidades de saúde não estão preparadas para o atendimento a essas pessoas contaminadas. Nos centros urbanos, estão a mercê de atendimento inadequado, marcado pelo preconceito e estigma de que eles são vítimas”.

Para completar, destacou, o auxílio emergencial não levou em consideração as especificidades e as dificuldades de acesso à internet pelos indígenas. Eles têm de se deslocar até a cidade em busca do auxílio e comprar alimento, mas acabam se infectando. “A Funai executou apenas 40% do orçamento das ações emergenciais. E o mais grave: Bolsonaro vetou 16 dispositivos da lei que institui cuidados contra a covid-19 para indígenas e outras comunidades tradicionais.

A situação, conforme a consultora da Opas, ganha maior dimensão com o fato de que 45% dos lares brasileiros são comandados por mulheres, segundo dados de 2018 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). E de que a atual crise econômica tende a se agravar com aumento da fome e da miséria. “A igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres deve começar por reconhecer que as mulheres são afetadas de forma diferente dos homens. Não basta olhar estatísticas que mostram que tem mais homens infectados pela covid-19 do que mulheres. É preciso entender os efeitos da covid-19 entre elas e criar políticas mais equânimes”.