PRÓXIMOS PASSOS

“A guerra continua”, prometem entregadores dos breques contra apps

Após duas greves, motoboys querem ampliar conscientização dos trabalhadores e aumentar pressão contra as plataformas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Entregadores de SP afirmam que protestos com participação de motoboys de todo Brasil estão sendo articulados para o início de setembro, em Brasília - Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Superexplorados em meio à pandemia do coronavírus, os entregadores de aplicativos protagonizaram duas paralisações inéditas nas últimas semanas. O movimento conhecido como “Breques dos Apps” chamou atenção nacional para as condições precárias de trabalho dos motoboys que atuam para plataformas como iFood, Rappi, Uber Eats e Loggi.

Os protestos do dia 1º contaram com atos e trancamentos de vias em diversas cidades do Brasil, resultando em atrasos de pedidos e diminuindo a quantidade de profissionais nas capitais. 

Segundo entregadores ouvidos pelo Brasil de Fato, ainda que menor, a paralisação mais recente, de 25 de julho, conseguiu manter a adesão nacional dos trabalhadores informais e fortalecer a mobilização por melhores remunerações.

“Os dois breques atingiram os objetivos que tinham, a princípio. No primeiro, queríamos mostrar pra todo mundo, pros aplicativos, que estávamos insatisfeitos. Para a população, chamamos a atenção dos jornais. Depois do primeiro breque vários aplicativos soltaram nota se explicando e tentando contradizer que estávamos falando”, afirma Diógenes de Sousa, que trabalha com entregas na capital paulista. 

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Ele destaca que no segundo breque, os efeitos também foram sentidos, principalmente nos shoppings centers da cidade. Tanto que, de acordo com relato do motoboy, as plataformas liberaram diversos cupons de desconto para tentar manter a normalidade.

Mas o diálogo por parte das empresas ainda não foi aberto. Diógenes acredita que, a exemplo da greve dos caminhoneiros de 2018, resultados mais efetivos serão sentidos conforme a pressão contra as empresas aumentar ainda mais. 

Para o entregador, a apresentação de diversos projetos de lei na Câmara dos Deputados, voltados diretamente para os trabalhadores informais, é uma prova de como os breques fizeram a diferença. 


Em São Paulo, motoboys fecharam Ponte Estaiada no primeiro "Breque dos Apps" / Foto: Pedro Strapasolas | Brasil de Fato

Entre as iniciativas, está o PL 1665/2020, do deputado Ivan Valente, que defende medidas protetivas para os empregadores durante a pandemia e o PL 3748/2020, da deputada Tabata Amaral. O projeto estipula um valor por hora, que não pode ser inferior ao piso da categoria ou ao salário mínimo, além de incorpora à remuneração total um pagamento proporcional de férias e décimo-terceiro.

Na opinião do entregador Leandro Melo, que trabalha há mais de dez anos como motoboy na zona Sul de São Paulo, o balanço dos breques também é positivo. A maior demonstração desse processo, para ele, é o apoio da população, que boicotou os aplicativos nos dias específicos da paralisação, assim como o apoio dos restaurantes e comércios.

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Uma das próximas etapas é continuar a abrir diálogo com os novos entregadores cadastrados e liberados pelas empresas em meio à pandemia, número que segue crescendo. Antes mesmo da chegada do coronavírus, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estimou que cerca de 4 milhões de brasileiros trabalhavam em aplicativos.

“Nossa rapaziada tem que estar na rua, pra estar gritando, pra todos terem um respaldo e ver que a maioria está se sensibilizando com tudo isso. Foi um sucesso. Tem que melhorar muito mas foi uma batalha vencida. O pessoal se comportou tão bem que ao invés de ir pra rua, ficaram em casa. Aderiram à greve dentro de casa”, diz Melo, sobre a greve do dia 25. 

3º breque: Rumo à Brasília

Os entregadores de São Paulo afirmam que há em curso uma articulação para que uma nova paralisação aconteça no início de setembro, concentrando os motoboys na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

A ideia, que já conta com grande apoio dos trabalhadores que atuam na capital federal, é que os custos do deslocamento coletivo seja bancado por meio de uma arrecadação virtual. Os detalhes serão afinados em reuniões nos próximos dias mas a previsão é que a mobilização aconteça dos dias 1 a 3 do próximo mês. 

"Vamos fazer carreata pra Brasília de vários estados do Brasil. Alguém terá que nos ajudar. Não temos continuar no fundo do poço. Vamos tentar organizar o máximo de cada estado. Os motoristas de Brasília serão a maioria, claro, mas vamos ser ouvidos por quem quer que seja. É uma pressão geral. Não temos mais a quem recorrer", ressalta o entregador Rafael Félix. 

Ele diz que a defesa de bandeiras como carteira assinada, por exemplo, não é um consenso entre os motoboys. Mas, o que está na horizonte da categoria de forma unitária é a melhoria imediata das condições de trabalho."Só queremos ter nosso trabalho valorizado. O motoboy quer decidir quanto tempo vai ficar na rua e saber quanto vai ganhar. A situação da categoria hoje é muito difícil. É uma escravização total. Tem pessoa rodando 10 km por R$9. O motoboy está pagando para trabalhar e isso em todos os aplicativos. Precisamos ir pra rua na pandemia para tentarmos sermos ouvidos por alguém. Estamos a Deus-d'ára". 

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Leandro Melo faz coro à convocatória:"A guerra continua. A coisa não muda da noite pro dia. O pessoal está reclamando muito e há a intenção sim de um terceiro breque. Enquanto a grande massa nossa estiver revoltada com os aplicativos, pode ter certeza que a guerra com os aplicativos continua sim.”

Diógenes pondera que os entregadores que participaram mais ativamente da organização dos breques, dedicando tempo para reuniões, panfletagens e conversas com outros motoboys, tiveram que deixar de trabalhar por alguns dias, comprometendo a própria renda. Exatamente por isso, o tempo para a reorganização de uma nova paralisação se faz necessário. 

“A mensagem que deixamos é que nós temos opinião. Eles sabem que estamos insatisfeitos com a posição dos aplicativos e que vamos lutar pelas melhorias. Mesmo que nem todos tenham aderido à paralisação, tem pessoas que vão lutar por isso. Não desistimos, estamos dando um tempo para nos reformularmos”. 

Mesmas pautas

Apesar das pluralidade do movimento e algumas divisões entre os organizadores autônomos dos breques e sindicatos, existem reivindicações essenciais que unem a categoria. 

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Entre elas, uma remuneração mais justa por meio do estabelecimento de uma taxa mínima por corrida maior do que a atual, assim como o pagamento padronizado por quilometragem percorrida. A suspensão imediata de bloqueios sem justificativa, que segundo os organizadores da greve são realizados frequentemente pelas empresas como Rappi, Ifood, Loggi e UberEats, também é uma das principais demandas. 

Com mais de 30 anos atuando na profissão, Altemicio Nascimento afirma ser um dos centenas de atingidos por essa política de bloqueio arbitrário. Há semanas, ele está com a conta do Ifood bloqueada e não consegue resposta da empresa para justificar a suspensão.

O trabalhador defende de modo incisivo que as plataformas precisam ser transparentes e abrirem canais de comunicações efetivos com os entregadores. "A gente fala com robô. Queremos transparência. Muitos pais de família são bloqueados do nada, descartados. Fazer acareação, ver o que aconteceu. Não só tirar da plataforma injustamente. Eles nos tratam como lixo. E não é assim que funciona", critica Nascimento. 

“A alimentação é a coisa que mais dói, ter que trabalhar com fome carregando comida nas costas” ::

Rafael Félix acrescenta que os entregadores também querem o fim dos sistemas de pontuação e ranking que influenciam diretamente na remuneração.

"A Rappi, por exemplo, criou um sistema para obrigar a trabalhar para ela todos os dias, 24h por dia. Caso você não trabalhe todos os dias, não atinge uma meta de pontuação para trabalhar aos fins de semana, onde tem mais fluxo de entrega. E Com a Uber Eats, não sabemos onde vamos e nem quanto vamos ganhar... A guerra vai parar quando acatarem as reivindicações", aposta o entregador.   

Edição: Rodrigo Durão Coelho